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O foguetão Falcon 9 com a cápsula Dragon
© EPA/NASA/Bill Ingalls

Lançamento histórico da SpaceX adiado por causa das nuvens. Próxima tentativa é sábado

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Condições atmosféricas impedem primeira missão tripulada da operadora privada espacial norte-americana.

O primeiro voo espacial tripulado de uma companhia privada, a missão conjunta da SpaceX e da NASA que esta quarta-feira iria levar dois astronautas à órbita da Terra, foi cancelado a cerca de 20 minutos da descolagem devido a condições meteorológicas adversas, apesar de todos os sistemas estarem tecnicamente prontos para a partida.

"Infelizmente, não vamos lançar hoje", disse Mike Taylor, diretor da SpaceX, aos astronautas da NASA Bob Behnken e Doug Hurley.

A próxima tentativa está agora agendada para sábado.

Existem janelas de lançamento adicionais neste sábado e domingo, disse um porta-voz da NASA, citado pela CNN. A próxima tentativa será no sábado, às 15:22 locais (mais cinco horas em Portugal continental).

Havia 50% de hipóteses de o voo ser adiado devido a condições climatéricas esta quarta-feira de manhã. A chuva ao longo da trajetória de voo e o desenvolvimento de tempestades nas proximidades foram as principais preocupações do lançamento, pois o estado norte-americano da Florida enfrentou fortes chuvadas devido a uma perturbação tropical nos últimos dias.

No caso de surgir algum problema com o foguete após a descolagem, a cápsula Crew Dragon da SpaceX tem a capacidade de se afastar do foguetão e levar os astronautas em segurança. Mas, para garantir uma descolagem segura, a SpaceX deve certificar-se que as condições climáticas são as ideais.

Primeira viagem ao espaço tripulada a partir dos EUA desde 2011

Sábado, tal como aconteceu esta quarta-feira, Bob e Doug, ou seja, Robert L. Behnken e Douglas G. Hurley, estarão sentados dentro da cápsula Crew Dragon, que será lançada pelo foguetão Falcon 9, em direção à órbita da Estação Espacial Internacional (EEI). Será a primeira viagem ao espaço a partir de solo americano desde 2011, quando o programa Space Shuttle da NASA foi descontinuado.

O lançamento faz parte do Programa Comercial Tripulado da NASA, uma iniciativa que, descreveu a SpaceX, "é um ponto de viragem para o futuro da América na exploração do espaço que estabelece as bases para futuras missões à Lua, a Marte e mais além".

A cooperação entre a NASA e empresas privadas sempre aconteceu, mas a forma como está a ser feita agora abre oportunidades sem precedentes. "Estas empresas são inspiradoras para a NASA e para as pessoas que trabalham nela", disse ao DN a ex-astronauta Cady Coleman, uma veterana da agência que agora é exploradora global residente da Escola de Exploração do Espaço e da Terra, da Universidade Estadual do Arizona. "Estas empresas podem tomar riscos maiores com o hardware, testar se uma nave mais leve vibra menos, por exemplo." Se for uma agência governamental a fazê-lo e algo acontecer, haverá uma investigação e um relatório, o que abranda o ritmo de inovação. Para um Elon Musk na SpaceX ou um Jeff Bezos na Blue Origin, as consequências são diferentes. "O facto de as empresas privadas não terem o mesmo escrutínio que a NASA permite-lhes explorar mais livremente", disse Coleman. "E, ainda assim, estamos a trabalhar todos juntos."

Um novo passo para a humanidade

Este pode ser o início de uma nova era de exploração no espaço, bem diferente daquela que gerou a própria NASA no final dos anos 1950. A agência fora criada durante a Guerra Fria como resposta dos EUA ao lançamento bem-sucedido do satélite Sputnik, enviado pelos soviéticos para a órbita da Terra em 1957. Agora, num mundo diferente, antecipam-se as próximas grandes missões, que o presidente Donald Trump concretizou na diretiva de 2017 como o regresso à Lua e a exploração de Marte.

