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O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos (C), acompanhado pelo ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno e pelo presidente da CP, Nuno Freitas (E), na assinatura do contrato de serviço público entre o Estado e a CP, na Estação do Rossio, em Lisboa, 28 de novembro de 2019. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

CP sem contrato com Estado só tem dinheiro até junho

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Tribunal de Contas devolveu contrato de serviço público pela segunda vez e empresa enfrenta problemas de liquidez. Governo garante salários.

Está cada vez mais difícil para a CP pagar as contas. Além da forte quebra no número de passageiros e das receitas devido à pandemia de covid-19, a companhia ferroviária ainda está à espera de receber a compensação anual pelo serviço público prestado. Esta demora agravou-se porque o Tribunal de Contas voltou a devolver ao Governo o contrato de serviço público assinado com a empresa.

A situação obriga a transportadora a procurar soluções de tesouraria imediatas para pagar despesas, mas o Governo garante que está a estudar soluções e que vai haver dinheiro para salários.

“O pagamento de salários da CP está acautelado”, responde ao Dinheiro Vivo fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e da Habitação. Reconhecendo o “impacto financeiro que a atual situação de pandemia provoca nas contas”, a transportadora ferroviária detalha que, em conjunto com o Governo, está a “tomar as medidas necessárias para garantir o pagamento de todos os compromissos, nomeadamente, salários dos trabalhadores e pagamentos a fornecedores”. O salário de maio foi pago e o mês de junho está garantido. Depois disso, nada é adiantado nem pela CP nem pelo Governo.

Como é uma empresa pública, a CP só tem duas formas de receber uma injeção de capital: ou recebe uma indemnização compensatória extraordinária – como acontecia até 2014 – ou então tem de contrair um empréstimo junto do Tesouro. A indemnização compensatória é a melhor solução para a empresa porque não tem de devolver a verba recebida, ao contrário do que aconteceria num empréstimo. A última palavra é de Mário Centeno, que tutela a empresa em conjunto com Pedro Nuno Santos.

Desde meados de março, as receitas de tráfego da transportadora estão abaixo dos gastos com pessoal. Em maio, apesar de ter havido alguma retoma, a procura continua em menos de metade dos níveis habituais, sobretudo nos comboios de longo curso. Desde o período do estado de emergência, a oferta de Alfa Pendular e de Intercidades foi reduzida em mais de 50% porque não há passageiros suficientes para ocupar os comboios.

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A comissão de trabalhadores da empresa defende uma injeção de capital no âmbito do Orçamento retificativo, que será apresentado em junho. “O serviço foi prestado muito além da receita recolhida. Não nos oferece a menor dúvida que o Governo, nomeadamente através da inserção de uma verba extraordinária num eventual Orçamento retificativo, terá que suportar o défice causado por esta situação”.

Os representantes dos funcionários lembram ainda que a CP “continuou, ainda que a um ritmo inferior (dispensou trabalhadores de risco e dividiu as equipas das oficinas para protcção da saúde) a manter, reparar, e repor ao serviço o material circulante”.

Contrato adiado

Apesar do contexto da covid-19, desde o início deste ano que já deveria ter entrado em vigor o contrato de serviço público da CP. Este documento é crucial para a estabilidade financeira da empresa: nos próximos 10 anos, garante que a companhia recebe 90 milhões de euros para compensar o serviço público prestado em todos os comboios, exceto no Alfa Pendular. Só que o documento tem viajado entre o Tribunal de Contas e os ministérios das Finanças e das Infraestruturas e da Habitação sem destino à vista.

A 14 de maio, o Tribunal de Contas devolveu o documento pela segunda vez ao Governo para mais esclarecimentos, reconheceu ao Dinheiro Vivo fonte oficial da entidade liderada por Vítor Caldeira. 20 dias antes, a 24 de abril, o mesmo contrato tinha chegado ao departamento de fiscalização prévia daquele tribunal, depois da primeira devolução ao Governo, em dezembro do ano passado.

De acordo com a legislação em vigor, o Tribunal de Contas dispõe de 30 dias úteis para se pronunciar sobre um processo de visto. Se este tribunal devolver o processo para pedir mais elementos ou esclarecimentos, a contagem do prazo é interrompida e apenas é retomada quando chega a resposta da empresa visada. Ou seja, para a terceira avaliação ao documento, restam apenas cinco dias úteis: no final do ano passado, foram utilizados cerca de 10 dias úteis; na segunda análise, passaram 15 dias.

Depois disso, há três cenários: o contrato pode ser novamente devolvido para pedir mais esclarecimentos ou elementos em falta; pode obter um visto tácito (visto administrativo) se o Tribunal de Contas não se pronunciar; ou então pode ser visado após a análise do documento.

O primeiro contrato de serviço público da história da CP é um ajuste direto e vai ter a duração de 10 anos – entre 2020 e 2030 – com a opção de prolongamento por mais cinco anos, se for necessário amortizar investimentos.

A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) ficará encarregue de fiscalizar se a CP cumpre ou não o contrato, mediante as métricas de regularidade, pontualidade e conforto indicadas no documento. Só que “a atuação está condicionada, como é natural, à entrada em vigor do contrato”. Ou seja, atualmente a empresa ferroviária pode não cumprir estes critérios que não será multada.