CPI das Fake News na Assembleia de SP ganha novo fôlego após operação do STF contra bolsonaristas
Douglas Garcia, alvo da operação da PF, é suplente da comissão, que PSOL e PT buscam retomar
A operação determinada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) contra a tropa bolsonarista na última quarta-feira (27) teve a Assembleia Legislativa de São Paulo como um dos cenários e elevou a pressão de deputados de oposição na Casa pelo início dos trabalhos da CPI das Fake News.
A comissão paulista, com o mesmo foco da investigação em curso no Congresso Nacional, está instalada, mas ainda não começou os trabalhos por culpa da crise do novo coronavírus.
No âmbito do inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, a Polícia Federal fez busca e apreensão no gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (PSL), mirando seu chefe de gabinete e um assessor.
Douglas, eleito em 2018 com um empurrão das redes sociais e de sua atuação no Direita São Paulo (rebatizado depois como Movimento Conservador), integra a CPI da Assembleia como suplente.
O deputado estadual Gil Diniz (PSL), igualmente aliado de Jair Bolsonaro e defensor do presidente na tribuna, também é investigado pelo STF, embora não tenha sido alvo da operação de quarta-feira.
Membros titulares da CPI, os deputados estaduais Monica da Bancada Ativista (PSOL) e Paulo Fiorilo (PT) cobraram a presidência da Casa nos últimos dias para que a Assembleia comece sua própria investigação sobre a disseminação de ataques e mentiras por parte de parlamentares e servidores.
A comissão foi instaurada em março para apurar notícias falsas na eleição de 2018 e teria sua primeira reunião no dia 17 daquele mês, mas acabou suspensa por causa da pandemia.
A Assembleia, que manteve o funcionamento do plenário de forma virtual, vai estender as atividades online a todas as comissões permanentes na próxima semana. A promessa é que as temporárias, como as CPIs, sejam retomadas se, após 15 dias de testes, o sistema virtual se mostrar adequado.
"Hoje, quando se fala em fake news, temos que falar de gabinete do ódio, e as investigações mostram que essa máquina tem um braço na Assembleia", diz Monica. "Não tem como fugirmos desse debate."
Para Fiorilo, o avanço da CPI se tornou urgente "em função do que aconteceu na Assembleia", com a batida de agentes da PF, "e do que acontece no Brasil". PSOL e PT fazem oposição tanto ao governador João Doria (PSDB) quanto a Bolsonaro.
Tidos como alvos prioritários, Douglas e Gil afirmam não temer as investigações e devem usar o espaço para fustigar ex-aliados do bolsonarismo, como a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP).
"Serei ativo nos trabalhos da CPI e atuarei da mesma forma de sempre, defendendo a liberdade de expressão que vem sendo tão atacada ultimamente", diz Douglas, em nota. Ele afirma que um de seus primeiros requerimentos será pela convocação de Joice.
"Tem que investigar", diz Gil à Folha. "No fim eles [oposicionistas] vão chegar à conclusão de que não tem nada [contra nós]. Eles vão usar isso aí politicamente para tentar desgastar o presidente, mas vão cair do cavalo. A gente não tem problema nenhum. Será bom participar da CPI para colocar esse ponto de vista."
Os dois bolsonaristas negam envolvimento nos fatos investigados pelo STF e afirmam que o inquérito é inconstitucional.
A titular do PSL na comissão é Janaina Paschoal. "Não vejo essa CPI como uma prioridade, nem no estado nem no país", diz a deputada, que acha mais importante o combate à Covid-19.
A convocação da primeira reunião da CPI, em que presidente e relator são escolhidos, é de responsabilidade da deputada Maria Lúcia Amary (PSDB), integrante mais velha da comissão. Ela afirma que ainda não fez o chamado porque as CPIs estão fora da agenda da Casa para a próxima semana.
Ao contrário da esquerda, a base do governo Doria não tem se mobilizado pela investigação, mas também não quer impedi-la. O governador está sob ataque dos deputados bolsonaristas na Casa, que protocolaram um pedido de impeachment e participam de acampamento e carreatas contra o tucano.
O incômodo é minimizado por aliados de Doria, e a ideia de usar a CPI como contra-ataque não é aventada por ora. O governo, contudo, tem interesse em acompanhar a comissão. Para isso, o líder da base, Carlão Pignatari, foi escalado como suplente do PSDB.
A leitura entre os tucanos é a de que Gil e Douglas seriam peças pequenas na engrenagem do gabinete do ódio bolsonarista e que a CPI, apesar de ter potencial para desvendar eventuais crimes, é um instrumento com menor poder de fogo do que outras ferramentas em andamento, como as apurações em Brasília.
No fim de 2018, outra CPI sobre fake news chegou a ser criada na Assembleia, mas não teve andamento.
A atual foi requisitada em março de 2019, no início da atual legislatura, pelo tucano Mauro Bragato. Na ocasião, o PSDB queria evitar uma CPI com potencial explosivo que vasculharia a Dersa. Como as CPIs são instaladas na ordem de protocolo, os tucanos correram para registrar comissões com outros temas antes.
O recente cumprimento de mandados dentro da Assembleia, contudo, jogou luz sobre a comissão. A eventual ligação de gabinetes da Casa com um esquema nacional, contudo, já era ventilada.
Uma ação movida pelo deputado federal Júnior Bozzella, presidente do PSL em São Paulo e rompido com os bolsonaristas, identificou, por meio de quebra de sigilo autorizada pela Justiça, que ataques partiram de um provedor público, a Prodesp —empresa de tecnologia do governo que também gerencia a rede da Assembleia. O processo mira a equipe de Douglas.
Em outubro passado, mensagens reveladas pela Folha mostraram como futuros assessores do gabinete de Gil articulavam memes e ataques contra seus adversários. Um dos alvos foi o deputado estadual Sargento Neri (Avante), que acionou o Conselho de Ética da Casa contra Gil.
Neri é um dos membros da CPI das Fake News. "Espero que façamos um trabalho que freie ou pelo menos imponha um comportamento mais honesto no mundo digital, até para que pessoas não sejam enganadas ou persuadidas por montagens criminosas", afirma.