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Cláudia Joaquim, ex-Secretária de Estado da Segurança Social. (Gerardo Santos / Global Imagens)

Governo deve rever subsídio social de desemprego, diz ex-secretária de Estado

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O governo deve rever as regras de atribuição do subsídio social de desemprego e do rendimento social de inserção para dar resposta aos grupos de indivíduos que, devido à pandemia, perderam emprego e rendimentos e ficaram também sem resposta da Segurança Social, defende a antiga secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim.

“Pode fazer sentido voltar a olhar para o subsídio social de desemprego, que é atribuído mediante condição de recursos, num valor fixo – não é uma prestação diferencial. Mas todas as equações poderão ser colocadas em cima da mesa em função daquela que seja a cobertura que se pretenda neste contexto”, considerou esta quarta-feira a ex-secretária na conferência “Promoção do Emprego e do Apoio Social”, organizada pelo Conselho Económico e Social num momento em que o governo prepara o Programa de Estabilização Económica e Social para suportar uma retoma económica pós-covid.

A ideia será “fazer face a situações ou de desproteção ou de cobertura muito reduzida”, segundo a ex-governante para quem a cobertura da prestação deve ser modelada “através dos prazos de garantia, através das condições de acesso”.

Por exemplo, assinalou, a proteção dada aos trabalhadores a tempo parcial e aos sócios-gerentes mostrou-se ultrapassada com a atual crise.

Também o rendimento social de inserção “é facilmente modelável em função das coberturas que se pretenda ter”, considerou Cláudia Joaquim, lembrando que no período de ajustamento que resultou da anterior crise os valores da prestação caíram ao invés de subirem “num contexto em que a fragilidade das famílias era maior”.

As declarações da antiga titular da pasta da Segurança Social, atualmente nos órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, são feitas depois de em abril, apesar de uma grande subida no desemprego, as prestações do subsídio social de desemprego terem caído 11% face há um ano, ao mesmo tempo que as de rendimento social de inserção registaram um aumento de 1% apenas, ainda que se mantenha uma prorrogação automática destes apoios. O valor médio da prestação por família, nos 259,5 euros, caiu 1,3%

As propostas foram lançadas numa conferência organizada pelo anterior ministro do Trabalho, Vieira da Silva, com a participação de parceiros sociais como a CAP, Confederação de Comércio e Serviços, UGT e CGTP, além de economistas, representantes da economia social e investigadores da área da sociologia.

O economista José Maria Castro Caldas, associado ao Colabor do ISCTE, calculou em um milhão de indivíduos aqueles que, neste momento, poderão estar sem qualquer proteção social, por terem estado até aqui no mercado de trabalho com vínculos precários e sem o período mínimo de descontos necessário para a Segurança Social.

O economista deixou também críticas à forma como estão a ser atribuídos os apoios do regime de lay-off simplificado, num processo de “seleção adversa” em que uma em cada duas grandes empresas recorrem ao mecanismo que reduz salários e encargos de empresas com as remunerações, independentemente de terem tido lucros no ano anterior ou de poderem distribuir dividendos que não se irão transformar em investimento ou mais emprego. “Atribuir apoios a empresas que destroem emprego não faz sentido”, considerou.

Apoios para conter “nem-nem”

Pedro Adão e Silva, também da equipa do Colabor do ISCTE, lembrou que no início deste verão haverá mais de 50 mil jovens a terminar os estudos e com possibilidades de ingresso no mercado de trabalho muito limitadas, sem acesso à emigração, e com maiores dificuldades em manter a continuidade de estudos ao nível de mestrado devido à quebra de rendimentos das famílias.

“Uma das prioridades das políticas públicas deve passar por apoiar quem termina o primeiro ciclo para prosseguir estudos. É o menos mau dos cenários: garantir que quem terminou uma qualificação superior pode continuar a estudar”, defendeu, antecipado um aumento dos jovens portugueses que não estão nem no emprego nem em formação (NEET, no acrónimo inglês,) após reduções no último ano.

