Uma luz no horizonte
Retomar a economia em ondas é a ideia de um grupo de especialistas da universidade Harvard. Eles estudaram vários cenários para a volta ao normal e propõem um plano de reativação por escala.
by Paula CristinaO grande dilema quando o assunto é a pandemia de Covid-19 gira em torno de uma escolha de Sofia: proteger as vidas ou a economia? Quem afirma que essa é uma falsa questão dificilmente explica o motivo. E a dicotomia, que no Brasil se transformou em uma disputa ideológica, tem tirado o sono de economistas e sociólogos mundo afora. Pois veio da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o primeiro grande plano de ação que envolve o equilíbrio entre vidas e atividade econômica já no curto prazo. Com sete doutores em economia pensando juntos, a proposta defende uma saída do isolamento por meio de ondas.
A escolha de que setores devem ter prioridade depende de uma análise profunda de quais ramos de atividade têm maior peso no Produto Interno Bruto (PIB) do país analisado. “Como economistas, exploramos uma variedade de opções: um longo bloqueio, relaxamento com regras, bloqueios ‘stop-and-go’ e bloqueios progressivos por idade, região geográfica e em ondas setoriais”, afirmou Jean-Philippe Bonardi, um dos autores do estudo e ex-consultor de Barack Obama. Para ele, assim que os padrões epidemiológicos mínimos forem atendidos (declínio de novos casos por uma semana ou duas semanas e capacidade adequada da unidade de terapia intensiva dos países), a saída será a abertura sequencial de setores, começando com os menos propensos a gerar o ressurgimento do vírus. “É caminho o mais promissor”.
Para Bonardi, há motivos para crer que outras alternativas não seriam exitosas. Ele cita, por exemplo, a retomada geográfica, em que algumas regiões ou cidades voltariam a atividade dependendo do nível de contágio. Segundo o estudo, essa dinâmica formaria uma concorrência desleal — muitas vezes com monopólio —, o que poderia levar à falência empresas do mesmo ramo nas cidades mais afetadas. Outra opção, chamada de “longo bloqueio” traria um custo econômico imensurável. “Nos Estados Unidos, são impressionantes US$ 14 bilhões por dia (de bloqueio acima de 80% da economia]”, afirma.
Outro autor do estudo, o economista Arturo Bris, diz que “pode haver custos não monetários menos visíveis, mas potencialmente significativos, incluindo depressão e outros problemas de saúde mental, violência doméstica e saturação de hospitais com impacto no tratamento de outras doenças”. O longo bloqueio, explicam os economistas, só funcionariam com o desenvolvimento de uma vacina ou cura, o que não está no radar mundial ainda e pode levar entre um e dois anos. “Não podemos permanecer em confinamento total por tanto tempo”, afirma Bris. Responsável por avaliar no estudo a medida de liberação apenas dos indivíduos imunes ao vírus, o economista Marius Brülhart explica que a ineficácia dessa proposta esbarra em um entendimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), que alertou recentemente que a presença de anticorpos da Covid-19 ainda se comporta de modo instável, podendo durar apenas algumas semanas, o que deixaria o indivíduo novamente vulnerável ao vírus. “Além disso, é provável que a imunidade na população ainda seja muito baixa: em Genebra, uma das partes mais atingidas da Suíça, a prevalência estimada é de 5,5%. A ‘imunidade do rebanho’ está muito longe de ser alcançada”, disse.
Outra solução, essa defendida amplamente por políticos que têm priorizado a economia, envolve a criação de regras mais restritivas (uso de máscaras, distanciamento social e outras normas sanitárias) como forma de terminar o bloqueio total imediatamente. Nessa parte do estudo, agora assinado pelo doutor em economia e política Jean-Pierre Danthine, a explicação para ineficiência é a própria capacidade produtiva. “Haverá máscaras suficientes? Um varejista que não tem espaço para distanciamento social estará preparado para manter sua loja fechada quando seu concorrente direto maior for abrir?”
