'Não conhecem a saúde pública', diz ex-secretário do Ministério da Saúde sobre militares que estão na pasta
João Gabbardo dos Reis disse torcer para que a experiência logística dos novos membros da saúde ajudem em questões como a produção de novos respiradores
PORTO ALEGRE - O ex-secretário executivo do Ministério da Saúde João Gabbardo dos Reis vê com preocupação a militarização da pasta durante o período de combate à Covid-19. Gabbardo afirmou que a experiência logística dos novos membros pode ajudar em questões como no recebimento dos equipamentos de proteção individual comprados da China e na produção de respiradores. Mas o atual secretário-executivo do Centro de Contingência do combate ao coronavírus em São Paulo disse ter convicção de que outras áreas do Ministério da Saúde ficarão desprotegidas porque "as pessoas que estão lá não conhecem a saúde pública".
Gabbardo disse que o trabalho do Ministério da Saúde é complexo, já que a pasta não trabalha sozinha e sempre precisa negociar com os estados e municípios as ações que devem ser tomadas. As declarações foram dadas durante a uma entrevista ao portal Gaúcha ZH.
— Não é com uma canetada em Brasília que a gente faz qualquer coisa, porque quem vai executar será a secretaria municipal e estadual de saúde. O ministério não pode achar que ele vai impor a sua vontade na caneta e que todo mundo vai cumprir — disse.
O ex-membro do governo disse torcer para que a experiência logística contribua com o combate ao vírus, afirmando que toda semana chega um avião trazendo máscaras que foram compradas pelo ministério quando ele ainda era integrante da pasta.
O médico contou também que foi convidado por Nelson Teich, quando assumiu a pasta da saúde, para continuar como secretário-executivo, mas que não aceitou, pois havia assumido o compromisso de deixar o cargo quando Luiz Henrique Mandetta saísse. Gabbardo disse também que, mesmo que quisesse ficar, não poderia, já que o presidente Jair Bolsonaro havia convidado o general Eduardo Pazuello, agora ministro da Saúde, para assumir o cargo de secretário-executivo.
— Não (cogitei ficar), porque eu já tinha assumido o compromisso de que, quando o Ministro Mandetta saísse, eu também sairia. A forma que nós estávamos trabalhando não era a desejada pelo governo, então não tínhamos por que ficarmos e termos de mudar de conduta. Todo o problema que estava acontecendo com o ministro Mandetta continuaria ocorrendo se nós ficássemos no Ministério da Saúde. Me coloquei à disposição para ficar o tempo necessário para fazer a transição, fiquei alguns dias com o atual ministro, que na época era secretário-executivo. E no momento em que ele achou que já estava em condições (de seguir sozinho), eu pedi minha exoneração — conta Gabbardo.
Ele relembrou que, enquanto permaneceu no Ministério da Saúde, não se sentiu pressionado e que teve liberdade para trabalhar e de montar sua equipe. Isto aconteceu mesmo sabendo que algumas ações feitas pela pasta não agravadam ao governo.
O ex-secretário do Ministério da Saúde defendeu as medidas de isolamento social que foram tomadas para diminuir a contaminação pelo novo coronavírus. Gabbardo disse que, se elas não tivessem existido, o número de infectados e mortos hoje seria muito maior. Ele relembrou dos argumentos que apontavam a Suécia como exemplo por não ter feito a quarentena e disse que neste momento os países europeus estão abrindo suas fronteiras para as nações vizinhas, mas não para a Suécia por causa do número de infectados e no modo como a infecção está ocorrendo no país.
A fisioterapeuta Ana Carolina Xavier, do programa de cuidado da família, atende uma paciente com COVID-19 em uma periferia do Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / REUTERSParentes acompanham enterro de uma vítima do novo coronavírus, no cemitério de Vila Formosa, o maior cemitério do Brasil, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSVista aérea de sepulturas abertas e ocupadas durante o surto de COVID-19, no cemitério de Vila Formosa, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSO presidente Jair Bolsonaro come um cachorro-quente em uma lanchonete de rua, em meio ao surto de coronavírus, em Brasília, gerando aglomeração com sua presença Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSManifestantes participam de um protesto a favor do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio do Planalto, em meio ao surto de doença por coronavírus, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
Manifestante contrário ao governo participa de panelaço contra o presidente Jair Bolsonaro, durante o surto de coronavírus Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSPessoas esperam para receber doações de botijões de gás de cozinha distribuídas pela Central Única das Favelas (CUFA), na favela da Rocinha, durante a pandemia de Covid-19 Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSA técnica de enfermagem indígena Kambeba, Neurilene Cruz, 36 anos, realiza testes para COVID-19 às margens do rio Negro, na aldeia Tres Unidos, estado da Amazônia Foto: BRUNO KELLY / REUTERSUm profissional de saúde em roupas de proteção é visto em frente ao corpo de Laureano Ferraz, 78, indígena Wanano, que faleceu devido à COVID-19, depois de chegar de jato na UTI de São Gabriel da Cachoeira para Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERSHomens carregam caixas a serem instaladas para os caixões no cemitério municipal de São Pedro, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS
Alessandra Said, 45, médica do Serviço de Resgate de Emergência (SAMU), reage após receber notícias sobre outro colega que foi infectado durante a disseminação da doença, em Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERSHomem corre dentro de seu apartamento durante o surto de coronavírus o Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / REUTERSOperários da Fiat Chrysler Automobiles produzem máscaras protetoras na fábrica de montagem em Betim, perto de Belo Horizonte, Minas Gerais Foto: WASHINGTON ALVES / REUTERSMulher grávida com COVID-19 é levada de ambulância por um profissional de saúde depois de chegar de Coari a Manaus em um jato de UTI Foto: BRUNO KELLY / REUTERSMembros da equipe médica fazem um raio-X do pulmão de um paciente com COVID-19 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de campanha em Guarulhos, São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERS
