Ninguém sabe como é que os EUA vão tentar derrotar a Covid-19
Já morreram mais de 100 mil pessoas nos EUA, cerca de 1,750 milhões foram infetadas e há mais de 39 milhões de desempregados. Entretanto, os EUA investiram mil milhões de dólares numa única vacina.
by Diogo BarretoOs Estados Unidos da América são o país com o maior número de infetados e de mortos do mundo e não há ainda indícios de que tenham a pandemia de Covid-19 sob controlo. São também, em parte por causa disso, o país com maior interesse no desenvolvimento de uma vacina e estão dispostos a investir fortemente nessa solução.
A semana passada, o presidente Donald Trump informou que os EUA tinham investido mil milhões de dólares para adquirir 300 milhões de doses de uma vacina eficaz contra a covid-19 até janeiro. Os EUA têm cerca de 330 milhões de habitantes. E para conseguir atingir este objetivo, foi criada a Operação Warp Speed, que pretende juntar todos todas as associações médicas, militares e supervisão numa só.
Mas há um problema com esta Operation Warp Speed: até ao momento, ela é pouco transparente. A oposição a Trump tem questionado sobre qual o seu orçamento, quais os poderes que esta "operação" detém ou quem a lidera. Apenas se sabe quais os seus objetivos: criar uma organização que promova a aceleração da criação desta vacina.
"Só gostávamos de garantir que as decisões estão a ser tomadas com todos os cuidados necessários e de forma não política que possa prejudicar as descobertas feitas e a estruturas montadas para desenvolver uma vacina mais segura", refere Lois Privor-Dumm, do Centro Internacional de Acesso a Vacinas da Universidade de Saúde Pública John Hopkins.
O projeto de vacina no qual os EUA investiram 1,2 mil milhões de dólares até ao momento é aquela que está a ser desenvolvida pela Universidade de Oxford, em Inglaterra, em cooperação com o laboratório AstraZeneca.
Este projeto já vai avançar para uma segunda fase de testes em humanos, com 10 mil voluntários, depois de os primeiros testes terem mostrado resultados bastante promissores. A AstraZeneca espera conseguir disponibilizar as primeiras doses da vacina para a SARS-CoV-2 já em setembro deste ano.
Num comunicado, a AstraZeneca afirmou que está agora a assegurada a capacidade de produção para mil milhões de doses até 2022 e espera conseguir novos acordos para expandir a capacidade ao longo dos próximos meses, no sentido de "garantir a distribuição global da vacina".
A empresa já testou o seu protótipo em mais de mil voluntários (com idade entre os 18 e os 55 anos) em vários locais do sul de Inglaterra. Os resultados serão conhecidos brevemente e caso sejam positivos, os testes vão ser alargados a mais países e voluntários.
Mas em comunicado a AstraZeneca reconhece que há a possibilidade de a vacina não funcionar. "Estamos comprometidos em evoluir com o nosso programa clínico", lê-se.
Quem está a liderar a Operação Warp Speed é Moncef Slaoui, um especialista em biologia molecular e imunologia. A completar a liderança do projeto está o general Gustave Perna.
Como o país mais poderoso do mundo falhou a preparação contra o vírus
Com mais de 100 mil mortos e 1,750 milhões de infetados, os EUA são o país com os números mais elevados desta pandemia. Em segundo lugar vem o Brasil com cerca de 400 mil infetados e 30 mil mortos. Os EUA têm 305 mortos por milhão de habitantes (em comparação, Portugal tem 135 mortos por milhão de habitantes).
Não é que o coronavírus tenha atingido o país todo da mesma maneira. Na verdade, os estados de Nova Iorque, Nova Jérsia e o Connecticut são três estados com uma taxa de mortalidade superior a mil pessoas por milhão de habitantes, enquanto estados como a Califórnia, o Texas ou o Kansas têm menos de 100 mortos por milhão de habitantes.
Sucessivos estudos referem que o vírus colocou a nu as diferenças entre os mais pobres e os mais ricos no acesso a cuidados de saúde e afirmam que a administração Trump, apesar de ser avisada para a possibilidade de vir a enfrentar uma pandemia mundial, tinha ignorado as necessidades de reforçar a capacidade hospitalar dos EUA.
Segundo um relatório referido pelos meios de comunicação norte-americanos, durante o período de transição, a administração Obama informou a administração Trump de que a pandemia da gripe das aves H9N2 poderia vir a ser uma pandemia pior do que a gripe espanhola e informou sobre a falta de respiradores e da necessidade de desenvolver uma capacidade de resposta nacional para uma possível crise sanitária. Apesar disto, em 2018, Timothy Ziemer, que estava a cargo de desenvolver essa resposta a uma possível pandemia foi demitido e nunca substituido.
De acordo com o The Wall Street Journal, no início janeiro de 2020, o diretor da FDA perguntou ao Departamento de Saúde dos EUA se tinha autorização para começar a adquirir material de proteção individual, como máscaras e luvas, devido à doença que começava a alastrar-se na China, ao que lhe responderam que não e que isso poderia alarmar a população.
A 18 de janeiro, o secretário de Estado da Saúde tenta falar com Trump sobre a pandemia, mas este está mais interessado a falar sobre os cigarros eletrónicos que tinham visto a aprovação de uma proibição à venda destes produtos com sabores.
A 30 de janeiro desse mesmo mês, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decreta o surto de SARS-CoV-2 como uma crise de saúde a nível mundial. Três dias depois, o presidente dos EUA proíbe todas as viagens vindas da China com destino para aquele país.
Quando a pandemia chegou aos EUA, Nova Iorque foi o epicentro da crise, registando dezenas de milhares de casos e milhares de mortes. E mesmo assim a Casa Branca continuava a desvalorizar o vírus, tendo Trump e o Governador Andrew Cuomo entrado em disputas relativamente às estratégias a adotar.
Mais recentemente, o presidente Trump admitiu que a situação era grave, admitindo mesmo que o cenário é tão negro que é comparável à II Guerra Mundial. Mas não se trata apenas de uma pandemia, já. São também números astronómicos de desemprego (cerca de 39 milhões de desempregados) e uma crise económica que se aproxima.
Entretanto, toda a esperança reside numa vacina.