OMS e segunda vaga de covid-19: contradição ou erro de comunicação?
by Joana Almeida SilvaOrganização Mundial da Saúde vai dizendo que haverá de certeza uma segunda vaga, que não é provável que haja, ou que, afinal, a pandemia voltará a bater, mas sob a forma de pico.
Talvez a causa seja a rapidez, o excesso de velocidade a que seguem as ideias. Pode ser essa a razão de se achar que há contradição onde existe apenas um problema de expressão ou uma mudança na forma de comunicar, pequenas nuances, não erros. O que é dito hoje parece o oposto do garantido antes, mas na verdade só mudou a forma.
A análise aplica-se às mais recentes afirmações de elementos da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre uma segunda vaga da pandemia. Vai ou não acontecer?
Basta o exercício de seguir por ordem cronológica as afirmações de alguns dos líderes da mais alta referência mundial de saúde: "muito provável"; "cada vez menos provável"; "pode acontecer um segundo pico na atual vaga" para se ficar com a sensação de que a OMS está à deriva. Só que não há realmente contradição.
Quando se referiu que seria "cada vez menos provável" enfrentar uma segunda vaga da pandemia de covid-19, apenas se comparava com a dimensão trágica da primeira. Ou seja, nunca foi excluído um segundo pico de infeções em todo o Mundo.
"Este tipo de alturas são sempre muito complicadas e ao mesmo tempo decisivas. A comunicação deve ser estratégica para ser eficaz", considera Rita Araújo, investigadora da Universidade do Minho. Integra uma equipa que está a estudar o noticiário de saúde desenvolvido durante a pandemia, nomeadamente através de inquéritos a jornalistas. E, ainda sem resultados dessa pesquisa, defende que a consistência das mensagens deveria ser um dos principais objetivos para quem leva informação científica à população.
"É preciso termos compreensão, porque os próprios cientistas ainda não sabem o que vamos enfrentar e algumas coisas são impossíveis de prever. Mas, por isso mesmo, a comunicação deve ser uma prioridade, extremamente pensada, para não causar medo nas pessoas, não as paralisar e interferir com a sua vida".
Um medo que será natural quando a informação transmitida muda os comportamentos das pessoas e as políticas de gestão da crise sanitária dos próprios governos.
O caso português
Nas primeiras semanas da pandemia, a Direção-Geral da Saúde (DGS) foi emitindo vários comunicados ao longo do dia sobre orientações relacionadas com o novo coronavírus. Mais tarde, passou a convocar conferências de Imprensa diárias sobre o assunto. "Houve um momento em que fazia sentido, nomeadamente em termos de números, quando estávamos todos confinados. Neste momento, acho que já não havia necessidade de manter este formato", diz Rita Araújo.
Nem sempre a mensagem foi clara e muitas das palavras da diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, foram alvo de críticas, envoltas numa névoa de entropia.
"Um dos problemas que têm surgido é a necessidade de haver comunicação a uma só voz, que diga sempre o mesmo, que seja coerente e transparente para ter a confiança do público nas mensagens oficiais, o que em diversos momentos não aconteceu", analisa a investigadora.
Além de apresentar os riscos, Rita Araújo, doutorada na área da literacia da saúde, defende que as autoridades como a OMS ou a DGS deveriam apresentar também as soluções. "Nestes processos de comunicação de risco, às vezes não basta expor preocupações, é preciso dizer: "Há este risco, e sabemos que o risco nunca é zero, mas há opções, por exemplo, pode sair e, em determinados momentos, deve usar máscara para minimizar o risco". É isso que as autoridades de saúde devem fazer".