Coronavírus inspira Volatille Ferreira a criar arte em publicações nas redes sociais

Obras no Instagram ficam disponíveis por apenas 24 horas e trazem referências à glitch art

Ao invés dos 15 minutos de fama a que cada um teria direito, como disse Andy Warhol em sua famosa frase, um artista paulistano está criando o que chama de “15 segundos de pedido de socorro” durante a pandemia de coronavírus.

A duração se refere ao tempo de um story no Instagram, vídeos curtos que desaparecem depois de 24 horas a partir do momento em que foram publicados na rede social. O pedido de ajuda está relacionado ao tema de cada postagem de Volatille Ferreira: o alastramento da Covid-19 e como o mundo tem lidado com isso.

Os stories que publica diariamente em sua conta são compostos por uma manchete sobre a pandemia combinada com o trecho de um vídeo, em geral extraído de filmes e programas de TVs antigos. Aos dois elementos ele adiciona referências de “glitch art”, como a estática de uma televisão fora do ar ou imagens saídas de fitas VHS dos anos 1980.

O resultado é uma colagem visual em movimento, “com vários signos performando ao mesmo tempo”, explica o artista. Por exemplo, a notícia sobre um casal separado pela pandemia vem acompanhada de um trecho do filme “Terra Estrangeira”, no qual a personagem de Fernanda Torres chora, e de um letreiro estilo anos de 1980 onde se lê “no sleep” (sem dormir).

A ideia para os vídeos —que compõem um corpo de trabalho intitulado “Covid Bula 19”— surgiu de experiências pessoais que Ferreira, 35, viveu em 2019, misturadas às suas referências artísticas. “Meu ano passado foi intenso, como um prelúdio para o que está acontecendo agora. Vi artistas morrendo, como a Fernanda Young, que eu gostava, e tive crises de ansiedade, estados de quase morte”, conta.

Quando a fase difícil passou e ele saiu dos episódios de ansiedade, entrou em um estado mental de analisar o que antecede a morte, bem no momento em que a pandemia de coronavírus chegava no Brasil. Nesta época, andava lendo sobre arte produzida para a internet e também escritos de Andy Warhol, artista com o qual se identifica em parte porque o rei da pop art teve uma profunda ligação com a vida noturnas e o universo das festas.

Como promoter, DJ e performer, Ferreira foi um dos criadores do coletivo Voodoohop. O grupo de artistas chacoalhou a cena noturna de São Paulo em meados da década passada com a festa de mesmo nome, que juntava música influenciada por psicodelia com a decoração super colorida da Trackers, prédio no centro da capital onde o evento ocorria. (A Voodoohop ainda acontece esporadicamente.)

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O artista Volatille Ferreira na festa "Voodoohop RAVEtalização", no Parque Augusta, em São Paulo, em 2015 - Marcelo Paixão

Os stories são criados a partir do isolamento do artista com sua mãe na pequena Piripiri, cidade de 63 mil habitantes no interior do Piauí. A rotina de Ferreira consiste em acordar às 7h e coletar manchetes na grande imprensa —Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de S. Paulo, New York Times—, para em seguida ir atrás das referências visuais.

O último passo é combinar tudo para então publicar a primeira leva de vídeos no Instagram. Ele leva em média 20 minutos para produzir cada story. À tarde o processo se repete. “A intenção é que [o projeto] seja feito durante toda a pandemia. Quando acabar, vou juntar todo o material e fazer um vídeo arte, como se fosse um cápsula do tempo”, afirma.

Ele produz dez stories por dia, dos quais oito tem notícias amenas e dois, manchetes tristes —neste caso, elas vêm acopladas a imagens leves, como uma forma de equilíbrio da desgraça. “Esse lance da pandemia, tem muita gente com a saúde mental abalada por isso. Quero dar notícias positivas e otimistas para as pessoas não entrarem em choque, porque já está todo mundo em choque.”