Fapern não tem verba para pesquisas voltadas à Covid-19

Mariana Ceci
Repórter

Enquanto a maior parte dos Estados do Nordeste já lançou, desde abril, editais de fomento à pesquisa para desenvolver soluções a nível local para o enfrentamento da Covid-19, o Rio Grande do Norte vive os efeitos do desmonte histórico da Fundação de Apoio à Pesquisa do RN (Fapern), que durante anos não teve dotação orçamentária própria, recursos e acumulou processos que hoje dificultam a chegada de recursos para financiamento de pesquisas que poderiam estar sendo realizadas a nível estadual sobre a doença. 

Créditos: Sumaia Villela/ABRFapern não tem recursos para edital voltado ao desenvolvimento de pesquisas para a Covid-19

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De acordo com um levantamento feito pela TRIBUNA DO NORTE, apenas três Estados do Nordeste não criaram editais específicos de fomento à pesquisa para soluções de enfrentamento à Covid-19 até o momento: Sergipe, Alagoas e o próprio Rio Grande do Norte. 

No Ceará, por exemplo, uma linha emergencial de combate à pandemia foi criada, no valor de R$ 3 milhões, que prevê, inclusive, um estudo clínico para verificar a efetividade da hidroxicloroquina no tratamento da doença. Parcerias com instituições como a Federação das Indústrias do Ceará e o Senai foram utilizadas para garantir os recursos da pesquisa. Na Paraíba, um edital no valor de R$ 1 milhão para propostas de monitoramento, análise e recomendações para rápida implementação foram implantadas no Estado.

Apenas a partir do ano de 2019, com a criação do Programa de Estímulo ao Desenvolvimento Industrial (Proedi), a Fapern, principal responsável por financiar pesquisas na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), passou a ter recursos para começar a quitar as dívidas, que ultrapassam os R$ 5 milhões. Os gestores buscam maneiras de “limpar” o nome da Fundação diante dos Centros de pesquisa nacionais, para garantir financiamento aos pesquisadores potiguares.

O professor Gilton Sampaio, que assumiu em 2019 a gestão da instituição, relata que os desafios encontrados na Fundação foram grandes, resultado de anos de abandono, e que agora reverberam na carência de ações que seriam importantes para combater a pandemia. 

“Nós temos mais de 10 problemas em convênios com órgãos de controle internos e externos, com maior destaque para os convênios em nível Federal. Os problemas iniciaram há anos, e se agravaram em 2015 e 2016”, relatou. Um dos principais problemas é junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Há carência de prestação de contas de pesquisas realizadas em anos anteriores, o que impede repasses de recursos federais ao órgão. “Desde o começo da gestão, o nosso trabalho está voltado para resolver esses problemas um a um. É como se tivesse havido um abandono das obrigações processuais e fiscais da Fapern, isso só aconteceu em duas ou três Fundações de Apoio à Pesquisa no Brasil”, declarou Gilton Sampaio.

Competitividade Internacional 
Diante de um cenário internacional de muita competitividade para encontrar equipamentos como respiradores, medicações e outros itens necessários para o enfrentamento ao novo coronavírus, os pesquisadores explicam que as soluções locais seriam importantes para permitir que os resultados das pesquisas fossem entregues de forma mais rápida e direta à população, levando em consideração as necessidades específicas que cada local pode apresentar diante da pandemia. 

A opção que resta, muitas vezes, é referente aos editais nacionais, que acabam priorizando universidades maiores e mais antigas, deixando de fora instituições como a UERN, por exemplo. É o que explicou o pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade, Rodolfo Lopes. “Os editais de fomento nacionais, muitas vezes, não levam em consideração as assimetrias existentes entre as mais diversas regiões do país. Deste modo, as instituições contempladas com a maior parte dos recursos sempre se encontram nos grandes centros, e no eixo Sudeste-Sul. São aquelas instituições com laboratórios mais desenvolvidos, equipe de pesquisadores com histórico de bolsas, produtividade, programas de pós-graduação com conceitos 5 e 6”, relatou o pró-reitor. 

Programas de pós-graduação no NE são recentes
A história dos programas de pós-graduação no Nordeste é mais recente, e 80% deles são fruto das políticas de expansão das universidades públicas da primeira década dos anos 2000. “Temos uma força de trabalho incrível e com competência técnica e científica inenarrável. Todavia, em disputas dessa estirpe, não temos condições de concorrer com igualdade", lamentou Rodolfo Lopes.

Pesquisador do Laboratório de Avaliações de Desempenho Aquático da UERN, que integra a Faculdade de Educação Física da instituição, o professor Adalberto Veronese é um dos que possui projetos que poderiam ter impacto considerável em âmbito local, caso possuísse financiamento. Ao lado de outros pesquisadores, o professor há dois anos trabalha no desenvolvimento de um medidor de fluxo respiratório para ventiladores mecânicos, um método não-invasivo para tratar a falta de ar. Inicialmente planejado para idosos, o projeto, explicou Veronese, poderia ser de grande utilidade no combate à Covid-19.

“Ele é um método não-invasivo, sem necessidade de intubação traqueal, e pode ser importante para uma situação emergencial. Ele é o parâmetro que pode ser utilizado até o paciente conseguir chegar a uma UTI, evita falhas no ritmo dessa respiração e reduz as chances do profissional de saúde pegar a infecção, porque é uma máquina que vai fazer esse movimento de respiração, não ele”, explicou o professor. 

Para dar continuidade às pesquisas, Adalberto buscou parcerias com uma empresa no Ceará e a Universidade Estadual de Pernambuco. “Se tivéssemos um respaldo maior das fundações de apoio para pesquisas científicas voltadas para a Covid-19, isso ajudaria muito a apresentar nossos projetos de forma mais rápida e compartilhá-los com a população”, destacou. 

Em relação aos editais nacionais, o professor explica que há outro fator que dificulta a participação: “O momento de duplicidade que estamos vivendo nos deixa inseguros para concorrer aos editais nacionais. Não sabemos se eles vão lançar um edital no dia e, no outro, decidir que é melhor gastar o dinheiro em outra área e retirar da pesquisa, como já fizeram em outros momentos. Se os editais locais funcionassem com mais eficácia, ajudaria muito as universidades, porque temos excelentes pesquisadores para resolver não apenas problemas para pandemias, mas muitos problemas que permeiam nossa realidade”, garantiu.

Planos 
O diretor da Fapern diz que a instituição tem planos para lançar, em junho, um edital específico voltado para a questão da Covid-19, a fim de financiar pesquisas a nível estadual. “Com os recursos que obtivemos até agora a partir do Proedi, vamos pegar metade para pagar as dívidas do passado, porque não podemos deixar de pagar, e a outra metade para financiar editais, inclusive de start-ups voltadas para a produção de equipamentos de saúde”, afirmou.

De acordo com ele, no entanto, os desafios da Fapern ainda são muitos. “A ciência e a tecnologia são a base do desenvolvimento de uma nação. Agora, estamos sentindo diretamente a necessidade e a importância desses órgãos de fomento, porque há uma corrida no mundo inteiro por novas soluções e pesquisas. Infelizmente, por muitos anos, isso foi abandonado no RN, e vamos ter que correr atrás”, confirmou Gilton Sampaio.