A relação aberta da Suse
Empresa alemã de software open source visa manter crescimento de dois dígitos em 2020. O Brasil é campo para 50% das oportunidades de negócios que serão geradas na América Latina.
by Beto SilvaDiante de um período de grave crise sanitária e econômica, sobram opiniões divergentes. Porém, uma das coisas que o mundo corporativo concorda em uníssono é que o momento é de desafio. Diante de situações assim, aliar frieza na liderança e visão estratégica são fundamentais para ultrapassar as barreiras. É aí que a alemã Suse, maior empresa de software de código aberto independente do mundo, quer seu espaço e observa uma grande oportunidade de crescimento de seus negócios. “Estamos focados em auxiliar a aceleração digital das companhias”, afirma a carioca Cristiana Maranhão, presidente da operação na América Latina desde o início do ano. “Estamos no momento em que os líderes estão sendo testados em seus limites, assim como suas tecnologias.”
A empresa, com sede em Nuremberg, aposta no modelo open source, baseado na engenharia Linux, por ser mais versátil, flexível, dinâmico, rápido e fácil de trabalhar do que softwares fechados. São soluções agnósticas, que conversam e se integram com praticamente todas as plataformas existentes. Como se tratam de softwares abertos, é possível baixar gratuitamente as ferramentas construídas pela comunidade. A Suse obtém receita ao certificar os produtos para os clientes, que querem garantir que o que estão baixando seja seguro para os negócios. É como beber de uma fonte de água gratuita.
Quem quiser pode se servir de graça, mas, se quiser garantia da procedência, da segurança e da qualidade do que consome, é preciso pagar pela inspeção das qualificações e posterior rotulação. A companhia alemã também lucra com suporte e soluções de inovação para tirar das máquinas o melhor do seu desempenho.
As criações e atualizações são feitas pela comunidade de engenheiros de software aberto. Fiel a essa cultura há 27 anos, a Suse não possui qualquer direito sobre o que é desenvolvido, sendo o logotipo do camaleão verde a única propriedade intelectual que possui. Com muitas empresas obrigadas a entrar de vez na era tecnológica para sobreviver, o Brasil é território importante para os negócios da companhia. “Olhamos para o País com 50% das oportunidades que serão geradas na América Latina”, afirma Cristiana. As possibilidades se mostram naturais, na medida em que as companhias brasileiras se veem obrigadas a tomar novos rumos. Existem alguns caminhos.
Um deles é a estrada que leva para um software tradicional, fechado, de um único fornecedor, que oferecerá algumas ferramentas, sem adaptações futuras. Outra via, de software com código aberto, leva a comunidades que trabalham com inovação baseada nas demandas do mercado e de rápidas mudanças, se necessárias. “A velocidade e capacidade do open source de responder de forma inovadora para os desafios é muito maior”, diz a executiva da Suse, que tem como uma de suas principais clientes no País uma rede varejista, com 1,2 mil lojas e mais de 20 mil pontos de venda. Caso necessite, por exemplo, é possível em minutos garantir a segurança no fluxo de dados ou adaptar a plataforma para realizar uma grande promoção de black Friday. “Não há restrição. É como uma engenharia de lego, em que o cliente escolhe o que é importante para ele e as peças são encaixadas”, destaca.
Ainda no País, um dos cases mais importantes da Suse é com a farmacêutica Aché. Com as plataformas Suse Linux Enterprise High Availability Extension e Suse Linux Enterprise Server, houve convergência para uma solução econômica e ao mesmo tempo de alta disponibilidade para o banco de dados SAP Hana, da Aché, o que inclui informações financeiras, de manufatura e de logística. A farmacêutica queria evitar a perda dos dados ou a interrupção do acesso a eles.
Em testes, a implementação Hana teria conseguido processar cargas de trabalho de 30 a 110 vezes mais veloz do que a de concorrentes, por exemplo. O professor Raphael Gomide, coordenador do curso de fullstack do Instituto de Gestão e Tecnologia da Informação (IGTI), afirma que o software aberto é uma boa opção por oferecer desempenho e baixo custo de operação e suporte.
