Bolsonaro é coerente, só que é a coerência da morte e da guerra, diz Marcos Nobre

Ebook do professor de filosofia abre 'Coleção 2020', com ensaios sobre pandemia

O presidente Jair Bolsonaro é um político coerente, afirma Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o Cebrap.

“Só que é a coerência da morte, da guerra”, complementa. Nobre se vale do vídeo da reunião ministerial de abril para guiar seus argumentos.

“É a encenação perfeita de um governo de guerra. Vemos o presidente como um militar treinado para aceitar que as pessoas morrem. Mas qual é a guerra ali? Não é contra a pandemia ou contra a desigualdade, é a guerra contra a democracia, por isso é revoltante.”

Nobre está lançando o ebook “Ponto-final: a Guerra de Bolsonaro contra a Democracia”, que abre a "Coleção 2020 - Breves Ensaios sobre a Pandemia", da editora Todavia.

São livros curtos que refletem sobre uma crise sanitária que se desdobra em profundos desequilíbrios na economia, no comportamento, entre outras áreas.

Os ensaios com publicação prevista para junho são assinados pelo cientista político Leonardo Avritzer e pela economista Laura Carvalho. Nos meses seguintes, a Todavia irá lançar títulos do jornalista Vinicius Torres Freire e do professor de direito constitucional Conrado Hübner, ambos colunistas da Folha, e de Anna Virginia Balloussier, repórter do jornal, entre outros nomes.

Logo no início do texto, Nobre lança a dúvida. Como muitos líderes mundo afora, o presidente poderia ter usado a pandemia como oportunidade para aumentar sua popularidade, firmando-se como líder de uma união nacional. Por que não o fez?

“A resposta curta é: por surpreendente que possa parecer, Bolsonaro agiu dessa forma por fidelidade ao seu projeto autoritário. A resposta longa é a que apresento neste livro”, escreve. São 80 páginas de ciência política às quais se percorre com fluência, sem os jargões do meio acadêmico que poderiam afugentar o leitor.

Para começo de conversa, diz Nobre, é preciso parar de tratar Bolsonaro como um estúpido ou um tresloucado.

“Ele tem um programa autoritário, não é só da boca para fora”, afirma. “Ao dizer que Bolsonaro é burro ou louco, ele é confirmado no papel de antipolítico e assim se deixa de discutir política. Vamos levá-lo a sério e tratá-lo dentro do contexto da política.”

Para compreender a “lógica de guerra” do presidente, é fundamental destrinchar o arsenal de conceitos retorcidos ou distorcidos que ele carrega. Ou, como diz Nobre, “um glossário especial”.

Bolsonaro é antissistema, sendo que o sistema para o ex-capitão é democracia. E o que é democracia na visão dele? É a esquerda. Para o presidente, diz o professor, “esquerda significa qualquer força política que não seja ele”.

Sob esse ângulo, todos os partidos que estiveram no governo desde a redemocratização. “A ruptura é representada pela redemocratização, que veio romper um processo virtuoso, a ditadura militar”, explica Nobre.

E assim voltamos à pergunta inicial: por que Bolsonaro age desse modo diante do avanço de um vírus que já matou mais de 26 mil pessoas no Brasil?

“Ele não teria como não tomar as medidas que tomou, sabotando qualquer tentativa de reorganização eficiente do sistema. Caso contrário, jogaria fora o projeto autoritário. É a fidelidade dele às convicções autoritárias que o impede de agir de outra maneira.”

A essa altura, o leitor talvez pense: existe saída? Sim, responde o autor, o aumento da rejeição a Bolsonaro nos meses da pandemia reforça a possibilidade de abertura de um processo de impeachment. Mas nada é para já.

“Há um desespero de muita gente para que aconteça um impeachment imediatamente tamanha a sequência de barbaridades. Mas o processo de deslegitimação de um presidente sempre demora.”

Ponto-final