Como um “exército” de perfis falsos quer impor o Chega em Braga
Política
by Pedro Luís SilvaCom apenas 3.177 votos (0,68%) no distrito de Braga nas últimas eleições legislativas, o Chega tenta através das redes sociais implantar-se na região do Minho. As eleições presidenciais – a que o líder do partido irá concorrer – e as autárquicas estão no horizonte.
Perfis falsos estão a ‘invadir’ grupos de Facebook do distrito de Braga com propaganda do partido. Quem investiga o fenómeno, diz que esta é uma “estratégia” a nível mundial da nova direita radical populista, encabeçada por Trump e Bolsonaro, com que se identifica a organização política de André Ventura.
Confrontada por O MINHO, a distrital de Braga não se demarca dos perfis falsos.
Filipe Martins dá nome a um perfil que publica com insistência propaganda do Chega no grupo de Facebook Barcelos Atual, com mais de 13 mil membros e o objetivo de discutir os assuntos mais prementes daquele concelho.
A foto de perfil é uma imagem de um homem com uma máscara feita com uma garrafa de plástico. Pode ser facilmente encontrada no Google em notícias de jornais internacionais sobre ‘máscaras criativas’ no combate à covid-19.
O MINHO perguntou a um ‘amigo’ desse perfil se conhecia a pessoa. Não conhecia. Aceitou o pedido de amizade, porque dizia ser de Barcelos e tinham alguns amigos em comum. Trata-se de um perfil falso.
Outro perfil que, constantemente, partilha propaganda do partido da nova direita radical populista no grupo Barcelos Atual é José Correia. A foto de perfil é a de André Ventura com o fundo da bandeira portuguesa. Tem uma outra fotografia pública, supostamente do próprio, cuja origem não nos foi possível detetar. O MINHO contactou um ‘amigo’ desse perfil que também não sabe de quem se trata. Perfil falso, portanto.
No grupo Com Fafe, Ninguém Fafe, que tem mais de 7 mil membros e visa divulgar assuntos sobre aquela cidade, a propaganda do Chega é partilhada por Visconde Moreira. Trata-se de um perfil claramente falso que usa a imagem de António Augusto Ferreira de Melo e Carvalho, 1.º visconde de Moreira de Rei, em Fafe (nascido em 1838 e falecido em 1891).
“É uma estratégia, já ocorreu noutros países”, explica o investigador da Universidade do Minho (UM), Sérgio Denicoli. “Invadem esses grupos e também fazem pressão em páginas de jornais e de políticos comentando as publicações. Estão em grupos de diversos tipos, de camionistas a grupos de adolescentes e temáticos. Até criam grupos que defendem essas ideias, mas não estão diretamente relacionados com os partidos”, acrescenta.
À Visão, o diretor de uma agência de consultoria de estratégia digital e monitorização de redes, cuja carteira de clientes inclui grandes empresas e organismo governamentais, revelou que os perfis falsos do Chega “já serão perto de 20 mil”. “Os exércitos digitais do Chega são extremamente organizados e eficazes a replicar conteúdos”, avalia aquele especialista cujo nome não é citado pela revista.
Mais de 40 mil ‘likes’ no distrito de Braga
Estranhamente, estes perfis facilmente detetados como falsos não ‘atacam’ no grupo Moina na Estrada, o maior da região e mesmo dos maiores do país, com mais de 160 mil membros.
O MINHO contactou o administrador, Duarte Prestes, que começou por assumir ter “uma posição muito forte” na distrital do Chega do Porto e ser “amigo pessoal” de André Ventura, mas que procura controlar esse tipo de publicações.
“A minha decisão é a de não querer politizar o grupo, apesar de, mesmo assim, haver alguns abusos de membros que lá publicam”, explica Duarte Prestes, sublinhando a dificuldade de “gerir e controlar” um grupo com mais de 160 mil membros e “11 mil em espera”.
