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Sleeping Giants

Sleeping Giants | Iniciativa quer acabar com fake news por meio da publicidade

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O movimento Sleeping Giants nasceu nos Estados Unidos há quatro anos e aportou no Brasil há 15 dias, chacoalhando o ecossistema de publicidade digital. A ideia da iniciativa é boicotar anúncios em sites de fake news, que se beneficiam financeiramente das peças publicitárias veiculadas em seus espaços. Na teoria, sem a receita gerada pelos anúncios, os portais acabariam.

Mas, o ecossistema de publicidade online é super complexo. Com isso, muita gente está confusa quanto ao funcionamento e a eficácia do movimento. Para explicar a lógica do Sleeping Giants e avaliar se o método encontrado por eles pode realmente dar certo, o Canaltech conversou com os players envolvidos.

Como funciona a Mídia Programática?

Para entender a aposta do Sleeping Giants precisamos dar um passo para trás e saber como funciona o processo de compra de mídia na internet. Há cerca de seis anos surgiu uma nova tecnologia chamada de Mídia Programática, que automatiza a venda e compra de mídia por meio de plataformas.

Ou seja, antes disso, a marca que queria veicular uma peça publicitária em determinados sites, tinha que negociar separadamente com cada site no qual a campanha seria exibida. Com a chegada da Mídia Programática ficou mais fácil essa negociação. Em uma explicação simples: as plataformas pegam as campanhas dos anunciantes e espalham pelos sites na internet.

A marca define, por meio de filtros e segmentação, que público quer atingir, e a ferramenta faz a distribuição. Os anunciantes pagam para aparecer e os portais recebem para mostrar. Dois dos players mais famosos desse segmento são o Facebook e o Google,que fazem o disparo das campanhas por meio de suas ferramentas. O Facebook, no entanto, apesar de muito utilizado lá fora, aqui na América Latina só distribui as peças publicitárias dentro do próprio Facebook e em aplicativos, e não em sites.

Aonde entra o Sleeping Giants?

Com esse mecanismo, a iniciativa achou uma forma de "quebrar a roda" das fake news, checando os sites que veiculam notícias falsas e alertando as marcas que suas publicidades estão aparecendo por lá. Isso porque, com a automação da Mídia Programática, os anunciantes às vezes nem sabem onde suas campanhas vão parar.

Hoje o SG tem usado as redes sociais para avisar os anunciantes e muitos deles estão retirando seus anúncios dos sites de fake news. Ao expor publicamente as empresas, cerca de 34 delas fizeram sua parte. (veja aqui quais são).

Umas das organizações acionadas pelo SG foi a empresa de cursos online, SoftBlue. "Usamos Google Ads, Facebook Ads e YouTube Ads e não tínhamos ideia de que nossos anúncios estavam parando nestes sites. Nosso foco é mais em canais de tecnologia e canais de vídeos de TI. Agora será 100% segmentado para eles. A gente não quer contribuir com a disseminação de informações duvidosas/falsas", contou Alessandra Puglia, gerente de marketing da companhia ao Canaltech.

Depois do episódio, eles criaram uma blacklist que exclui, da conta do Google e Youtube, os sites e canais de fake news. Eles também instituíram o processo de pesquisa semanal para a inclusão de novos portais que venham a surgir.

A responsabilidade é de quem?

Uma das questões que tem esquentado a discussão sobre o tema é a quem se deve atribuir a responsabilidade da veiculação das peças publicitárias em sites de fake news. Há quem acredite que os responsáveis são as empresas de tecnologia que fazem a distribuição, como o Google, por exemplo, mas há quem responsabilize as marcas.

"O IAB não se posiciona sobre isso. Existe quase uma condenação da tecnologia, mas é como culpar o carro por ele ter ido até uma boca de fumo. Outra coisa, não podemos estereotipar a Mídia Programática como terra de ninguém. Ela pode ser controlada", comentou Cristiane Camargo, CEO da IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau).

A executiva ainda disse que o IAB acredita que a saída da publicidade em sites de fake news é um trabalho coletivo do ecossistema como um todo. "Existem filtros muito restritivos nestas plataformas de Mídia Programática. O que acontece é que as marcas acabam abrangendo muito o seu leque para estar onde seu target está e às vezes eles estão nestes sites", disse.

Em entrevista ao Canaltech, Breno Barcelos, especialista de produto do Google, explicou que tanto o Google Ads quanto o DV360 possuem filtros que podem impedir que os anúncios cheguem até estes portais.

"É possível criar uma blacklist de URLs na conta ou campanha. A estratégia de mídia pode estar associada a comportamentos, interesses, dados demográficos do público-alvo ou mais pautados em contextos relevantes. Nada disso é excludente e fica a critério do anunciante escolher", comentou.

O caminho mais fácil em termos de segmentação é ser mais generalista, porque aumenta o espectro de audiência, segundo Breno. Porém, para fugir destes sites tem que ir no detalhe. Isso porque algumas marcas alegaram que, ao filtrar sites de contexto político, por exemplo, acabaram tirando do seu rol outros portais importantes.

Para Cristiane, trata-se de escolha. "Se você aumenta sua esfera de proteção, você diminui oportunidade. A balança de oportunidade e risco está intimamente ligada. Por outro lado, evoluímos a partir de reclamações do mercado. As empresas de tecnologia precisam refinar filtros, se aprimorar. De novo: é um trabalho coletivo de engajamento de classes. Por que os anunciantes não se unem para entender quais filtros devem ser criados e quais serão os novos padrões de segurança?", sugeriu Cristiane.

As empresas de tecnologia podem até aprimorar suas ferramentas para dar ainda mais refinamento e autonomia aos anunciantes, mas dificilmente irão vencer esta batalha sozinhas. Segundo a CEO do IAB, inúmeros sites são criados por minuto e muitos deles com propósitos antiéticos ou ilegais. Além do refinamento das ferramentas, todos os players concordam que a educação dos profissionais que atuam no gerenciamento das plataformas é primordial também, assim como o comprometimento do público em parar de acessar sites duvidosos.

Tanto Google quanto Facebook possuem políticas de violação que tentam restringir ao máximo fraudes, conteúdos enganosos (promessas falsas, phishing…) e etc (veja aqui e aqui) nos locais em que distribuem os anúncios. Mas somente o Facebook iniciou medidas especificamente contra as fake news (veja aqui).

A rede social declarou que "atua em parceria com agências de checagem de fatos para marcar posts que tenham informações falsas ou parcialmente falsas. Esses posts são rotulados para que as pessoas possam decidir por elas mesmas o que querem ler, acreditar e compartilhar. Esse rótulo é mostrado por cima de fotos e vídeos marcados como falsos ou parcialmente falsos, incluindo conteúdo no Stories no Instagram, e contam com um link para o artigo da agência de checagem de fatos sobre aquele conteúdo. Nesses últimos meses, também anunciamos uma parceria com agências de checagem de fato e a aliança com a The International Fact-Checking Network (IFCN) para lançar um programa de US$1 milhão para aumentar a capacidade de trabalho de verificadores de fatos."

Já o Google disse em declaração oficial que "agimos diariamente para minimizar conteúdos que violam nossas políticas e impedir a ação de pessoas mal-intencionadas em nossa rede. Somente em 2019, conforme nosso mais recente relatório de transparência, encerramos mais de 1,2 milhão de contas de publishers e retiramos anúncios de mais de 21 milhões de páginas, que faziam parte de nossa rede, por violação de políticas".

O Canaltech também entrou em contato com os organizadores das páginas do Sleeping Giants, mas eles se negaram a dar entrevista.