Outra vantagem é o fato de ser distribuído com código-fonte e permitir customização rápida para atender as necessidades das empresas. “Resolve problemas de forma veloz e funciona em quatro liberdades: executar, adaptar, distribuir e modificar”, diz Gomide. Por outro lado, o ponto negativo é a necessidade de engajamento constante: se não houver uma comunidade atuando na engenharia, integrantes da manutenção e na atualização, o software pode ser abandonado e tornado obsoleto. Mas isso ocorre com modelos menos conhecidos e pequenos. A comunidade do Linux é considerada uma das mais fiéis.
CRESCIMENTO A Suse foi comprada do grupo Micro Focus pelo fundo de investimentos sueco EQT por US$ 2,53 bilhões no ano passado. Antes, pertenceu à Attachmate (entre 2011 e 2014) e à Novell (de 2003 a 2011). Em 2019, fechou com lucro o ano fiscal pela nona vez consecutiva. O crescimento foi de 12% em relação a 2018. A empresa não revela números absolutos, mas analistas de mercado projetam faturamento global na ordem de US$ 450 milhões. Em 2020, a expectativa é manter o aumento da receita em dois dígitos. No Brasil, que deve acompanhar esse ritmo, estima-se que são mais de 100 clientes. Um dos principais produtos são as soluções em nuvem, com aumento de 67% da receita, impulsionada por provedores como Amazon Web Services, Google Cloud e Microsoft Azure. Os contratos no valor de US$ 1 milhão ou mais aumentaram 13%. Para continuar em ascensão, a Suse aposta neste momento de mudanças e no círculo virtuoso que rege a aplicação de software aberto, em que ajuda os clientes a simplificar, modernizar e acelerar suas aplicações tradicionais e nativas da nuvem em qualquer cenário ou ambiente de TI.
A CEO global, Melissa Di Donato, que completará um ano no cargo neste mês, diz que o ano da companhia começou com crescimento em algumas áreas estrategicamente importantes. “Incluindo nuvem, computação de alto desempenho e computação baseada em contêineres”, afirma. A executiva destaca, ainda, que a empresa está concentrada em sua expansão comercial, impulsionada organicamente e por meio de aquisições em potencial. É uma maneira de olhar o mercado de forma mais complexa e menos concorrencial, apenas. Um ecossistema. Assim, ao mesmo tempo em que a Suse se coloca como parceira estratégia para adaptações rápidas de processos digitais, ela também se conecta a outras importantes empresas de tecnologia que a auxiliam na busca por soluções. Uma delas é a americana Cisco, líder mundial em TI e redes. As duas companhias trabalham em conjunto para desenvolver soluções avançadas de negócios para data centers.
Com a Dell, que atua em hardware, compatibilizam plataformas, incluindo armazenamento, servidores, gerenciamento de sistemas, redes e serviços, para oferecer desempenho, confiabilidade e escalabilidade. A Dell fornece também serviços de suporte técnico completo para as soluções Linux da Suse. A IBM é outra parceira da empresa alemã. Atuam juntas em sistemas para atender necessidades críticas, de segurança, por exemplo, além de plataformas de hardware, software e tecnologias emergentes. Com a Intel, a colaboração mútua visa otimizar produtos para obter desempenho e flexibilidade. Também estão em parceria para criar soluções e inovações em data centers.
PANDEMIA A companhia entrou na luta de combate à Covid-19, ao oferecer gratuitamente sistemas operacionais, suporte e manutenção para organizações e empresas ligadas diretamente ao enfretamento do vírus – como hospitais, laboratórios e farmacêuticas. Um dos cases de destaque ocorre na Austrália, onde supercomputadores usam as soluções da Suse no trabalho em busca de prevenção, tratamento e cura da doença. A Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, conhecida como agência nacional de ciências do país, tem o auxílio da tecnologia da empresa alemã para realizar testes que visam encontrar uma vacina para o coronavírus. A hashtag #powerofmany (“poder de muitos”), usada pelo marketing da Suse, não surgiu à toa. “Seguir inovando é parte da nossa missão”, diz Cristiana.