Ironizado por cartola, brasileiro entra em choque com clube europeu

Ricardo Almeida ameaça ir à Fifa após time de Malta encerrar contrato unilateralmente

O meio-campista brasileiro Ricardo Almeida, 30, estava na sua casa em Senglea, no sudeste de Malta, quando o presidente do clube em que atua apareceu na televisão.

Reuben Debono, um ex-jogador profissional do país e atualmente mandatário do Senglea Athletic, começou a falar sobre os planos da agremiação para o período de paralisação do futebol por causa da pandemia da Covid-19. Disse que quase todos os integrantes do elenco haviam aceitado a proposta feita.

"Apenas um não aceitou. Foi o brasileiro da nossa equipe, o Ronaldo."

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Ricardo Almeida em sua apresentação no Persipura, da Indonésia, no ano passado - Ricardo Almeida no Instagram

Ricardo a princípio não entendeu. Não havia ninguém com aquele nome no time. Mas o tom irônico do dirigente e a repetição do "brasileiro Ronaldo" não deixou dúvidas.

"Era de mim que ele falava. Estava me ironizando. Queria dizer que eu pensava ser o Ronaldo Fenômeno, muito melhor do que era realmente", afirma o meia à Folha.

Debono em nenhum momento citou o nome correto do jogador, que chegou ao clube no final do ano passado. Seu contrato iria até 28 de abril ou o dia seguinte à última rodada da liga de Malta, caso ela terminasse depois dessa data.

Para o atleta, a declaração do presidente teve como objetivo jogar a torcida contra ele e impedir que no futuro possa assinar contrato com outro time do pais. Foi mais um incidente em uma sequência de atos que Ricardo qualifica como assédio moral cometido pelo Senglea Athletic.

"As coisas nunca foram exatamente como eu esperava, mas estavam bem, até que começaram os casos de coronavírus e eu quis fazer valer os meus direitos. Eles acharam uma ofensa que eu não aceitasse o que quiseram impor a mim."

A imposição seria a rescisão de contrato em fevereiro, pagando apenas 20% do que ele teria a receber mais uma passagem aérea para deixar o país. Isso valeria para cada um dos oito estrangeiros do elenco. Sete deles aceitaram. Ricardo Almeida, não.

"Se eles queriam fazer um acordo, tudo bem. Mas tem de ser algo que sirva para as duas partes. Não impor algo assim. Se me dessem 60% do valor do contrato, eu provavelmente aceitaria. Mas não 20%", diz.

O jogador afirma que nos últimos dois meses foi hostilizado abertamente por outros diretores e recebeu aviso de que seria despejado do apartamento onde mora. Segundo o contrato, a agremiação era a responsável pelo pagamento do aluguel.

Também relatou ter sido ameaçado com a promessa de que a polícia seria chamada caso não saísse do imóvel e deixou de receber salários.

A proposta foi encaminhada pelo clube em fevereiro. Debono e outros dirigentes reuniram o elenco para avisar que a medida era necessária porque o campeonato seria encerrado por causa da pandemia.

"Isso até agora não aconteceu. A liga só está suspensa. Eles não vão querer cancelar porque precisam definir as vagas na Champions League e na Liga Europa. [O Senglea] usou esse argumento de que seria cancelado e as pessoas acreditaram", diz Ricardo.

No momento da paralisação, o Senglea brigava contra o rebaixamento. Em liga de 14 times, está em 13º. Os dois piores caem para a segunda divisão. A seleção de Malta jamais participou de uma Copa do Mundo ou da Eurocopa. No ranking da Uefa, que tem 55 seleções, o país está em 45º.

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Seleção de Malta enfrenta a Inglaterra pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 - Ian Kington - 8.out.16/AFP

Nos últimos três meses, o jogador tem vivido no país com a mulher, Angélica, graças às próprias economias, inclusive pagando o aluguel do apartamento.

O brasileiro levou o caso ao sindicato dos atletas no país, que tomou as suas dores e pediu ao Senglea pagar o que é devido. Ricardo Almeida afirma que não abre mão do seus direitos, nem que tenha de apelar à Fifa. "Está tudo no meu contrato. Eles têm de cumprir."

Ele também enviou mensagem ao Sindicato dos Atletas de São Paulo para relatar os problemas que vivia em Malta.

Revelado pelas categorias de base do Corinthians, onde foi companheiro de Fagner e Dentinho, o meia passou por Paulista de Jundiaí, Marília, Comercial, Operário-MT, Juventus e Barueri como profissional. Também atuou no Guabira, da Bolívia.

Graças ao passaporte italiano, teve facilidade para atuar no futebol grego. Também esteve em times da Indonésia e Tailândia antes de ser contratado pelo Senglea.

A vontade dele é continuar na Europa. Até mesmo em Malta, desde que em outra equipe. Para que isso aconteça, acredita ser fundamental fazer valer o contrato assinado.

"Os clubes trazem você para cá e acham que podem decidir o que quiserem. Não é assim. Se tem jogador que aceita, tudo bem. Cada um na sua. Eu sei quais são os meus direitos. Não é porque estou fora do meu país que vou abrir mão deles ou de pelo menos fazer um acordo que seja bom para mim e para eles. Não importa a pressão que façam ou o que o presidente fale na televisão", diz o brasileiro.

Ele pediu e obteve direito de resposta na emissora em que o presidente o chamou de "Ronaldo".

Desde a semana passada, a Folha tentou entrar em contato por telefone e email com o Senglea Athletic, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.