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Raul Fagueiro, Fibrenamics

Agora mais do que nunca, o caminho é o do equilíbrio

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No momento em que a União Europeia apresenta as previsões para o impacto económico da pandemia COVID19 e que as medidas restritivas impostas na maioria dos países começam a ser amenizadas, julgo ser oportuno que se inicie uma reflexão aprofundada sobre as lições apreendidas durante este período como forma de se estabelecer um modelo de desenvolvimento mais consentâneo com as exigências de bem-estar de todos e de anteciparmos situações futuras de impacto semelhante. A UE prevê a maior recessão da sua história… todos sabemos o impacto que isso normalmente significa para países como Portugal, com consequências no quotidiano de cada um de nós.

O grito de alerta da Natureza, consubstanciado nesta pandemia, é o resultado de centenas de anos de acentuação do desequilíbrio provocado pela atividade humana, com destruição de habitats, e de invasão e exploração do mundo natural e das espécies selvagens. Urge, portanto, recolocar o Homem como parte integrante da Natureza, respeitando-a e contribuindo para o equilíbrio dos ecossistemas. A sustentabilidade do planeta assume agora, mais de que nunca, um papel preponderante na definição dos modelos de desenvolvimento no pós-COVID19, transformando-se rapidamente no denominador comum de todas as medidas que possam vir a ser tomadas no futuro próximo. Valorização de resíduos, circularidade dos materiais, energias renováveis, redução de emissões, ecodesign, são apenas alguns dos tópicos a ter em conta. O Pacto Ecológico Europeu é, sem dúvida, uma iniciativa que deverá ser acelerada garantindo uma nova estratégia de crescimento do espaço europeu sem emissão líquida de gases com efeito de estufa até 2050, dissociando o crescimento económico da exploração de recursos e garantindo que “ninguém nem nenhuma região seja deixado para trás”.

Em Portugal, a concretização do Plano de Ação para a Economia Circular, constitui-se igualmente como uma orientação fundamental para o abandono progressivo dos modelos lineares que assumem a existência e a exploração infinita de recursos naturais. Produtos sustentáveis como regra, em vez de exceção, consumidores informados, concentração de ações em setores altamente consumidores de recursos (embalagens, têxteis, construção, plásticos) e diminuição generalizada dos resíduos são alguns dos objetivos que rapidamente deverão ser cumpridos, sob pena de as reflexões que levaram à definição dos documentos não passarem de meros exercícios de retórica, sem consequências práticas no nosso quotidiano.

O confinamento provocado pela pandemia e a consequente necessidade de recurso a ferramentas digitais, para se manter alguma normalidade no relacionamento entre pessoas e destas com os diferentes sistemas que a rodeiam, demonstrou que a digitalização poderá e deverá ocorrer a um passo mais acelerado, com benefícios para todos. Nesta nova economia do distanciamento social, as ferramentas digitais assumem agora, mais do que nunca, um papel fundamental prevendo-se que rapidamente sejam aplicadas de forma transversal a todas as atividades, desde o pequeno comércio até às atividades industriais tradicionais.

Trata-se, portanto, de uma transição digital urgente com benefícios para todos e com um contributo fundamental para a sustentabilidade ambiental do planeta. As videoconferências, o teletrabalho, o e-commerce, as aulas e as conferências online têm demonstrado que é possível, com ferramentas adequadas e com acesso à internet generalizado e a baixo custo, poupar milhões de litros de combustível e garantir uma elevada eficiência no trabalho, sem prejuízo da qualidade de vida. Também ao nível industrial, a implementação dos princípios da Economia 4.0, assumida como a nova Revolução Industrial em curso, agregando um conjunto de competências proporcionadas pela Inteligência Artificial e pela Internet of Things, parece agora, mais do que nunca, ter ganho um novo fôlego. À imposição anteriormente assumida pelo desenvolvimento exponencial das tecnologias de informação e de tratamento de dados, junta-se agora a confirmação da vulnerabilidade e da necessidade de evolução dos modelos existentes, decorrentes das restrições impostas por esta situação fora do comum.

A pandemia tem colocado igualmente a nu a dependência da UE, e de Portugal, em particular, no que respeita à capacidade de produção e fornecimento de bens essenciais, principalmente, de dispositivos médicos e de proteção, como consequência das políticas de desindustrialização levadas a cabo ao longo das últimas décadas. Efetivamente, apesar do esforço louvável da indústria nacional, tornou-se evidente que a escassez de matéria-prima tem sido uma barreira à produção dos dispositivos mais adequados, na quantidade necessária. No período pós-pandemia esta temática assumirá uma relevância central, sendo que, face aos novos modelos de desenvolvimento sustentável e digital, no equilíbrio entre o desejável encurtamento das cadeias de fornecimento e no necessário controlo dos custos de fabricação, estará a chave para o sucesso.

Agora, mais do que nunca, se reclama por uma integração mais profícua e pragmática entre os vários agentes envolvidos. Universidades, centros de investigação, de interface, tecnológicos e laboratórios colaborativos, clusters e associações empresariais, entre tantos outros (… e são efetivamente muitos no sistema português!) não poderão, nesta fase, demitir-se das suas responsabilidades, trabalhando conjuntamente para a definição de uma estratégia que nos garanta a todos um futuro melhor.

Raul Fangueiro é professor da Universidade do Minho e coordenador da Fibrenamics