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João Pedro, morto em operação em São Gonçalo Foto: Reprodução/TV Globo Foto: Reprodução / Agência O Globo

Defensoria Pública pede que caso João Pedro seja investigado por órgão independente

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O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Estado pede que a investigação da morte do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, assassinado na última segunda-feira, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, durante uma operação conjunta entre as polícias Civil e Federal, seja apurada por um órgão independente que não seja a Polícia Civil.

Para os defensores, a Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI) não teria imparcialidade, já que a especializada vai investigar os próprios colegas – da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) – que estavam na ação. Por conta disso, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), ligado ao Ministério Público do Estado, instaurou um inquérito independente para apurar o que aconteceu no dia em que o adolescente foi alvejado. Ainda nesta semana, o Gaesp irá colher o depoimento de testemunhas do caso, entre eles os dos pais da vítima.

Na Polícia Civil, internamente, os investigadores já trabalham com a possibilidade de o disparo de um fuzil 5,56 – que atingiu João Pedro – possa ter partido da arma de um dos policiais civis da Core. Na investigação interna o que ocorreu "teria sido uma fatalidade".

Segundo peritos que estiveram na casa da família de João Pedro, a bala — que entrou pela altura do estômago, na barriga, perfurou o pulmão do menino e ficou alojada na escápula, osso perto do ombro – pode ter batido em algum obstáculo, como uma das paredes da casa, antes de atingir o garoto. A conclusão parcial se deve ao motivo da bala não ter transfixado o corpo do menino. Essa informação consta no laudo preliminar da investigação. Na residência onde jovem morreu a perícia encontrou 72 marcas de tiros.

Em entrevista ao Fantástico, da “TV Globo”, a defensora pública Lívia Casseres criticou a ação das duas polícias e disse que a operação poderia ter acabado em uma chacina.

— A gente não consegue entender por que esses meninos não foram avisados: "olha, a casa está cercada saiam com as mãos para o alto". Eles não tiveram essa chance. A casa foi fuzilada. A operação poderia ter sido uma chacina — contou a defensora, que atua no Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos.

A defensora acreita que a Delegacia de Homicídios não será capaz de apurar a morte do menino com imparcialidade, já que agentes da Polícia Civil podem ser responsáveis pelo disparo do tiro que matou João Pedro. Por isso, a Defensoria Pública do Estado quer que o Ministério Público assuma o caso.

— A Polícia Civil não terá a mínima condição de imparcialidade para conduzir a apuração do homicídio do João Pedro, algo que o Ministério Público tem, para que sejam ouvidas todas as versões dessa história — enfatizou.

No começo da tarde desta segunda-feira, ao EXTRA, o subcoordenador do (Nudedh), o defensor Daniel Lozoya afirmou que é preciso ter uma investigação autônoma em casos que existem mortes em decorrência de ação policial.

— É preciso e deve ser delegado (a investigação) a um órgão alheio, como a autoridade judicial ou o Ministério Público. Analisando um padrão histórico da violência no Brasil, muitas delas envolvendo agentes do estado, essa é uma medida para reforçar a imparcialidade. Não se trata de desconfiar ou não (da Polícia Civil), mas nesses casos poderá haver um comprometimento das investigações — destacou.

Assim como sua colega, Lozoya criticou o uso desproporcional da força utilizado pelos policiais na ação.

— Essa quantidade de marcas de tiros denota indicativo de um uso excessivo da força por parte da polícia. Os jovens (sobreviventes) apresentavam ferimentos de pólvoras e outras lesões. Se essa quantidade de tiros tiver sido disparada pela polícia, é forte indício de desproporcionalidade policial — explicou.

Para o subcoordenador, a responsabilidade pela morte de João é do estado do Rio e da União. Ainda segundo o defensor, nesta semana os pais e os primos de João Pedro deverão prestar depoimento ao Ministério Público.

— Estamos ajustando os depoimentos que deverão acontecer nesta semana. Como têm menores, temos que tomar cuidado com o tramite — destacou.

Operação conjunta

De acordo com o Ministério Público, a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de São Gonçalo pediu que o Gaesp apurasse a operação da última segunda e tomasse as medidas cabíveis.

— O Gaesp já entrou em contato com o titular da Delegacia de Homicídios de Niterói informando que irá acompanhar o andamento do caso e com o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio, que assiste a família da vítima. Com a formalização do pedido de auxílio, será instaurado um Procedimento de Investigação Criminal (PIC) para apuração independente e autônoma do fato — destacou a promotora Andréa Amin, coordenadora do Gaesp.

O subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos, Ricardo Ribeiro Martins afirmou que, independentemente da apuração de responsabilidades, toda operação policial de combate ao crime que resulta na morte de uma criança ou adolescente dentro de sua própria casa deve ser considerada um fracasso.

— O combate à criminalidade não pode justificar a morte de inocentes. Por mais legítima que a ação repressiva estatal possa ser, este tipo de efeito colateral não pode ser tolerado. Quando a ação para prender criminosos tem como resultado a morte de inocentes, dentro de suas próprias residências, a política de combate ao crime deve ser imediatamente repensada — salientou.

Investigação

Procurada, secretaria de Polícia Civil informou que os policiais que participaram da operação estão afastados do serviço operacional "provisoriamente". A nota afirma ainda que estão previstos novos depoimentos para essa semana convidou o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, que está assistindo a família, e o Ministério Público para acompanharem a reprodução simulada, que ainda será marcada. A seguir a nota:

A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) já ouviu seis policiais civis que participaram da ação, os pilotos da aeronave, além de duas testemunhas, e oficiou a Polícia Federal para prestar informações sobre o planejamento operacional e os objetivos da operação. Para essa semana, estão previstos os depoimentos do bombeiro socorrista, de outros policiais que participaram da operação, dos familiares da vítima, além de outras testemunhas.

Os agentes analisam os laudos de perícia do local e de necropsia e aguardam o de confronto balístico. Uma reprodução simulada está prevista para ser realizada após a conclusão dos depoimentos e laudos periciais. A delegacia convidou o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, que está assistindo a família, e o Ministério Público para acompanharem a reprodução simulada.

A Corregedoria Geral de Polícia Civil (CGPOL) informa que três policiais civis da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) que participaram da operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, foram afastados do serviço operacional provisoriamente. Os agentes continuarão na CORE, exercendo atividades administrativas. A CGPOL instaurou sindicância administrativa disciplinar para apurar a conduta dos policiais civis que participaram da ação.

Na manhã desta segunda-feira, O GLOBO conversou com investigadores que estão à frente do caso. Os policiais foram unânimes ao dizer que “não haverá corporativismo” na apuração da morte.

— Temos técnica e perícia (para investigar qualquer caso). Não existe corporativismo em nenhuma investigação e não vamos encobrir nada. Até mesmo pela transparência (da Polícia Civil) — disse um investigador que participa da apuração do caso na condição de anonimato.

Novo depoimento

Na manhã desta segunda-feira, o médico socorrista do Corpo de Bombeiros — responsável pelo atendimento de João Pedro no Grupamento de Operações Aéreas (GOA), que fica na Lagoa Rodrigo de Freitas, prestou depoimento à DHNSGI.

O objetivo era saber como ocorreu o atendimento e se havia condições de levá-lo para um hospital próximo. A Polícia Civil já sabe que os agentes deixaram o menino no local pouco depois das 15h da última segunda e que só 15 minutos depois o adolescente foi atendido pelo médico.

Até agora, seis pessoas – entre elas três agentes da Core – já prestaram esclarecimentos na especializada.