Queda de 1,5% foi suave; Itaú prevê -10,6% neste trimestre
by Gilberto Menezes CôrtesNão sei se vocês conhecem uma velha piada de ópera que o saudoso ex-ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, profundo conhecedor do gênero, gostava de contar. Em certa apresentação, no Scala de Milão, a troupe não era das melhores. Primeiro entrou um time de baixos sopranos bem fracos. Irritou o público, que reagiu com vaias. Em seguida surgiu um casal. A moça, contralto, arrancou gargalhadas e seu par foi espicaçado. Furioso, ele não se conteve e bradou na boca de cena: “Aspeta il barítono”...
Conto a história para servir de introdução à queda de 1,5% no PIB do 1º trimestre, em relação ao 4º trimestre de 2019 (que crescera 0,4% sobre o 3º trimestre). Comparada a outros países que viram suas economias padecerem desde fevereiro sob o impacto do Covid-19, o comportamento do Brasil foi na razão direta do fato de que os estragos da pandemia (declarada dia 11 de março pela OMS) só ter sido reconhecido aqui na 2ª quinzena de março.
O estrago na economia vai ser maior quanto tempo durar o isolamento ou, na razão inversa, demorar a volta à normalidade. Por isso, o Departamento Econômico do Itaú, que quase acertou o resultado (previa queda de 1,4%, enquanto o Bradesco estimava -2%) está prevendo o pior para este 2º trimestre: “queda de 10,6% (não anualizada, sem efeitos sazonais) uma vez que as medidas de distanciamento social permanecem em vigor durante a maior parte do trimestre”. O Itaú vê “a economia se recuperando a partir do 3º trimestre, levando o PIB a cair 4,5% em todo o ano e aumentar 3,5% em 2021”.
O tranco veio em abril
A descrição do comportamento da economia no levantamento do IBGE deixa claro como os diversos setores tiveram impactos diversos por uma combinação inédita de choque de demanda (com o isolamento) e choque de oferta (semi paralisação na produção industrial e de serviços): a Indústria teve queda de 1,4% e os Serviços (que representam quase 63% do PIB) tiveram recuo de 1,6%. Já a Agropecuária - que estava com a safra de soja e das principais lavouras basicamente colhidas e teve os abates de aves, suínos e bovinos pouco afetados no 1º trimestre - cresceu 0,6%.
Decompondo as atividades industriais, a queda foi puxada pelas Indústrias Extrativas (-3,2%, devido à redução de produção da Petrobras face às quedas bruscas do preço do barril de petróleo, tendência que se acentuou em abril, e da extração de minério de ferro pela Vale). Também tiveram queda a Construção (-2,4%), as Indústrias de Transformação (-1,4%) e a atividade de Eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (-0,1%).
Nos Serviços, o comércio perdeu efetivamente duas semanas de faturamento e contraiu 0,8% (lembrando que o último trimestre é o mais forte do ano, pelas vendas da Black Friday e do Natal) e o setor de intermediação financeira e seguros caiu apenas -0,1%, já que ocorreram muitas operações de emergência até o fim de março para manter as atividades do segmento. Mas outros segmentos já tiveram impactos fortes: Outros serviços caíram 4,6%; Transporte, armazenagem e correio -2,4%: Informação e comunicação -1,9%: Administração, saúde e educação pública (-0,5%). A única variação positiva veio das Atividades imobiliárias (0,4%).
Pela ótica da despesa, a Despesa de Consumo das Famílias (-2,0%) registrou queda, enquanto a Formação Bruta de Capital Fixo (3,1%) e a Despesa de Consumo do Governo (0,2%) tiveram variações positivas em relação ao último trimestre de 2019.
No setor externo, as Exportações de Bens e Serviços encolheram 0,9%, enquanto as Importações de Bens e Serviços cresceram 2,8% em relação ao 4º trimestre de 2019.
