Os animais enjaulados

Do nada, deparei-me com um daqueles vídeos com animais que nos fazem o coração em petit gâteau de chocolate.

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Chamava-se Chico – ou Xico, dependendo de quem pensasse nele. Para mim ele era o Chico e era um espanto. Ultrapassando os peixes que se atiravam do aquário numa belíssima recriação do filme Free Willy (ou Libertem Willy, dependendo do país onde vivêssemos) e das tartarugas a que eu e o meu irmão chamávamos Raphael e Michelangelo, respetivamente, mas que, uma vez hibernadas, já não voltavam à vida nem para comer camarão, o Chico era o mais interativo dos nossos animais de estimação.

O Chico adorava que lavássemos a loiça – ou a água a correr irritava-o, nunca saberemos. No Natal a gaiola do Chico tinha honras de decoração. E até viajar o Chico viajava: recordo o verão em que fez campismo como o resto da família.

Toda a gente lá em casa falava com ele. Quase toda a gente lhe trocava a água. Só o meu irmão, contudo, pensava nele como num Chico (ou Xico, não sei dizer) com sentimentos. O bicho era dele e ele fazia o possível para o fazer feliz.

Ontem, do nada, deparei-me com um daqueles vídeos com animais que nos transformam o coração num petit gâteau de chocolate. "Cachorrinho adormece enquanto guarda recém-nascido"? Tentem ignorar, se forem capazes – eu não fui. E tudo corria bem até que o vídeo acabou e a ele se seguiu outro, mais exigente.

Com edição esforçada, montada no sensacionalismo, o vídeo punha lado a lado animais enjaulados e gente em quarentena. Aquilo não era para me comover, era para me fazer sentir culpada por querer para os animais o que não quero para mim. Lembrei-me do Chico e de como nunca o soltava com medo de que ele fugisse.

Vejam como funciona a cabeça de uma criança: para mim, ele só podia ser feliz; ao mesmo tempo temia que ele quisesse fugir; que só se foge quando se está mal era o raciocínio que me faltava. Assim, o Chico viveu uma vida em confinamento. Foram precisos 30 anos para a sua espécie o vingar. Chico, todos os dias, pelas 7h da tarde, há pássaros a cantar por toda a Lisboa. Oiço-os da janela e, olha, penso em ti.