“Há entre mil e dois mil pedidos de adesão diários, mas eu gosto de filtrar tudo, gosto de analisar. Há muitos [perfis] em que não dá para fazer controle e depois só nas denúncias ou no teor da publicação é que vejo serem perfis falsos e elimino”, aponta o administrador do Moina na Estrada, acrescentando que, “mesmo na adesão” de novos membros, faz uma “filtragem”.
“Basta ver que é um perfil recentemente criado, com nome chinês ou que não tem grupos ou amigos em comum. Ou seja, o próprio Facebook permite um bocado fazer esse filtro”, realça, acrescentando que as “instruções” no grupo são para “não haver politização seja de que partido for”.
Sem a implantação no terreno que têm os partidos tradicionais, o Chega, com pouco mais de um ano (fundado a 9 de abril de 2019), segue o exemplo dos congéneres mundiais conquistando as suas bases nas plataformas digitais.
O Chega tem 15 órgãos distritais (incluindo Açores), sendo que Braga é um deles. No início de fevereiro, num jantar no Café Astória, em Braga, era eleita a Comissão Política Distrital. O barcelense Luís Arezes assumiu a presidência. O partido afirma que a distrital é composta por 15 militantes de Braga, Barcelos, Esposende, Fafe, Famalicão, Guimarães e Vila Verde.
O partido tem 77 núcleos oficiais em todo o país. No distrito de Braga são três: Barcelos (os responsáveis são Luís Alves e Margie Moreira), Famalicão (a responsável é Margarida Moreira) e Braga (os responsáveis são Carlos Moura, Joana Lage, Rafael Pereira, Juan Santos e Emanuel Tinoco Fernandes, este último também responsável da Juventude Chega Norte).
O Chega não tem órgão distrital no Alto Minho. Viana do Castelo tem apenas um núcleo, cujo responsável não é referido no site do partido, ao contrário da maioria. Há duas páginas de Facebook intituladas Chega Viana do Castelo, uma com cerca de 700 seguidores e outra com 2.000, mas muito pouco ativas.
Bem pelo contrário, a página no Facebook do Chega Braga é imparável. É comum até ter dez ou mais publicações diárias: notícias sobre André Ventura e outras para atacar os adversários políticos, sempre com um tom inflamado.
Mas o mais curioso é que todos os concelhos do distrito de Braga – 14 – têm páginas de Facebook do Chega – apesar de só em três haver núcleos oficiais. Todas replicam os mesmos posts.
A página do Chega Barcelos é a quem tem o maior número de seguidores (mais de 14 mil), seguida à distância das de Braga (5 mil), Esposende (4 mil), Fafe e Guimarães (3 mil cada), Vizela (dois mil), Famalicão (1.900), Póvoa de Lanhoso (1.800), Terras de Bouro (1.700), Celorico de Basto (1.500), Vila Verde (1.000), Amares (800), Vieira do Minho e Cabeceiras de Basto (600).
Assim, no total, as páginas do Chega no distrito de Braga têm mais de 40 mil ‘likes’.
A forma como as páginas são geridas – com publicações regulares e replicadas em todas elas – evidencia o profissionalismo com que o Chega opera nas redes sociais e que a comunicação deverá ser coordenada a um nível superior.
Sérgio Denicoli não tem dúvidas de que a comunicação do Chega, tal como a dos congéneres internacionais, é centralizada, porque “há uma defesa muito rápida com a imposição de uma narrativa” em resposta a qualquer facto, bem como “ataques coordenados”.
“A lógica da rede é mimética, é de repetição”, refere o também CEO da AP Exata, que recolhe e analisa os dados que circulam na internet. “Através dessa repetição impõem uma narrativa. E a narrativa acaba por ser dominada por esses grupos. Os partidos tradicionais não sabem trabalhar assim e esses grupos acabam por crescerem sozinhos nas redes sociais”, completa.
