Ser Esperança: as mil e uma faces do Prof. Disney
Luiz Henrique Gomes
Repórter
“Bom dia, pessoal!”. Na frente da câmera, Ildisnei Medeiros cumprimenta quem está do outro lado da tela. É possível ver, em cima da pequena mesa quadrada, posicionada na frente da cadeira em que está sentado, miniaturas dos Smurfs, um balde com a marca da Mulher Maravilha e um copo de vilã Úrsula, da Pequena Sereia. Atrás dele, um boneco do Olaf, do filme Frozen, e mais miniaturas. Um desavisado pode pensar ao ver a cena que Ildisnei é mais um youtuber, entre os milhares que hoje existem. Mas não. Ildisnei, ou melhor, Professor Disney, é professor de artes em uma escola privada de Natal e está iniciando mais uma aula.
Créditos: Adriano AbreuIldisnei ganhou o apelido de Prof. Disney pela similaridade com o nome ídolo e por ter 16 tatuagens com personagens do Walt Disney
O cenário montado na sala da casa, onde mora com os pais na zona Norte de Natal, é o modo como o professor de 28 anos se adaptou às aulas remotas para atrair a atenção dos alunos, implementadas após as medidas de distanciamento social no Rio Grande do Norte, em março. Ele dá aula para turmas do 6º ano ao 9º ano do ensino fundamental no Colégio CEI Romualdo e tem alunos entre 10 e 15 anos.
“Uma geração que vive no digital desde que nasceu”, disse. O Professor Disney tem tanta familiaridade com o ambiente digital e as novas tecnologias de comunicação quanto os alunos. “Eu sempre tive um apreço pelo digital. Sempre gostei de jogar videogames, sempre gostei muito de redes sociais e gosto muito do Youtube”, confessou.
O apelido “Professor Disney” surge da semelhança com o nome Ildisnei, uma união de Ilda, nome da mãe, com o do padrinho Claudinei. Mas não se encerra aí. O professor possui 19 tatuagens espalhadas no corpo, das quais 16 possuem alguma referência às criações de Walt Disney: nos pulsos, estão o Peter Pan e a Sininho; no antebraço esquerdo, Stitch, de Lilo e Stitch, e a palavra ‘Ohana’; o Mickey, no antebraço esquerdo e braço direito. E por aí vai, ainda com a Malévola e Rainha Má espalhadas no corpo.
A relação de Ildisnei com a Disney iniciou na infância. A mãe, Ilda, tem apreço por contos de fadas e leu Peter Pan para o filho quando ele ainda era criança. Foi o início de uma longa história ligada à cultura pop. Quando começou a atuar na sala de aula pela primeira vez, em 2009, os alunos notaram a semelhança no nome e as referências tatuadas. E daí surgiu o apelido, do qual nunca se incomodou e nunca largou.
A familiaridade dos estudantes e do professor com as novas tecnologias - e da cultura surgida a partir dessas tecnologias - facilita as aulas no ambiente digital. Aplicativos que Ildisnei utiliza hoje já eram utilizados presencialmente. Nas aulas de dança, por exemplo, costuma instigar os alunos a fazerem coreografias a partir do Just Dance, jogo criado em 2009 e popularizado mundialmente por ser pioneiro em utilizar todo o corpo do jogador. O jogo foi levado para a plataforma remota: através das telas, os alunos seguem os passos de dança transmitidos na televisão da casa do professor.
A facilidade em se adaptar ao novo ambiente está na própria formação de Ildisnei. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o professor pesquisou como as novas tecnologias de entretenimento poderiam mediar o processo de aprendizado. “Eu já discutia sobre o youtube que o aluno assiste, o videogame, o seriado que ele vê”, contou.
O professor reconhece, por outro lado, que a familiaridade com as novas tecnologias, que ele possui na própria formação e os alunos possuem através do cotidiano, é uma exceção. “A gente tem outra realidade em outras escolas, onde os professores estão mais distantes, e que estão tendo agora que brigar muitas vezes com a própria formação. Eu digo que tive a sorte de ter essa formação.”
Apesar do uso e adaptação às novas tecnologias durante a pandemia do novo coronavírus, Ildisnei acredita que as aulas remotas, adotadas na maioria das escolas de classe média, também resgatam a noção da importância dos professores nas salas de aula. As consequências da pandemia para a educação, acredita o professor, terão efeitos tanto na especialização das novas tecnologias para a sala de aula, quanto para a valorização dos professores.
“Não seremos mais os mesmos professores, nem seremos mais os mesmos alunos. A gente passa a perceber que precisamos ter a tecnologia como aliada, e que o uso dessa tecnologia quando bem utilizada funciona. Mas fica ainda mais claro a necessidade da presença do professor na sala de aula, de um acompanhamento pedagógico claro, organizado e preparado. Acho que nunca ficou tão claro para a família, alunos e para os próprios professores, o papel que os professores desempenham. A gente vai passar disso sabendo muito mais como os professores são importantes, como os alunos precisam ser ouvidos e como a tecnologia precisa ser aliada na sala de aula”, afirmou.
Mas, enquanto dura o distanciamento social, o professor segue tentando fazer o melhor para atrair os alunos. O cenário montado na sala de casa não é à toa. “Todos nós professores, nos tornamos youtubers, e vimos que ser youtuber não é fácil”, disse sorridente.