O mundo todo aplaude os médicos, mas na Rússia são vistos como vilões
by DNProfissionais de saúde russos contam como tiveram de comprar os seus próprios equipamentos de proteção e como a campanha de desinformação russa vira a população contra os médicos.
O mundo inteiro tem agradecido o esforço de médicos e enfermeiros pelos esforços para combater a pandemia de covid-19. Em Itália e França, como em Portugal, há palmas em homenagem aos profissionais de saúde, restaurantes a enviarem refeições às equipas médicas, proprietários a oferecer a custo zero os seus alojamentos. Mas, na Rússia, não há palmas nem agradecimentos, antes represálias, e os médicos vivem em clima de medo.
A CNN revela como Tatyana Revva, especialista em terapia intensiva no hospital central da cidade de Kalach-on-Don, no sul da Rússia, partilhou um vídeo no final de março sobre a falta de equipamentos de proteção com a Doctors Alliance, um grupo de defesa de profissionais de saúde alinhado com a oposição política da Rússia.
O vídeo acabou por tornar-se viral e a médica foi chamada pela polícia local, contou Revva à estação de televisão.
Os investigadores do Ministério Público russos foram verificar a disponibilidade de EPIs (equipamentos de proteção individual) e dos ventiladores no hospital de Tatyana Revva,
"Mas a investigação foi realizada um mês depois de eu ter sinalizado os problemas", contou a médica. Revva acabou por não ser multada pela polícia, mas agora teme sofrer retaliações a nível profissional.
O médico-chefe do hospital, Oleg Kumeiko, disse, através de um comunicado publicado a 29 de março no YouTube, que as informações sobre a falta de EPIs na unidade de saúde eram "absolutamente falsas".
No país, há teorias de que o vírus foi inventado pelos médicos
Na Rússia, têm circulado teorias da conspiração sobre a covid-19: que o vírus foi inventado pelos médicos para controlar a sociedade; que os trabalhadores médicos estão a esconder o verdadeiro número de vítimas da pandemia; ou que os médicos estão a atribuir falsamente mortes à doença para receberem mais dinheiro do governo.
Estas teorias de desinformação e conspiração, diz a CNN. são predominantes na televisão russa e online, e os especialistas em media dizem que estão a minar a confiança do público na profissão médica.
Alexandra Arkhipova, antropóloga social em Moscovo, disse que a desconfiança da profissão médica reflete uma outra mais ampla do Estado. Enquanto alguns russos veem os médicos como heróis, muitos outros olham estes profissionais como "traidores ou vilões" que participam de um plano para controlar a população, segundo a antropóloga.
"O povo [russo] não acredita na medicina pública, apenas acredita nos médicos que conhece pessoalmente", disse Arkhipova à CNN.
O desespero dos médicos russos que enfrentam o desdém público e a pressão esmagadora no seu trabalho tornou-se evidente, segundo a estação de televisão norte-americana, com a pandemia de covid-19 e após uma série de mortes misteriosas entre a comunidade médica.
Um médico dos serviços de emergência, Alexander Shulepov, sofreu ferimentos graves na cabeça depois de cair de uma janela - dois outros médicos morreram em circunstâncias semelhantes.
No entanto, é mesmo o coronavírus que tem matado em grande escala os médicos russos. No país, mais de cem profissionais de saúde já morreram devido à doença.
Descrentes nas listas oficiais, os médicos russos compilaram a sua própria lista não oficial de colegas que morreram enquanto combatiam a covid-19 e estimam que o verdadeiro número de óbitos devido à infeção pelo SARS-CoV-19 seja superior a 300.
Até relatórios dos media oficiais admitem que milhares de trabalhadores médicos estarão infetados.
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Stella Korchinskaya, especialista em raios-x do Hospital Clínico da Cidade Central de Reutov, na região de Moscovo, disse que os funcionários do hospital lhe contaram que estavam a tratar doentes com pneumonia e que não tinham recebido praticamente nenhum meio de proteção do hospital.
A técnica testou recentemente positivo para o novo coronavírus.
"Quando a epidemia começou, praticamente não tínhamos meios de proteção, não tínhamos ventiladores, não tínhamos EPI básico", contou Korchinskaya à CNN a partir da cama onde está a tentar recuperar da doença.
"Tivemos de nos proteger como pudemos. Comprei ventiladores pela Internet, comprei óculos numa loja de ferragens, antes do confinamento, e fi-lo com o meu próprio dinheiro", revelou.
Korchinskaya apelou à Aliança dos Médicos para que os ajudassem com equipamentos adicionais, e a organização enviou várias caixas de EPI. No entanto, o gesto não foi bem recebido pelos administradores do hospital e a especialista em raios-X teve de mentir e dizer que os equipamentos recebidos estavam em sua casa e não no hospital para evitar ser sancionada.
Rússia com mais 232 mortos nas últimas 24 horas
A Rússia registou um aumento de 232 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, a maior subida desde que foram aplicadas as medidas contra o novo coronavírus, indicaram hoje as autoridades sanitárias.
No total morreram até ao momento 4.374 pessoas de covid-19 desde o dia 01 de março, em território russo.
O recorde anterior era de 174 mortes em 24 horas, balanço de vítimas ocorrido tanto na quinta-feira como no dia 26 de maio.
A responsável pelos serviços sanitários da Rússia, Anna Popova, advertiu que o número de mortes por covid-19 ia registar um aumento, tendo em conta os novos contágios.
A região de Moscovo, epicentro da pandemia na Rússia, soma 76 mortes nas últimas 24 horas, totalizando 2.300 óbitos.
Além da capital, os números respeitantes a mortes (de acordo com os balanços diários) são preocupantes sobretudo no Daguestão, norte do Cáucaso.
Nas últimas 24 horas, confirmaram-se 8.527 novos casos de contágio de covid-19, em 84 das 85 regiões a nível nacional.
O número total de infeções na Rússia atinge os 387.623 casos.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou mais de 357 mil mortos e infetou mais de 5,7 milhões de pessoas em 196 países e territórios.
Mais de 2,2 milhões de doentes foram considerados curados.