“O desplante e a ousadia” de O MINHO questionar o Chega – Braga
O MINHO questionou a Comissão Política Distrital do Chega, nomeadamente se tinha conhecimento da existência dos referidos perfis falsos e, em caso afirmativo, quem os controlava; e também se as páginas concelhias são todas geridas pela distrital.
O partido escusou-se a responder às questões, optando por emitir um “comunicado” em que “repudia” o nosso jornal por ter “o desplante e a ousadia de abordar o Partido CHEGA BRAGA para questionar sobre, pasme-se, perfis falsos e controle das páginas do partido no distrito”.
Os ataques à imprensa, nota Sérgio Denicoli, são uma marca desta nova direita radical populista. “A lógica deles é chocar. Pelo choque conseguem a divulgação mediática. A partir daí, quando sai alguma matéria sobre eles, começam a criticar o mensageiro, a dizer que os media são todos de esquerda e a tentar descredibilizar a imprensa”, analisa o especialista.
Sérgio Denicoli identifica “três bandeiras” no discurso dos novos populistas de direita: o combate à corrupção, a crítica à política partidária e as mensagens religiosas. Procuram passar “mensagens simples” assentes num “discurso maniqueísta” – onde só há bons e maus – e procurando o conflito.
Já no entender de Duarte Prestes, o Chega é “um partido que, se calhar, diz as verdades que o povo tem vontade de expressar e não consegue porque tem medo”.
Com uma assumida relação de proximidade ao Chega, o administrador do grupo Moina na Estrada considera que as redes sociais são “a maior arma” do partido, o qual, “se calhar, tem mais gente do que se imagina”.
“É um partido que usa muito as redes sociais. Tem muitos peões em várias cidades que trabalham e, por causa disso, tem uma máquina mais virada para a rede social que outros partidos não têm, porque se calhar não precisam”, defende Duarte Prestes, acrescentando: “O PS, o PSD e o CDS, se calhar, não precisam de ter perfis, sejam falsos ou não, a atacar as redes sociais a toda a hora. Se calhar vão ter quando se aproximarem as eleições. Mas têm a máquina que funciona, põe-se o caciquismo a trabalhar. O Chega trabalha mais a rede social, dá muito notícias, porque as pessoas gostam de notícias e gostam de ouvir o André Ventura no Parlamento a falar sobre coisas que interessam a todos os portugueses”.
O discurso do deputado, de 37 anos, na sessão solene do 25 de Abril na Assembleia da República, terá estado, segundo a revista Visão, entre os mais vistos desse dia. Mal acabou o discurso, o vídeo foi difundido em larga escala, ultrapassando as 120 mil visualizações. Para essa amplificação do discurso do líder, que foi vereador do PSD em Loures e ganhou notoriedade pública através do comentário futebolístico, contribuem os tais cerca de 20 mil perfis falsos que integram o “exército digital” do Chega.
Sérgio Denicoli, que já observou este fenómeno da direita populista bem de perto no Brasil, onde a eleição de Jair Bolsonaro em muito se deveu às redes sociais, considera que esta profusão de perfis falsos “vai intensificar-se com a proximidade das eleições”.
No próximo ano serão duas importantes. Logo em janeiro, as presidenciais, às quais André Ventura já anunciou que será candidato, e em outubro as autárquicas, em que o Chega concorrerá pela primeira vez em busca de um resultado que lhe permita uma maior implantação no território nacional.
Nessa altura, a “tendência de imposição da narrativa” será de tal forma que, a determinado momento, se tornará “difícil perceber quais são os perfis interferentes”, prevê o investigador. “Outras pessoas começam a partilhar e chega uma altura em que já há um grande volume de partilhas orgânicas”, completa.
“Com um ano, o Chega já está ao nível dos maiores partidos. [Nas sondagens] conseguiu ultrapassar partidos tradicionais, como o CDS”, observa Sérgio Denicoli, que sentencia: “A verdade é que são muito bons em termos de comunicação, sabem como comunicar nas redes”.