"Estamos numa nova era de exploração no sentido em que temos agora muitos tipos de entidades espaciais, pessoas, empresas, milionários, governos", considerou Cady Coleman. Há algumas décadas era tudo mais limitado, o que ajuda a explicar porque é que o regresso à Lua demorou tanto.

O sistema de foguetão que levava os norte-americanos à Lua nos anos 60 e 70 do século passado, Saturn V, foi abandonado e era necessário iniciar um novo programa. A tarefa mostrou-se complexa porque "voltar à Lua e ir a Marte não são trabalhos para quatro anos" e a política americana não está desenhada para o pensamento de longo prazo.

Já uma empresa privada ou um país pequeno é diferente. "Vi coisas muito interessantes a saírem de Portugal, que está cada vez mais envolvido no programa espacial", disse a ex-astronauta. "Uma pequena empresa portuguesa pode ter uma ideia para o espaço e ir à mesma conferência em que estão pessoas da NASA."

As boas ideias vêm "de lugares distintos" e daí a importância das empresas privadas que surgiram nos últimos vinte anos, considerou Coleman. "Ajuda porque há muito trabalho para fazer e precisamos de muitas ideias novas."

O primeiro grande projeto é regressar à Lua, com o programa Artemis, depois preparar a conquista de Marte, para onde partirá o rover Perseverance já neste verão. E tudo começa na EEI, onde Cady Coleman passou seis meses em 2011.

"A Estação Espacial é um laboratório em órbita internacional que testa diferentes formas de reciclar ar, água, aprender a cultivar plantas, compreender como manter as pessoas saudáveis", explicou. "A EEI é uma de muitas formas com que estamos a preparar as pessoas para deixarem a Terra e irem viver para Marte. Há muito trabalho a fazer antes de estarmos prontos para isso e a Lua é um dos sítios onde podemos praticar."

Segundo explicou, há muitas coisas que se pode testar na Lua que não se consegue experimentar noutros sítios, com a vantagem de a viagem levar apenas três dias. Por comparação, ir a Marte demora nove meses e a janela de oportunidade ocorre a cada 26 meses. "Isso significa que podemos ir [à Lua] experimentar caminhadas espaciais numa superfície muito poeirenta e depois voltar, por exemplo, com outro tipo de fato espacial."

O regresso ao satélite natural da Terra é um programa gigante com grande cooperação internacional. A Agência Espacial Europeia (ESA) vai fornecer o módulo de serviço para a nave Orion, que irá à Lua, e a NASA está em conversações com as agências espaciais de Canadá, Japão e Rússia, além da ESA, para cooperar na plataforma orbital lunar Gateway, que será uma base permanente na Lua.

O programa Artemis tem também a participação de várias empresas privadas, com a Blue Origin, a SpaceX e a Dynetics a desenhar os módulos de aterragem na Lua.

Esta vai acontecer em 2024 e desta vez levará um homem e uma mulher a caminhar na superfície lunar, refletindo a transformação da sociedade e da própria indústria. "Hoje, há mais diversidade nas nossas fileiras de astronautas do que havia quando fomos à Lua da última vez", afirmou Cheryl Warner. "Com o programa Artemis, vamos enviar os nossos astronautas mais qualificados para explorar a superfície lunar", continuou. "Estamos ansiosos por fazer história mais uma vez quando enviarmos a primeira mulher e o próximo homem à Lua dentro de quatro anos."

Cady Coleman, que entrou na NASA em 1992, pintou a questão de forma mais colorida. "Há qualquer coisa nas viagens espaciais que é tão especial e fascina tanto as pessoas, que se deve garantir, quando formamos as equipas de astronautas, que elas sejam compostas por pessoas diferentes e refletir que as mulheres são metade do planeta", referiu. Não será sequer preciso fazer um esforço para o conseguir. "O que acontece é que de cada vez que agora escolhemos astronautas, cerca de metade dos candidatos são mulheres", disse. "Costumo dizer que se quisessem completar muitas tarefas enviariam duas mulheres, mas se calhar faz sentido levar um homem, mesmo que não se consiga fazer tanta coisa", gracejou.

Com Ricardo Simões Ferreira