Pandemia
A solidariedade é fonte de esperança, testemunha assistente social
“À medida que me comprometia cada vez mais nas campanhas e na mobilização social, pude, além de fazer minha parte, despertar em vizinhos e amigos este mesmo desejo de ajudar. Nada se faz sozinho”, conta Silvia
Liliane Borges
Da Redação
As consequências econômicas da Pandemia da Covid-19 vem sendo sentidas diante das medidas de contenção do contágio, como quarentena e isolamento social. Os mais vulneráveis foram as populações de rua e famílias dependentes do trabalho informal. Mas, mesmo diante de um cenário desconhecido, a solidariedade não faltou. Diversas ações tiveram início em todo o Brasil de modo a atender as necessidades urgentes das pessoas que ficaram privadas de itens básicos de alimentação, higiene e até moradia.
A assistente social e terapeuta familiar Silvia Helena Gonzaga liderou algumas ações na cidade do Rio de Janeiro, e pôde constatar que o momento vivido levou muitas pessoas a saírem da passividade para a fraternidade. Mesmo fazendo parte de seu trabalho, Silvia experimentou, em primeira pessoa, a força da solidariedade.
“Assim que foi decretado isolamento social, não senti a força do isolamento mesmo estando em casa por estar ligada a vários projetos de ajuda aos mais pobres e vulneráveis. Não vivi as sensações próprias de impotência, tristeza ou apatia, fui movida a fazer minha parte e ser criativa na organização de diversas formas de ajudar”.
As ações de ajuda, já existentes na Arquidiocese do Rio de Janeiro, intensificaram-se para alcançar os mais suscetíveis diante do quadro econômico que se agravou. Além de distribuição de refeições, cestas de alimentos e outros auxílios materiais, faz-se necessário o amparo emocional, explica a assistente social.
“Algumas pessoas estão preocupadas com o vírus, outras preocupadas com falta de dinheiro e trabalho, e essa realidade é a mais forte entre os mais pobres. Mas além de levarmos alimentos, sempre se faz necessário animá-las dizendo que não estão só, que tudo vai passar e que elas se cuidem para vencerem a falta de emprego e alimentos. Explicamos sobre a doença e como precisam se cuidar, na medida do possível, pois há lugares sem água, sem condições nenhuma de higiene; casa feitas de tábuas, placas de telhas, enfim, lugares que nem conhecíamos dentro da cidade tão grande como o Rio de Janeiro”.
Um chamado cristão
Para o advogado Berthaldo Souza Soares, em meio ao cenário crítico vivenciado, o “colocar-se a serviço” assume papel fundamental, pois nos revela como seguidores de Cristo e praticantes do Evangelho. Residente no Rio de Janeiro, ele faz parte de projetos permanentes de auxílio aos mais pobres, que, nestes últimos meses, foram a única fonte de ajuda de diversas famílias.
“Há tantas pessoas passando por sérias dificuldades, gente sem ter como alimentar os próprios filhos, famílias sem dinheiro para custear até as necessidades básicas. Há um mundo que sofre intensamente – e não apenas com a ameaça do vírus e a falta de acesso a serviços de saúde adequados. Estar envolvido com uma ação social, agora, não foi uma escolha somente, mas reflete nossa missão de seguidores de Jesus, confiantes nas palavras de Nossa Senhora de Fátima, que, já na primeira aparição aos pastorinhos, disse: “a graça de Deus será o vosso conforto”, afirma Berthaldo.
Entre as iniciativas que se fortaleceram nos últimos meses, liderada pela Associação Tarde com Maria, fundada pelo advogado e o Santuário do Cristo Redentor, uma padaria industrial produz, diariamente, mais de 7 mil pães que são distribuídos em locais de grande necessidade.
A unidade funciona graças a doações de empresários e outras pessoas que se comprometeram com a obra. Assim como a padaria, uma cozinha industrial também foi montada no Santuário Nossa Senhora de Fátima. São produzidas e distribuídas cerca de 500 marmitas, diariamente, e entregues a moradores em situação de rua e pessoas que, devido à contingência, estão sem qualquer renda.
