A operação contra fake news
Ação mira grupo que tem espalhado fake news, mas condução do inquérito também tem problemas
by Ricardo CorrêaA operação desta quarta-feira (27), que mira deputados, blogueiros e empresários que têm se dedicado a um esquema de divulgação de fake news nas redes sociais e ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) é necessária, mas tem claros defeitos formais, o que é perigoso.
Antes de tratar do foco da operação em si, é preciso falar isso: um inquérito sigiloso proposto pelo próprio STF (de ofício), que o comanda sem a participação do Ministério Público Federal (MPF) e que visa apurar ataques contra o própria Corte não pode ser tido como algo normal.
Vivemos realmente tempos estranhos, como diria Marco Aurélio Mello, também integrante da Corte. Ainda que precisemos reconhecer que a iniciativa se dá pelo vácuo gerado pela falta de ação do MPF, comandado por Augusto Aras, procurador geral da República, que tem sido dócil com o Palácio do Planalto e seus aliados.
Mas, dito isso, também é importante enfatizar que as provas de que ao menos parte dos alvos da operação de hoje se esmeram na prática de espalhar fake news são claras. Allan Terça Livre, por exemplo, tem um site recheado delas. Inúmeras notícias checadas por agências independentes em seu portal se mostraram absolutamente falsas. Por causa disso, foi chamado a depor na CPI das Fake News, onde, entre deboches, protagonizou alguns momentos constrangedores e divulgou mais algumas mentiras, como um intercâmbio com Cuba por armas nucleares.
O inquérito apura o possível financiamento ilegal dessa fábrica de fake news, que custa caro e, além de portais aliados, usa também robôs nas redes sociais. Neste contexto se enquadra a busca contra Luciano Hang, dono da Havan. Ele já foi condenado pela Justiça por divulgação de fake news.
Há ainda suspeita de uso de dinheiro público, já que muitos dos divulgadores de informações falsas recebem recursos do governo por suas empresas ou por serem comissionados em gabinetes bolsonaristas. Indícios de corrupção, portanto, em alguns casos.
O fato é que, pelos problemas da forma e pela importância do conteúdo, a operação de hoje tende a gerar o mesmo debate da de ontem, contra o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Ainda que tenham temas completamente distintos, ambas recebem aplausos de um lado e críticas de outro. Quem ontem acusou uma interferência política na PF, hoje aplaude nas redes. Quem ontem comemorava, hoje diz que há perseguição política. Nos dois casos, porém, a PF só foi o meio. A decisão de ontem foi do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A de hoje, do Supremo Tribunal Federal (STF). Longe das narrativas, não podemos nos desviar dos fatos. São graves e demandam apuração rigorosa.