“O que nós temos é um potencial muito significativo do crescimento jovem e dos jovens que vêm as suas vidas suspensas durante um tempo indeterminado que pode ser de um ano ou mais”, disse o investigador, lembrando os jovens que trabalhavam em sectores mais expostos à crise, relacionados com o turismo, e que terão dificuldades em recuperar nos próximos tempos.

O presidente da CCP, João Vieira Lopes, destacou também a situação dos trabalhadores temporários e dos sócios-gerentes de microempresas, assinalando “duas incapacidades estruturais em termos de lei” e defendendo a necessidade de legislar o Estatuto do Trabalhador Temporário”. “O factor de não o termos pensado suficientemente no passado levou a que os trabalhadores temporários ficassem fora dos apoios sociais e acabassem por quase só terem a opção do desemprego”.

O líder da confederação empresarial que representa o pequeno comércio considerou ainda que este sector foi negligenciado na última crise. “Poucas pessoas poderão ter fixado estes números, mas durante dois anos fecharam 100 lojas por dia”.

Segundo Vieira Lopes, “estes segmentos é que vão garantir o emprego”. “Enquanto para as médias e grandes empresas o grande desafio que vão ter é manter o negócio – e algumas delas não conseguirão, mas a maior parte se calhar vai conseguir com mais ou menos redução de pessoal – para estes milhares de empresas, que garantem uma parte significativa do mercado de trabalho, o problema não é o negócio, é a sobrevivência, porque todas elas trabalham no limite”.

Eduardo Oliveira e Sousa, o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), por seu turno, deu conta de que parte do mercado de trabalho agrícola estará a resolver dificuldades com recursos a quem ficou sem emprego em áreas como a restauração, mas defendeu que muitos desses trabalhadores poderão agora voltar as áreas onde trabalhavam com a reabertura das atividades que tiveram encerramento administrativo durante o estado de emergência.

Rever lay-off e receitas da Segurança Social

Da parte das centrais sindicais, voltaram a ouvir-se críticas ao atual mecanismo de lay-off simplificado que o governo poderá estender até ao final do ano e à falta de utilização do plano extraordinário de formação que permitiria melhorar um pouco os rendimentos dos trabalhadores que ficaram com contratos suspensos ou horários reduzidos, com pagamentos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional.

“Uma curiosidade a respeito do regime simplificado de lay-off tem a ver com o baixo número de empresas que recorreram ao plano extraordinário de formação. Num período de menor atividade era recomendável que as empresas aproveitassem o tempo disponível para melhorem os níveis de qualificação dos trabalhadores que têm ao serviço, o que não sucedeu”, notou Andrea Araújo, da CGTP. “Este indicador demonstra que as empresas têm pouca preocupação com a utilização do tempo disponível para formação profissional – principalmente, se a fizerem obtêm o mesmo rendimento do que se não a fizerem”.

CGTP e UGT defendem, de resto, que o prolongamento do lay-off para os próximos meses se faça com menores perdas de rendimentos para os trabalhadores. A CGTP quer salários a 100%, enquanto a UGT pede 80%.

A UGT deixou também as propostas de “uma prestação social de caráter mais universal” para acudir aos trabalhadores que ficam desprotegidos na perda de emprego” e de um “quadro de proteção muito mais robusto para os trabalhadores precários que vão ser deixados cair no desemprego”.

Para suportar o aumento de despesas crescente da Segurança Social, ao mesmo tempo que se espera uma redução das contribuições e quotizações com o aumento do desemprego e isenções concedidas a empresas, será no entanto necessário repensar as fontes de financiamento, defendeu o antigo ministro do Emprego Silva Peneda.

“Pense-se de uma forma séria, com calma, numa forma de financiamento alternativo que não dependa quase exclusivamente do volume dos salário”, apelou, lembrando propostas anteriormente feitas pela CCP para taxar o valor acrescentado bruto aos invés de fazer apenas repercutir a massa salarial no nível de contribuições sociais pagas pelas empresas.

Atualizado às 19h24