Médica compara duas radiografias de tórax diferentes de um paciente enquanto conversa com um colega de equipe em um hospital de campanha montado em Guarulhos Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSCoveiros carregam o caixão uma vítima da Covid-19 durante seu funeral, no Rio de Janeiro Foto: Ricardo Soares / ReutersJavier Alexndre Andres Cruz, 26 anos, um indígena Tikuna com contaminado com a COVID-19 é atendido em uma ambulância depois de chegar de jato da UTI de Tabatinga a Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERSIndígenas participam do funeral do chefe Messias Kokama, 53, do Parque das Tribos, que morreu pelo novo coronavírus, em Manaus, Brasil Foto: BRUNO KELLY / REUTERSUm policial ordena que um banhista abandone a Praia de São Conrado após o fechamento das praias, em meio ao surto de coronavírus, no Rio de Janeiro Foto: SERGIO MORAES / REUTERS
Coveiros preparam o caixão de homem que morreu com suspeita de Covid-19 no cemitério público de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro Foto: Ricardo Moraes / REUTERSFuncionário de um serviço finerário se prepara para remover o corpo de um homem que morreu em casa em meio ao surto de COVID-19, no bairro de Tancredo Neves, em Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERSTrabalhadores de uma funerária com roupas de proteção colocam em um caixão o corpo de um homem que estava deitado na calçada da comunidade de Arara, n Rio de Janeiro, onde morreu por problemas respiratórios depois que os moradores pediram ajuda ao serviço de emergência Foto: RICARDO MORAES / REUTERSCoveiros enterram um caixão próximo a sepulturas abertas enquanto a disseminação do novo coronavírus continua fazendo vítimas, no cemitério de Vila Formosa, em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSO presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores durante um protesto contra o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o Supremo Tribunal Federal (STF), e as medidas de quarentena e distanciamento social, em meio ao surto de coronavírus, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERS
Médicos do Serviço de Resgate de Emergência (SAMU) tentam reanimar um paciente com suspeita de COVID-19, em Manaus Foto: BRUNO KELLY / REUTERSParentes de uma menina de um ano que morreu pela COVID-19 acompanham o enterro em um cemitério no Rio de Janeiro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSA médica Luciana Souza e o enfermeiro Edson dos Santos conversam enquanto fazem uma pausa em um hospital de campanha criado para tratar pacientes com COVID-19 em Guarulhos, São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSPaciente com COVID-19 é tratado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital de campanha em Guarulhos, São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSUma enfermeira do Serviço de Resgate de Emergência (SAMU) transporta um paciente de uma unidade básica de saúde para um hospital durante a propagação do coronavírus em Santo André, São Paulo Foto: RAHEL PATRASSO / REUTERS
Estátuas do Monumento às Bandeiras são vistas com máscaras durante a propagação da doença por coronavírus em São Paulo Foto: AMANDA PEROBELLI / REUTERSEnfermeiros protestam contra a morte de colegas que morreram trabalhando na linha de frente de combate ao novo coronavírus no país, em Brasília Foto: ADRIANO MACHADO / REUTERSGuardas municipais patrulham um mercado de rua fechado durante o surto de coronavírus no Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / REUTERSUm agente verifica a temperatura de um motorista na entrada da cidade de Niterói durante seu primeiro dia de bloqueio total, perto do Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / ReutersO padre Reginaldo Manzotti borrifa água benta nos motoristas no sistema drive-thru de bênçãos durante o Dia das Mães, em Curitiba Foto: RODOLFO BUHRER / REUTERS
Os homens recebem orações de membros do projeto social Fala Comigo!, que também ofereceu ofereceu máscaras e alimentos em uma área conhecida como Cracolândia, durante o surto de coronavírus no Rio de Janeiro Foto: RICARDO MORAES / REUTERSParentes de uma idosa que morreu pela COVID-19 acompanham enterro em um cemitério no Rio de Janeiro Foto: PILAR OLIVARES / REUTERSHomem reage durante o enterro de sua avó, que morreu com suspeita de coronavírus, no cemitério Parque Tarumã, em Manaus Foto: BRUNO KELLY / ReutersFuncionário de um serviço funerário de Manaus prepara caixões em meio ao surto de coronavírus Foto: Bruno Kelly / REUTERS
— Me posiciono com quem defendeu as medidas. Estamos com 20 mil óbitos, pode ser que tenhamos 40 mil, apesar das medidas que foram tomadas. Se não tivessem sido tomadas estas medidas, o número seria muito maior, não tenho dúvida.
'Cloroquina virou politização'
Ao comentar sobre o uso da cloroquina no tratamento contra o novo coronavírus, Gabbardo disse que o medicamento "como quase tudo no país hoje, sofre um processo muito grande de polarização". O médico disse que algumas pessoas que defendem o uso da cloroquina em qualquer situação, enquanto outras não admitem seu uso.
— A minha posição não é nem uma nem outra. Tentamos fazer isso no Ministério da Saúde. A cloroquina estava sendo usada em alguns locais e o resultado parecia ser promissor, depois a gente viu que não era tão promissor assim. Nós tínhamos uma observação em relação à cloroquina, mesmo que ela pudesse ser utilizada como uma alternativa para o combate à Covid, ela exigia que o tratamento fosse feito em hospital porque o paciente precisa ser monitorado. Se o paciente tomar cloroquina e não for monitorado, possivelmente os riscos serão superiores aos benefícios. Ninguém queria impedir o uso da cloroquina, não era isso, sabíamos que não havia evidência científica que comprovava o benefício, mas se admitia o uso da cloroquina em pacientes monitorados.