Witzel demite secretários e aumenta poder de braço direito, alvo de operação da PF

Mesmo sob risco de impeachment, governador do RJ cede espaço para Lucas Tristão, que tem má relação com deputados

Em meio à crise política que estremece seu governo, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), decidiu inflar o poder de Lucas Tristão, seu secretário de Desenvolvimento Econômico e braço direito.

Tristão foi um dos alvos da Operação Placebo, da Polícia Federal, que atingiu o próprio governador, sob suspeita de desviar recursos públicos por meio de contratações irregulares na saúde.

Na noite desta quinta-feira (28), dois dias após a operação, Witzel exonerou dois desafetos de Tristão: André Moura, da Casa Civil, e Luis Cláudio Rodrigues, da Fazenda.

Assumirá a Fazenda Guilherme Mercês, subsecretário de Tristão. A pasta também ficará responsável pela área de orçamento e planejamento, antes com a Casa Civil, aumentando a influência do braço direito de Witzel.

O secretário de Governo, Cleiton Rodrigues, também está na mira de Tristão. Isso porque Cleiton disse ao governador que seria melhor o seu afastamento até a conclusão das investigações.

As trocas na administração ocorrem ao mesmo tempo em que pedidos de impeachment contra Witzel prosseguem na Assembleia Legislativa do Rio. O líder do governo na Casa, deputado Márcio Pacheco (PSC), pediu exoneração nesta sexta-feira (29) após as trocas no governo.

Mesmo nas mãos da Assembleia, o governador deu superpoderes para Tristão, que mantém má relação com os deputados. Em fevereiro, abriu-se uma crise entre o Legislativo e o governo após o secretário dizer a parlamentares que eles eram alvo de dossiês e que havia escutas na Casa.

Informações de bastidores dão conta de que Witzel se sente ameaçado por Tristão, seu ex-aluno, que foi um dos articuladores de sua campanha e que teria vasto conhecimento sobre as práticas do governo.

Teria sido Tristão quem levou a cabo a assinatura do contrato de R$ 540 mil entre o escritório de advocacia da primeira-dama, Helena Witzel, e uma empresa de Mário Peixoto, outro investigado central na operação da PF.

O Ministério Público Federal também identificou transferências de R$ 225 mil entre Peixoto e o escritório de Tristão, de quem Witzel foi sócio.

O líder do governo na Assembleia, Márcio Pacheco, disse à Folha que pediu exoneração porque não havia "condições de cumprir o papel de interlocutor no cenário que se avizinha [sob o comando de Tristão]".

Nas redes sociais, André Moura, exonerado da Casa Civil, fez um aceno à Assembleia. Ele era um dos principais articuladores do governo junto ao Legislativo.

"Sou muito grato, também, aos parlamentares, em especial os deputados estaduais, que verdadeiramente incorporaram o espírito democrático, deixando as divergências partidárias de lado", escreveu.

Witzel tem dito em conversas que ele próprio chamará os deputados estaduais para dialogar, tentando evitar o próprio impeachment.

Desde que a operação da PF foi deflagrada, na terça-feira (26), dois pedidos de afastamento do governador chegaram à Mesa Diretora da Assembleia, que define o encaminhamento do processo.

Um partiu de deputados bolsonaristas, representantes de uma oposição ruidosa, e o outro de parlamentares do PSDB, de perfil moderado. Outros três já haviam sido colocados previamente. Dessa vez, os pedidos devem ter prosseguimento na Casa.

Com a saída de Pacheco e Moura, a articulação com a Assembleia muda de estilo. Tristão é visto pelos parlamentares como uma figura de perfil agressivo e com tendência ao confronto.

O principal racha entre o secretário e a Assembleia foi o episódio das escutas. Deputados disseram que Tristão os ameaçou com a informação de que o governo mantinha grampos na assembleia e de que havia dossiês a respeito dos parlamentares.

O presidente da Casa, André Ceciliano (PT), chegou a questionar o governador sobre a existência das supostas escutas, em requerimento no Diário Oficial .

A Assembleia também pediu que o Ministério Público investigasse o caso. Até o momento, não houve retorno. Witzel e o secretário negaram as acusações.

Neste ano, também houve outros desentendimentos entre o Executivo e o Legislativo fluminenses. ​Em fevereiro, em meio a dificuldades na distribuição de água, Witzel indicou Bernardo Sarreta para ocupar o cargo de conselheiro da Agenersa (Agência Reguladora de Energia e Saneamento).

O nome, na verdade, havia sido indicado por Tristão. Witzel foi obrigado a voltar atrás depois que Sarreta mostrou despreparo durante sabatina realizada na Assembleia. Ele assumiu que não sabia sequer o papel de uma agência reguladora.

Ainda no início do ano, quando a água chegava nas casas dos moradores fluminenses com gosto de terra e coloração escura, deputados insistiram para abrir a CPI da Cedae. Demitido por Witzel, o ex-presidente da companhia, Hélio Cabral, correu de jornalistas e manifestantes ao deixar às pressas uma audiência pública na assembleia.

Em abril, diante das denúncias de contratações irregulares para o enfrentamento da Covid-19, a oposição chegou a protocolar novo pedido de CPI. Vulnerável e pressionado por deputados que garantem sua sustentação, o governador cedeu a um pedido que era feito há meses pelo grupo e trocou a presidência do Detran.

Para evitar o impeachment, Witzel terá que encontrar meios de garantir o apoio de 24 dos 69 deputados da Assembleia do Rio de Janeiro, ou seja, um terço do plenário mais um.

O rito do impeachment na Assembleia do Rio

1
Pedido é protocolado e segue para análise da Procuradoria da Assembleia, que decide se o remete à presidência da Casa

2
A presidência analisa se dará prosseguimento ao processo

3
Presidente da Casa concede 48 horas para que os partidos indiquem representantes para uma comissão especial. Acusados são notificados para apresentar defesa em até dez sessões

4
Comissão especial emite parecer sobre admissibilidade da denúncia

5
É aberta votação nominal para que deputados decidam a favor ou contra o recebimento da denúncia. Se dois terços derem prosseguimento, governador é temporariamente afastado

6
É formado tribunal misto de julgamento, com cinco deputados eleitos pela Assembleia e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, escolhidos por sorteio. Eles votam a favor ou contra o afastamento definitivo do governador​