Um indivíduo de raça… humana?

A parte boa das redes sociais é este poder de amplificação mas o seu maior problema é que muitas vezes ficamos sem saber de que, afinal, se está a falar. Assim é o caso Floyd, nos EUA, como o de Beatriz Lebre.

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Por vezes acontece, é um facto, muito embora tente contrariar a tendência para, como se costuma dizer, embandeirar em arco, seguindo a tendência das hashtags só porque sim, porque está toda a gente a falar nisso, porque é tendência e seguir a tendência é tanto fixe como pode dar likes ou seguidores. Tudo verdade mas, num contexto dominado pelas trends, filtros e hashtags, sobra muito pouco tempo para pensar e por isso, tantas vezes vamos atrás da coisa - seja ela qual for - num processo que fala mas não explica, que mostra mas não expõe, replicando sem conhecer, o que está a amplificar. A parte boa das redes sociais online é este poder de amplificação mas o seu maior problema é que, pela velocidade e dimensão dessa expansão, muitas vezes ficamos sem saber de que, afinal, se está a falar. Assim é o caso Floyd, nos Estados Unidos, com raízes mais profundas do que apenas um polícia que mata um negro, da mesma forma que a Beatriz Lebre não é apenas mais uma que morre às mãos do namorado.

Nas redes - quem sabe até, fora delas, o tema surge entre máscaras que se amontoam no chão, o número de casos de infectados - e os recuperados - pelo coronavirus, o nosso Presidente que dorme num hotel, pessoas que quase se afogam em praias sem vigilância e surfistas que falam sobre um país à beira mar plantado. País que é também vítima dessa outra coisa da qual não se fala e que Trump, com o seu bronze plastificado, insiste ser invenção ou seja, o aquecimento global. Este, por sua vez, faz com que deixe de fazer sentido uma data específica para a época balnear: há calor todo o ano e as vagas de calor, que nos levam à praia, aparecem sem data marcada. O que tem isto a ver com George Floyd morrer em directo, com um joelho a apertar-lhe o pescoço, enquanto outros assistem, questionando - pasme-se - o joelho, sem interromper, afastar ou impedir que um polícia asfixiasse alguém que, de acordo com vídeos e câmaras de vigilância, não resistiu de forma violenta à ordem de prisão?

Tudo a ver porque, da mesma forma que, no instagram, influencers da moda (ou na moda?) mostram alegremente os outfits que as marcas continuam a enviar, fotografando-se no quarto ou em biquini no campo - que na verdade, se retirarmos a edição de imagem e o filtro campestre - é o baldio nas traseiras lá de casa porque ir à praia fotografar, nos tempos que correm, implica um cuidadoso trabalho de photoshop para apagar todas as pessoas que vão estragar o cenário idílico, tantas vezes fotografado numa praia urbana e muito banal. Principalmente banal.

É este o mundo que temos: dos media que ficam no eterno limbo de quem não sabe se deve dar ao público o que o público precisa saber, fazendo serviço público, ou dar ao público aquilo que este quer saber, servindo o público sem fazer um serviço ao público enquanto servem, também, outros interesses - tantos - quase impossíveis de decifrar. É este também, o mundo em que nós, público, queremos saber mas só um bocadinho. Pensar custa, confronta-nos com aquilo que sabemos mas preferimos ignorar e, por isso, tantas vezes saltamos do canal de notícias para o que transmite o Big Brother (ou o que for…) para nos abstrairmos da realidade em que vivemos e aquela em que nos encontramos. Por isso, quando apontamos o dedo às influencers que não falam sobre o racismo ou a violência sobre as mulheres estamos, na verdade, a apontar o dedo para nós que vamos, todos os dias, espreitar a última futilidade que publicaram, aplaudindo e chamando as amigas, enquanto ignoramos, propositadamente, o que se passa no mundo. Há mais mundo para além daquele que o instagram cor-de-rosa nos pode dar, mesmo no próprio instagram.

O caso Floyd está a chocar o mundo porque um indivíduo de raça negra foi asfixiado em directo e o problema começa exactamente aqui: George Floyd era um indivíduo. Ponto final parágrafo, porque: só existe uma raça, a humana, e a cor da pele só interessa porque nos indica, de imediato, o estigma e a raiz do mal que é o racismo latente em todos os domínios do social e da sociedade. Nos E.U.A. o racismo é também uma história de confronto baseada na cor da pele e, em Portugal, não há racismo mas os negros são de imediato conotados com bairros de barracas e os chineses colocam letreiros na porta das suas lojas informando que estão abertos, acrescentando "somos saudáveis" porque também sobre eles, para além do estigma associado à sua nacionalidade ou aos olhos rasgados, pesa agora a suposta origem do coronavirus. Mesmo que esse chinês seja tão português como nós, indivíduos de raça: humana.