Cronologia da Covid afeta PIB no mundo
No balanço do 1º trimestre, as maiores retrações do PIB coincidem com o impacto quase integral ou parcial das medidas de isolamento no período. Vejamos o caso da China. Berço do novo coronavírus que eclodiu no fim de dezembro, o isolamento avançou por janeiro e fevereiro e o país retomou as atividades em março e abril, mas teve queda recorde de 6,8% no PIB. A Coréia do Sul, que reagiu logo em janeiro com testagem e isolamento social, teve queda de 1,4% no PIB. Já o Japão, atingido em fevereiro, teve retração de 3,4% porque ficou sem suprimento de muitos insumos produzidos na China.
O processo de globalização deixou mais vulneráveis os países cuja cadeia produtiva dependem de insumos da China (caso da Zona França de Manaus nos dois primeiros meses deste ano e fábricas que montam bens de consumo em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Nordeste e Sul do país com componentes “made in China”. O próprio combate ao vírus mostrou a fragilidade dos países que transferiram na globalização a produção de bens e insumos para nações com mão de obra barata no Sudeste Asiático. E isso influiu no próprio desempenho das economias.
A Zona do Euro teve queda de 3,8% do PIB no trimestre, frente ao 4º período de 2018. A retração no fluxo turístico, que tem um peso importante nas economias do continente, afetou os países mais dependentes da atividade. A Itália, 1º país a enfrentar a pandemia, em fevereiro, teve queda de 5,7% no PIB. A Espanha, que enfrentou o Covid desde fevereiro, teve contração recorde de 5,2%. A França, amargou queda de 5,8%.
Já a Alemanha, que acusou os primeiros casos no fim de fevereiro e depende menos do turismo, viu seu PIB encolher 2,2%. Último país a agir contra o novo coronavírus, em meados de março, como o Brasil, o Reino Unido, acumulou mais mortes (pela demora na adoção do isolamento) e viu o PIB encolher menos (2%). Mas tem projeções sombrias para o ano: somando o impacto Covid-19 neste 2º trimestre ao da saída da União Europeia, em novembro, o PIB pode encolher 13%.
Nos Estados Unidos, os impactos atingiram os meses de fevereiro e março, com queda recorde de 4,8% no PIB do 1º trimestre. No Canadá, o impacto foi maior ainda, com retração de 8,2% no trimestre, com perda nas exportações para os Estados Unidos, Europa e no fluxo de turismo vindo destas regiões. O México, atingido mais tarde, teve perda de apenas 1,6% no trimestre.
A grande exceção entre os países foi o comportamento da Índia. Por ter adotado apenas em 25 de março um dos isolamentos mais radicais do mundo para os seus 1,380 bilhão de habitantes, o país escapou à recessão quase generalizada e cresceu 3,1% (bem menos que a taxa de 4,7% no 4º trimestre de 2019) nos primeiros três meses deste ano. Na América do Sul, o Chile (país atingido tardiamente pelo Covid-19 e que vêm casos e mortes em escalada) teve desempenho também positivo, com expansão de 0,4%.
A Rússia, que foi atingida pela dupla redução da produção de petróleo e pela queda dos preços em abril, teve contração de 1,6% no trimestre, mas o próprio Banco Central russo estima que o grande choque virá no 2º trimestre, com queda de 8%. Na América do Sul, o PIB da Colômbia contraiu 2,4%. No Peru a queda trimestral foi de 3,36%, com epicentro em março, mês em que a economia contraiu 16,3%. Na Argentina não há indicações precisas.
O que vem pela frente
Com base no desempenho do 1º trimestre e na demora da retomada das atividades nas principais cidades brasileiras com peso na produção indústria e nas atividades de serviços, o Departamento Econômico do Bradesco revisou de 4% para 5,9% a queda do PIB do Brasil em 2020, enquanto a inflação deve cair a apenas 1,5%. O banco manteve em 3,5% a previsão do crescimento para 2021, “apoiada na hipótese de que não haverá uma 2ª onda de contaminação, retomaremos a agenda de reformas, mantendo o compromisso fiscal de médio prazo, além de manter juros baixos e crédito em expansão”.