“Além disso, mantemos, através da internet, a oração do terço, os ofícios e a transmissão de missas, para oferecer suporte espiritual a tantas e tantas pessoas que não podem frequentar as igrejas por causa do isolamento social”, conta Berthaldo.
Um olhar de esperança
Para o advogado, o auxílio material é também uma forma de suscitar e testemunhar esperança, mesmo em tempos difíceis. “Por onde passamos, vemos muito medo e muito sofrimento, mas também muita esperança. Há confiança na misericórdia e na providência divina. Existe também, em muitos casos, vergonha de precisar da ajuda dos outros, mas muita gratidão. Vemos gente com muito pouco ajudando quem tem menos ainda. Pessoas que não têm nenhum dinheiro, mas que colocam seu tempo e seus braços para ajudar os outros. Isso é inspirador e nos faz seguir adiante mesmo naqueles dias em que nos sentimos fraquejar”, conta Berthaldo.
Uma experiência que também é testemunhada por Silvia, que há muitos anos trabalha com obras sociais no Rio de Janeiro, mas vê crescer neste momento histórias de esperança e solidariedade.
“É importante ressaltar que vemos nos pobres sempre o olhar de esperança, que é mais forte que a preocupação. Eles, ao receberem, dão muito pelo olhar, de alegria e esperança. Um grande aprendizado, pois recebemos uma grande lição, principalmente a da solidariedade entre eles, pois são capazes de dividir cestas e alimentos com muita naturalidade. Mesmo tendo só o necessário, não acumulam, repartem”.
E a assistente social ressalta também a força de atração que a solidariedade traz consigo e suscita outras pessoas interessadas em ajudar, quando se dá um testemunho coerente.
“À medida que me comprometia cada vez mais nas campanhas e na mobilização social, pude, além de fazer minha parte, despertar a vizinhos e amigos este mesmo desejo de ajudar. Nada se faz sozinho, principalmente a solidariedade, que só é possível com união de muitos”, conta Silvia.
Ações organizadas para melhor ajudar
Diante da vulnerabilidade de muitas pessoas neste cenário de pandemia, a Igreja no Brasil pediu ações concretas das comunidades eclesiais, e para isso viabilizou o projeto Ação Solidária Emergencial, chamada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de “É tempo de cuidar”.
A medida fornece “orientações para a continuidade e adaptação das ações em curso e também um grande estímulo aos gestos de generosidade e práticas solidárias que poderão ser organizadas individualmente, em comunidades, paróquias ou dioceses com a finalidade de aliviar os impactos e consequências que afetam populações vulneráveis em todo o país”, destaca nota.
Além de promover um painel com as iniciativas presentes na comunidades de todo o país, a ação indica as modalidades para o serviço caritativo divididas em três níveis:
Individual: Estímulo a gestos solidários de ajuda direta a pessoas vizinhas que estão em situação de vulnerabilidade em função dos impactos e consequências da pandemia de coronavírus, como ajuda para ir a mercados e farmácias, entrega de materiais de proteção a grupos vulneráveis da rua, doação direta de alimentos, apoio psicossocial entre outros.
Comunitária: Estímulo para que as pessoas das comunidades possam realizar gestos de solidariedade em favor de populações vulneráveis presentes na própria comunidade como arrecadação de alimentos, produção e entrega de alimentos preparados (prontos para consumo), doações de materiais de higiene e proteção individual, apoio psicossocial entre outros.
Paroquial ou Diocesana: Motivação para pessoas doarem itens alimentícios, materiais de higiene ou equipamentos de proteção que serão entregues às populações vulneráveis de outros territórios com necessidade.
Com isso, o projeto direciona as pessoas que desejam ajudar e torna mais rápido o socorro aos necessitados. Assim, a solidariedade não faltará em tempos tão necessários, seja por medidas organizadas como essa, seja pelo simples gesto de oferecer um prato de comida a quem tem fome.