Em meio à pandemia, falta de contato social é o que mais angustia os brasileiros

Pesquisa do instituto Kantar mostra ainda o que as pessoas mais querem fazer quando a pandemia acabar, como ir ao bar ou restaurante, rever amigos e praticar esportes

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Personal trainer Cláudia Periard (@claudinhaperiard) passou dar aulas online para os quase 30 alunos e sente falta do contato diárioFoto: Flávio Tavares
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O educador físico Luis do Carmo não vê a hora de voltar para a academia e rever os amigosFoto: Arquivo Pessoal
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Toda a família da professora Meire Rezende fez aniversário durante a quarentena e precisou inovar na forma de comemorarFoto: Arquivo Pessoal

"Sentimento nostálgico e melancólico associado à recordação de pessoa ou coisa ausente, distante ou extinta, ou à ausência de coisas, prazeres e emoções experimentadas e já passadas". Nos dicionários, saudade é definida como uma sensação de falta, da vontade de reviver as lembranças mais positivas. É a forma de expressar um sentimento tão abstrato, que a palavra só existe na língua portuguesa – tanto, que a tradução é difícil para qualquer outro idioma.

Entre a clausura provocada pela pandemia e o isolamento, a saudade é vivenciada diariamente por cada brasileiro. Saudade da liberdade de sair na rua quando quiser, fazer uma simples caminhada perto de casa, de encontrar os amigos e a família, dos momentos de alegria nas bares, da boemia. E é dessa saudade que vem o conforto para dias melhores. Esse sentimento único retratado na língua portuguesa também revela aspectos peculiares de cada brasileiro em uma pesquisa do Instituto Kantar.

No levantamento, 25 mil entrevistados foram questionados sobre o que mais sentiam falta diante das tantas limitações provocadas pelo coronavírus na rotina diária. E o resultado foi quase uníssono: as interações sociais e a falta de sair de casa. E quando tudo voltar a uma nova normalidade, com o tão sonhado fim da pandemia, as principais vontades são encontrar com amigos e familiares, além de passear, praticar esportes e ir a bares e restaurantes.

Ao recordar lembranças e saudades da vida pré-pandemia, a professora Meire Rezende, 40, se emociona. Isolada em casa com o marido e as duas filhas, de 6 e 9 anos, há mais de dois meses, ela sonha em encontrar os demais entes queridos e pessoas que têm carinho. "O que eu tenho sentido mais falta é exatamente a presença, o olho no olho, sentir o cheiro, conseguir abraçar, o afeto experimentado, porque o amor a gente pode manifestar de várias formas, mas esse sentir o toque físico tem sido uma dificuldade", conta.

Nesse meio tempo, já se passaram cinco datas mais que especiais que tiveram de mudar radicalmente a forma de comemorar: os aniversários das meninas, do marido e o da própria Meire, além, claro, do Dia das Mães. "Comemoramos? Sim. Somos agradecidos? Claro, principalmente pela saúde. Faltou alguma coisa? Aquilo que só a presença nos presenteia", resume.

Valorizar a simplicidade

Para a CEO de Insights da Kantar, Valkiria Garré, todas as ausências causadas pela pandemia criam um outro sentimento entre os brasileiros. "As pessoas passam a valorizar coisas que antes não davam tanto valor antes da pandemia, como ir a um restaurante, praticar esporte. Desde a primeira onda da pesquisa, percebemos que o que mais sente falta é justamente da liberdade de poder sair de casa, ter interações sociais", explica.

É o caso do educador físico Luis do Carmo, 29, que não vê a hora de voltar à academia, rever os amigos e confraternizar. "O mais difícil em casa é a falta de estrutura, que mesmo com alguns equipamentos, não há a mesma aparelhagem. Sinto também a falta de convívio, a roda de amigos, que eu via todos os dias, inclusive para sair, ir em um barzinho ou num espetinho. Isso não temos mais na quarentena", completa.

A personal trainer Cláudia Periard, 34, compartilha do sentimento. Apesar de ter se adaptado às aulas online, através das câmeras não é possível sentir a energia de cada um, conseguir motivar pelo simples contato visual, conforme conta. "Assim que acabar essa pandemia, quero tanto abraçar as pessoas, ter contato e ficar mais próximo, principalmente da minha mãe e minha avó, que são pessoas de mais idade e que não vejo há 60 dias", emociona.

Segurança e pertencimento

O professor do Departamento de Psicologia da UFMG, Paulo Evangelista, lembra que o contato social é algo crucial para a natureza humana. "Nas trocas afetivas que encontramos segurança, a sensação de pertencimento. São nelas que reconhecemos quem somos e, por isso, são tão importantes e fazem muita falta na pandemia", frisa. O 

Segundo o especialista, a falta dessa relação põe cada indivíduo em mais contato consigo mesmo, momento em que podem surgir medos, dúvidas e inseguranças, agravadas ainda mais pela pandemia – a pesquisa da Kantar mostrou também que 58% dos entrevistados temem o que vai acontecer no futuro. "No dia a dia, as pessoas ficam mais escondidas, com menos distração e, muitas vezes, isso favorece que apareçam essas questões", pontua.

Nas adversidades, aparece o humor

Outro ponto revelado pela pesquisa é a forma como o brasileiro prefere se expressar nas redes sociais diante de tantos acontecimentos causados pelo coronavírus. A maioria prefere usar memes, piadas ou falar da rotina diária. "Eu acho bem bacana essa forma do brasileiro também lidar com uma situação difícil, sempre com o bom humor. Falamos muito sobre as lives que temos aqui no Brasil, que são todas muito alegres, de entretenimento, enquanto nos Estados Unidos elas têm um tom de homenagem aos mortos. Isso tem a ver com o brasileiro e a forma que ele reage às dificuldades", comenta Valkiria Garré.

Segundo a CEO de Insights da Kantar, a perspectiva do brasileiro é muito diferente da população de outros países da américa-latina, também duramente afetados pela pandemia. Nas outras nações, as pessoas preferem falar sobre informações da doença, além das medidas práticas para enfrentar essa adversidade. "O humor é a escolha do brasileiro para lidar com a pandemia", define.

Os resultados da pesquisa

76% dos brasileiros já sentiram o impacto da pandemia em suas rotinas
58% preocupam-se com o futuro

O que você quer fazer quando acabar a pandemia?

Encontrar os amigos - 52%

Encontrar a família - 49%

Dar uma volta a pé - 45%

Ir a um bar ou restaurante - 36%

Praticar esportes - 36%
O que sente mais falta desde o isolamento social?

Sair de casa - 50%

Liberdade - 47%
Quais atividades tem realizado mais após a pandemia?

Dormir - 48%

Ler - 44%

Focar no desenvolvimento pessoal - 43%

Exercitar - 35%

Se conectar mais com os outros - 25%
Como o brasileiro encara a pandemia nas redes sociais?

Memes e piadas - 45%

Fala sobre o dia a dia - 32%

Expressa medo sincero - 9%

A pesquisa foi realizada entre os dias 24 e 28 de abril, com 25 mil pessoas

Link para o áudio