Com isso, o problema maior do fim do modelo de bloqueio é que ele seria punitivo, principalmente para os pequenos e médios negócios. E se não houver fiscalização e multa, muito provavelmente esses pequenos empreendedores — que vão observar seus grandes concorrentes abrindo — irão abrir e suscitar novas ondas de contágio, afirma Danthine, acrescentando que isso levaria a bloqueios futuros e mais perdas econômicas. Esses novos bloqueios entrariam no modelo chamdo de “stop-and-go”, ou seja, quando a economia volta e para sistematicamente conforme o vírus avança.
CUSTOS DA ABERTURA Na opinião dos professores especialistas de Harvard, essa seria a solução mais nociva para economia e para a saúde pública, já que não há no mundo um país capaz de monitorar tão de perto a propagação do vírus e com capacidade de fazer toda a densidade populacional se isolar, muito menos voltar a trabalhar de modo tão ágil. “Os custos de abertura e fechamento seriam insustentáveis para os empresários e fariam todo e qualquer capital ou investimento fugir da economia local”, diz Danthine. Se todas essas soluções parecem problemáticas, qual, então, seria a saída adequada? Eric Jondeau, professor e doutor em macroeconomia, responde: “Acreditamos que a melhor opção é uma liberação gradual por setor, com o objetivo de evitar o congestionamento de hospitais”. Para conseguir atingir esse objetivo, explica ele, o governo precisa avaliar, por segmentos de atividade econômica, que setores não podem ser exercidos de casa.
Nesse caso, entram atividades como indústrias e serviços de alimentação, construção, agronegócio, saúde, varejo em geral, transporte e armazenamento. “Alguns poderiam ser os alvos de uma primeira onda de liberação do bloqueio porque são menos adequadas para o trabalho virtual”, diz. Como parte desses setores já é considerado essencial em alguns países, eles manteriam o ritmo adotado na quarentena.
Jondeau ressalta que a decisão pelas ondas cabe a cada governo e sua própria equipe econômica. Como exemplo, ele cita países em que o setor manufatureiro tem peso maior no PIB do que o de serviços, caso da China. Há outros em que ocorre o oposto — e o setor de serviços responde pela maior riqueza, como a Noruega. “É sempre melhor tirar do isolamento menos pessoas, desde que elas sejam mais produtivas economicamente”, afirma ele. Mesmo com os setores definidos, o economista ressalta ser necessário avaliar quais grupos da empresa precisam voltar ao trabalho fisicamente. “Pense na equipe de suporte, na coordenação e na elaboração de relatórios. Essas pessoas podem continuar trabalhando de casa, mesmo em uma empresa que esteja liberada a retornar à atividade”, observa Jondeau.
Alguns setores, como construção civil e varejo em geral, têm um problema a mais: são, em grande parte, formados por pequenos e médios empresários, com menos caixa e mais dependentes do capital de giro. Esse dado se agrava com o fato de essas modalidades terem alto risco de contágio e depender do trabalho local. Nesse caso, explica Jondeau, se o peso dessas áreas for grande para o PIB local, elas deveriam sozinhas formar a segunda onda. “Assim seria possível garantir que os pequenos também consigam reativar seus negócios”, diz. Por fim, em um cenário de arrefecimento da doença, entrariam na terceira onda os trabalhadores ligados aos setores de finanças, administração, hotéis e restaurantes.
Não foram incluídos no estudo alguns serviços essenciais, como escolas e creches. “Na nossa análise, esses setores seriam realocados paralelamente a todas as ondas, em ritmo reduzido, atendendo apenas aos funcionários incluídos na onda ativa”. Ainda que a estratégia seja embrionária, ela aparece como um norte em momento em que o mundo está aflito e sem esperanças. Dominic Rohner, economista com profundo conhecimento social, afirma que a estratégia pode não ser perfeita e precisa ser ajustada de país em país. Mas, diante das informações disponíveis, pode ser a luz no fim de túnel para que nações não agonizem, ou na saúde, ou na economia.
14 dias é o tempo mínimo de diminuição de contágio da Covid-19 para início da abertura em ondas.