Ser Esperança: o desafio da médica recém-formada

Luiz Henrique Gomes
Repórter

Em duas semanas, a vida de Luana Barreto mudou totalmente. De estudante de Medicina passou a médica da linha de frente no combate ao novo coronavírus, saiu da casa dos pais para mantê-los em segurança e, no primeiro plantão, 12 horas depois de obter o registro profissional, atendeu cerca de 20 pacientes na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Nova Esperança, em Parnamirim. A maioria deles com sintomas de Covid-19. Alguns, em estado grave. Em meio à atual pandemia, a médica recém-formada adiantou os passos e se assemelha a uma profissional experiente e, internamente, amadureceu numa rapidez como nunca havia acontecido durante os 26 anos de vida.

Créditos: Cedida/Arquivo PessoalMédica Luana Barreto, formada pela UnP, atuando na linha de frente no combate à Covid-19

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Luana é uma das centenas de profissionais de saúde que adiantaram a formação para poder atuar na linha de frente do combate ao novo coronavírus no Rio Grande do Norte. A turma dela se formou há duas semanas, no dia 13 de maio, e no mesmo dia ela conseguiu obter o registro profissional. Na sede do Conselho Regional de Medicina, onde foi buscar o documento, encontrou um médico conhecido e soube que ele estava à procura de alguém para substituí-lo no plantão à noite. Com a experiência de estágio em UPA, Luana aceitou o desafio, e também desejo pessoal, de dar plantão no primeiro dia como médica para provar a si que estava preparada.

À noite, chegou à UPA Nova Esperança, em Parnamirim, onde já havia atuado como estagiária, e se assustou com o fluxo intenso de pacientes suspeitos de Covid-19. Foram aproximadamente 20 atendimentos naquele plantão, um fluxo esperado para a unidade, mas praticamente todos se queixavam dos mesmos sintomas: a tosse intensa e febre. A rotina se manteve semelhante nos dias seguintes, exceto pelo fato do número de pacientes ter aumentado.

Ao telefone, Luana é questionada sobre quantos pacientes ela atendeu no último plantão, dado nesta terça-feira, 25. “Não sei dizer, foram muitos”, respondeu. Após alguns minutos, ela estimou que chegou perto de atender 100 pacientes. “Eu não sei o número preciso, mas eu acho que chegamos a atender mais de 200 pacientes em 12 horas, eu e uma outra médica. A terceira médica da unidade estava na sala vermelha e apenas nós duas estávamos na porta de entrada. Não chegamos a atender 100 pacientes cada uma porque alguns ficaram para os plantonistas da noite”, relembrou.

Além da UPA Nova Esperança, a médica também atua em outras duas unidades, em São José do Mipibu e Pirangi, e em breve vai começar a atuar na UPA Potengi, zona Norte de Natal. “Sendo bem sincera, é muito difícil. Esse momento de início de trabalho como médico, nós sempre escutamos dos nossos colegas, que é difícil. Mas, na situação em que nos encontramos, estamos atendendo muitos pacientes. O tempo inteiro com uma doença que não temos muita noção de como conduzir, seguindo protocolos que se atualizam quase diariamente”, afirmou Luana Barreto.

A sobrecarga de trabalho se soma às mudanças pessoais, como a saída de casa para evitar o contato com os pais - Luana participou de procedimentos de intubação, mais arriscados para os profissionais por gerar aerossol (partículas que ficam no ar). Ela alugou um imóvel para ficar durante a pandemia e desde que começou a atuar viu os pais duas vezes, com certa distância e uso da máscara.

Isolada dos parentes mais próximos e também dos amigos, Luana começou a se agarrar, sem perceber, às lembranças com eles para enfrentar os momentos mais exaustivos da pandemia. Aos poucos, percebeu que eles constituíam “o que é verdadeiramente importante para mim”. “Todas as mudanças me mostraram como a vida pode mudar numa velocidade muito rápida, o quanto a gente é obrigado a crescer e a tomar decisões difíceis sem muito tempo para isso. Tudo muda muito rápido. Dentro de você, você percebe o que é verdadeiramente importante, o que você sente falta no dia a dia”, contou.

A companhia virtual dos parentes e amigos ajudam Luana a cumprir integralmente a responsabilidade de ser médica durante a maior pandemia dos últimos 100 anos, que já vitimou mais de duas centenas de pessoas em dois meses no Rio Grande do Norte, com o peso de ser recém-formada - “uma decisão de muito orgulho de todos da nossa turma” -, lidar com as limitações do serviço público (a médica conta, por exemplo, que algumas levas de equipamentos de proteção individual distribuídos não são de boa qualidade) e lidar com centenas de pessoas. Nesta hora, repetiu como um mantra durante a entrevista, “eu lembro de conversas que tive com médicos que estiveram durante toda formação da minha turma, e que eu considero verdadeiros mestres, de que vai passar.”