Misturar terror com crítica social se tornou a receita do sucesso de Hollywood!
by Renato MarafonEm determinadas cenas de ‘O Homem Invisível’, Cecilia Kass (Elisabeth Moss) simplesmente sabe que há mais alguém com ela dentro de casa. Ela não consegue ver outra pessoa, mas sente a presença incômoda. Aterrorizada, procura na sala, na cozinha e no banheiro, com medo de virar a esquina e dar de cara com o seu perseguidor, mas sem outra opção senão tentar encontrá-lo. Apesar de sentir ali outro coração pulsante, nada. Ela não vê ninguém, e eventualmente passa a ter a sanidade questionada. Enquanto a ameaça segue solta e à espreita, seu perseguidor vai ganhando mais coragem à medida que se salva mais e mais de ser descoberto.
Agora, pare e pense em termos práticos: Cecilia tem certeza que está sendo perseguida, mas é constantemente desacreditada. Ela anda no escuro procurando seu stalker e fugindo dele ao mesmo tempo. Eventualmente, passa a sofrer as consequências por tanto querer incriminar o vilão. Se essas situações fazem lembrar uma mulher que denuncia assédio e não é levada a sério, ou alguém voltando para casa tarde da noite com medo em uma rua deserta, talvez essas comparações não sejam mera coincidência.
Mais do que sabiamente beber da fonte do movimento #MeToo e fazer de si uma história com temas atualizados sobre gaslighting, ‘O Homem Invisível’ se põe no centro de um tipo de terror social ao conectar a história com a vigilância constante dos tempos modernos. Câmeras por todos os lugares acabam se transformando em artifício de chantagem nas mãos do vilão, e isso também não é muito distante daquilo a que todos estamos sujeitos. Enquanto supostamente por proteção, estes são artifícios que na prática muito servem também para coleta de dados e inteligência que podem ser usados para qualquer propósito, contra ou a favor do interesse público. Se você pensou no tanto de informação que seu smartphone e as redes sociais também reúnem sobre você, o caminho é exatamente este.
O êxito de ‘O Homem Invisível’ ao tratar temas tão universais no meio de uma história igualmente universal (H.G. Wells escreveu a obra há mais de 120 anos, afinal) se dá principalmente pela inventividade em termos cinematográficos. Seja na câmera subjetiva que deixa clara a presença física do vilão sem precisar se ater a artifícios simplistas de movimento, na decisão de mostrar o mínimo possível a face de Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen) ou na escolha de se ater à palavra de Cecilia sobre o relacionamento abusivo sem jamais precisar mostrar o que de fato ocorreu entre o ex-casal, o filme do australiano Leigh Whallenn busca o tempo todo fazer a presença física de todos esses elementos ser sentida para que ele não precise dizê-la.
Aproveite para assistir:
Na prática, isso funciona da seguinte forma: o histórico de abuso sofrido pela protagonista não precisa ser esfregado na cara do espectador. Basta que Cecilia conte que passou por este trauma, e sua palavra e suas ações devem ser suficientes para que acreditemos nela. Desta forma, o contraponto é justamente o fato de, na história, seu principal objetivo ser o de provar que está dizendo a verdade sobre ser perseguida pelo mesmo abusador.
Por isso, antes de se transformar em um thriller de ação sujeito a obviedades no ato final, ‘O Homem Invisível’ faz as argumentações ideais para como atualizar uma história de monstros aproveitando os novos recursos e narrativas disponíveis, mas mantendo o que é essencial e enraizado nesta trama. No limiar entre ser uma história sobre relações abusivas e um terror de monstros extremamente ligado a um medo palpável, o longa mantém a ideia da ameaça ser um monstro físico, algo que está em seu DNA, ao mesmo tempo em que traz um tema extremamente pertinente para as discussões atuais. O fato de o vilão, um abusador, ser neste caso alguém que literalmente não podemos enxergar, só torna toda a atualização ainda mais pungente: não existe aquela história de que às vezes o inimigo está do lado e não sabemos?
Não deixe de assistir:
SE INSCREVA NO NOSSO CANAL DO YOUTUBE