A humanização dos atletas olímpicos

Princípio da igualdade pode ser um impedimento para realização dos Jogos de Tóquio

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Na última quinta (28), participei de uma reunião virtual com Christophe Dubi, diretor executivo dos Jogos Olímpicos de Tóquio pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

O mundo espera por uma resposta sobre os Jogos, e o COI está tentando produzir essa resposta.

Diferentemente das entrevistas coletivas a que temos assistido nos últimos tempos, com mesas enormes, desinformação, violência verbal e falta de respeito em auditórios cheios de pessoas sem cuidados físicos e morais, Dubi mostrou a face humana do COI.

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Christophe Dubi, diretor executivo dos Jogos Olímpicos de Tóquio pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) - Wang Zhao - 28.mar.15/AFP

Trajando uma simples camiseta polo com o símbolo olímpico, em uma sala discreta, sem aparatos nem assessores, o diretor executivo deixou transparecer que o COI rapidamente se mobilizou para minimizar o estrago causado pelo adiamento dos Jogos. Nas entrelinhas da entrevista, ainda evidenciou a possibilidade concreta do cancelamento da edição olímpica de Tóquio.

Óbvio que se falou dos bilhões de dólares envolvidos na organização e também na desorganização daquele que deveria ser o maior evento esportivo do ano. De forma direta, sem rodeios, tampouco meias palavras, Dubi apresentou todas as dificuldades que envolvem o adiamento. Com a serenidade de quem sabe o que está falando, discorreu sobre o imponderável mesmo para quem tem tudo sob controle.

Apresentou as dificuldades diretas na preparação dos atletas, afirmando que a pandemia afeta os treinos e, portanto, a qualidade do desempenho esportivo. Mas mais que isso, apresentou o princípio da igualdade, um valor olímpico, como impedimento.

A afirmação de que o mundo está desigual parece um tapa na cara de quem ainda faz de conta que tudo parece como antes e aposta na normalidade. Muitos atletas encontram-se confinados, enquanto outros desenvolveram estratégias para treinar, ainda que as condições não sejam ideais.

Isso por si só fere os princípios olímpicos. Entendo que essa situação poderia ser equiparada ao doping, uma vez que alguns terão superioridade sobre outros, facilitada pelo acesso aos treinos a que outros estarão impedidos. E todos sabem disso.

O dirigente se mostrou sensível às demandas da sociedade nipônica no que se refere ao trânsito físico de pessoas pelo território japonês quando ainda não se terá testado a eficácia de uma possível vacina, que ainda se encontra apenas no sonho e nos projetos de autoridades sanitárias.

Por mais que se deseje essa festa em casa, não se pode colocar em risco a segurança e a saúde de quem está esperando pelos muitos convidados que virão de todas as partes do planeta.
Dubi mostrou conhecimento e preparo técnico para lidar com uma questão objetiva, o negócio olímpico, mas também apresentou com sensibilidade a preocupação com problemas concretos quanto ao campo simbólico.

Uma das questões apresentadas foi o que fazer com a chama olímpica, que já se encontra no Japão anunciando a presença olímpica num território que não sabe se conhecerá de perto essa celebração.

Pela primeira vez eu vi um dirigente dedicar a esse tópico o mesmo cuidado com que fala dos bilhões em dinheiros gastos, consumidos e perdidos neste momento.

A pandemia humanizou os imortais e afirmou que, por maior que sejam os Jogos Olímpicos, eles dependem dos humanos atletas, para protagonizar o espetáculo, e do respeitável público, cuja paixão os mobiliza a transitar mundo afora em busca da captura de um instante mágico proporcionado pela habilidade do atleta que eterniza e mobiliza o imaginário esportivo.

Parece que o trem voltou a correr sobre os trilhos de onde nunca deveria ter saído.