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Ramadão. As novidades em 30 dias

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Análise do arabista Raúl M. Braga Pires sobre o mundo árabe em final de Ramadão.

No fim-de-semana celebrou-se o Fim do Ramadão do Ano 1441 da Hégira. Sábado para quem segue a "Lua Saudita" e domingo para quem segue as "Luas Regionais". Houve tempos em que também houve a "Lua de Kadhafi". Sim, as "nacionalizações do Islão" também passam por aqui!

Período este ano marcado pelo confinamento, enquanto o Mundo não parava. De salientar a Arábia Saudita, que fez um "dois em um" logo nos primeiros dias de jejum aprovando uma lei que proíbe as Condenações à morte de menores e a flagelação como forma de punição, para todas as idades e géneros. A flagelação, enquanto pena, passa assim a ser substituída por pena de prisão, multa ou ambas. Bravo Arábia Saudita!

Também na senda da reivindicação de Direitos Humanos, o MALI, acrónimo do Mouvement pour les LibertésIndividuelles, aproveitou este período de Jejum para, em Marrocos fazer Campanha contra o Artigo 222º do Código Penal, o qual criminaliza a homossexualidade. Sobre Marrocos, parece-me conveniente também enquadrar este dado num caminho que começou a ser arrepiado durante o período da Primavera Árabe. Findo este período, em 2014, todas as associações humanitárias que se enquadraram debaixo do grande "chapéu-de-chuva" que foi a AssociationMarocaine des Droits de l"Hommme(AMDH), desde essa data e findo esse período, procuraram "balões de oxigénio" que lhes permitissem perdurar a visibilidade e as causas para que foram constituídas. Nesse sentido, pressionaram e conseguiram uma emenda ao suspeito Artigo 475º do Código Penal, que permitia ilibar o Violadorcaso este concordasse casar com a vitima, independentemente da vontade desta. O Regime, sentindo ainda o Momento e a pressão das Associações Humanitárias e da Sociedade Civil, foi célere e no mesmo ano corrigiu este Artigo, expurgando-lhe este conteúdo.

É no seguimento desta vitória que agora o MALI, aproveitando este período que também puxa mais à reflexão, iniciou uma Campanha pela despenalização do Artigo 222º, o qual criminaliza os homossexuais. Imagino que o passo seguinte seja uma Campanha/Luta contra o Artigo 490º, que criminaliza a prostituição. Homossexuais e prostitutas não podem ser considerados criminosos, nem terem o mesmo tratamento nos Tribunais que estes. É uma questão de Direitos Humanos e de coerência, para um país que beneficia do chamado "Estatuto Avançado" com a União Europeia, já que o "deal" implica taxas aduaneiras preferenciais, em troca de Reformas Políticas, o que tem acontecido ao ritmo magrebino. Bravo Marrocos!

Ainda no Magrebe, assinalar que na Argélia, também ao nível da Sociedade Civil, houve uma mobilização massiva em protesto contra um programa televisivo que todos os anos, por alturas do Ramadão, promove a "mulher objecto", ao colocar Apresentador e Convidado à conversa num Estúdio de Televisão, com uma ou duas, ou três câmaras escondidas. A amena cavaqueira com o Convidado, em moldes de preparação do programa a filmar mais tarde, pretende coloca-lo mais à vontade e descontraído para o que vem a seguir. Uma "mulher-oferta", já que o Apresentador o apresenta a uma voluntária que se dispõe a casar com o Convidado que, de olhos esbugalhados, não acredita no que lhe está a acontecer, tendo também direito a um "pense bem, se esta não lhe agradar, tenho ali atrás mais à escolha!" Este programa, de nome "Meu Marido e Eu" foi banido. Bravo Argélia!

Idiossincrasias à parte, verdadeiramente importante para o Magrebe e para o Mediterrâneo, foi o que aconteceu há uma semana na Líbia. O Marechal Haftar, Comandante do Exército Nacional Líbio (LNA, no acrónimo inglês), o qual tenta a partir de Tobruk/Cirenaica tomar a Capital Trípoli, sofreu um revés militar que coloca em causa a liderança daquele que era percepcionado no Ocidente como "O Salvador". O Governo de Acordo Nacional (GNA, no acrónimo inglês) e reconhecido Governo Legítimo pela Comunidade Internacional, tomou a Base Aérea de Al- Watiya, uns 130 Km a sudoeste da Capital e Quartel-General do Exército do Marechal. O que é que esta vitória significa para o GNA?

Significa que a partir de agora, os turcos passam a ter a possibilidade de terem um aeroporto permanente e fixo em território líbio, o que já fez levantar o tom do Presidente do Egipto e o envio de caças-bombardeiros russos, da Síria para Tobruk, em apoio ao Marechal Haftar.

Significa também, pelas movimentações diplomáticas que entretanto aconteceram durante esta última semana de Ramadão, que o Marechal mais parece estar a prazo, já que egípcios e russos vão apostar no Plano B que ambos tinham "na manga", que contempla o assumir das crescentes divisões no seio do LNA e apostarem no "cavalo seguinte", de nome Aguila Saleh, o Presidente do "Parlamento de Tobruk", a "eminência parda" do Parlamento de Trípoli.

Significa ainda e também, que nesta mais que provável espiral de tensões e de endurecimento do discurso, se passe das palavras aos actos e que já esta semana a Guerra da Líbia passe de uma guerra entre facções internas a mais uma Guerra Proxy, às portas da Europa, com GNA/Turquia/Tunísia de um lado e LNA/Egipto/Rússia/Emirados Árabes Unidos de outro, sendo também de salientar o silêncio da França neste tabuleiro. Não porque esteja desatenta e/ou concentrada no Covid e na Economia, mas certamente porque o jogo duplo, até ao momento lhe convém. Ramadan Moubarak a Todos/as!

Politólogo/Arabista

www.maghreb/machrek

O Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.