Mas o Bradesco seguiu o Itaú na piora do cenário deste 2º trimestre e espera uma queda próxima de 10%. Suas justificativas são as seguintes:
“A curva de contaminação por covid-19 no Brasil ainda não se estabilizou. Tendo começado o distanciamento social em um estágio inicial da doença, o país conseguiu fazer com que a curva de contágio per capita crescesse “por baixo” daquelas observadas nos EUA e na Europa. Ainda que esse seja um bom sinal, diante da enorme crise sanitária observada no mundo, o fato é que nossa curva de contaminação ainda não se estabilizou e, portanto, não é possível definir com precisão a duração do distanciamento social. Mas há grande heterogeneidade entre os estados brasileiros e começam a aparecer condições preliminares de reabertura em algumas regiões do país.
Apesar de considerar “um quadro ainda bastante incerto”, o Bradesco admite que “o Brasil poderá observar os protocolos e efeitos da reabertura em outros países para adotar estratégias eficazes de mitigação dos riscos de uma segunda onda de contaminação”. Entretanto, “apesar desses sinais preliminares, o fato é que os efeitos da pandemia sob sobre a atividade econômica têm se mostrado mais intensos do que o esperado”.
Mesmo com apenas parte de um mês sob as regras de distanciamento, houve queda relevante do PIB no trimestre passado e espera-se um impacto ainda maior neste trimestre. Indicadores de confiança têm se mostrado ligeiramente menos negativos, recentemente, e poderá haver melhora adicional diante da expectativa de reabertura em alguns estados. Ainda assim, os indicadores coincidentes já divulgados, os dados do mercado de trabalho e os indicadores de condições financeiras sugerem uma retração relevante do PIB do segundo trimestre, que pode se aproximar de 10%”, projeta o Depec.
Retomada no 2º semestre
Mas o Depec vê a recuperação no 2º semestre: “Se há um pouco mais de clareza sobre o 2º trimestre, há muita incerteza em relação ao ritmo de retomada a partir da segunda metade do ano. Na ausência de um medicamento eficaz, é muito difícil inferir o comportamento das famílias e empresas com o fim do isolamento. A experiência de outros países mostra uma retomada mais intensa da indústria, porém gradual de comércio e serviços”.
“Apesar de alguns programas de apoio a empresas e famílias mitigarem parte dos impactos da crise, sem um remédio eficaz, a perda de renda tende a ser mais duradoura. Assim, com empresas e famílias mais endividadas, possível aumento da poupança precaucional e elevação do desemprego, é provável que a retomada seja gradual”. O Depec Bradesco prevê que o “desemprego deve atingir 14,0% na média deste ano e a massa de salários deve se contrair em 4,1%”.
Indicadores da incerteza
E prossegue o Bradesco: “Esse ambiente de incertezas, fez com que o real acumulasse uma depreciação maior do que os pares desde o início da pandemia [29%]. O câmbio sugerido pelos fundamentos tende a ser mais apreciado, próximo de R$/US$ 5,10 ao final do ano”.
“Apesar dessa depreciação cambial, a inflação continua exibindo trajetória benigna. O choque de demanda ocasionado pela contração do emprego e renda tem prevalecido sobre a depreciação cambial, o que nos levou a revisar a projeção de inflação para 1,5% em 2020 e 2,8% em 2021”.
“Diante desse quadro, o Banco Central deve seguir cortando a taxa de juros para 2,25% e mantê-la nesse patamar até o final do próximo ano. O regime de metas de inflação confere espaço para o Banco Central cortar os juros e prover estímulo adicional à economia”.
“Circunstancialmente, o enorme hiato do produto manterá a inflação e os juros baixos. Mas as condições para manutenção desse cenário dependem muito do quadro fiscal e da política econômica pós pandemia”, adverte o banco.