'História da Alimentação no Brasil' é agradável e, sobretudo, importante

Série traz sabores tão inesperados quanto a informação de que o acarajé baiano é uma adaptação do falafel

História da Alimentação no Brasil

“História da Alimentação no Brasil” não é exatamente uma série sobre culinária brasileira. Para chegar a ela, o diretor e produtor Eugênio Puppo tomou como base a obra pioneira (e clássica) de Luís da Câmara Cascudo, um calhamaço de 900 páginas publicado nos anos 1960.

O primeiro problema com relação a Cascudo é como se referir a ele. Foi antropólogo, folclorista, sociólogo? Tudo isso. Essencialmente, como os intelectuais de sua geração, foi um pesquisador, alguém que procurava descobrir quem somos nós, brasileiros, afinal. E, como decorrência, o que constitui a nossa cultura, o que nos faz originais.

Ainda que siga com fidelidade o livro original, capítulo a capítulo, e tenha o autor como centro narrativo, a série não se reduz a mera ilustração do texto. E isso faz grande parte de seu interesse. O diretor trouxe a dicção de Cascudo, mas acrescentou a ela os encantos da imagem, que nos chegam seja através de filhas do pesquisador, de sociólogos e historiadores, de chefs de cozinha que andam pelo país em busca de pratos e temperos originais.

O que traz o maior frescor à série, no entanto, não é isso, nem mesmo as incursões a Portugal, nada. É a formidável pesquisa de imagens, que nos conduz ao longo dessa história. Assim, não nos basta conhecer a importância da mandioca, nem o tipo de utilização que lhe era dada pelos índios, sobretudo os da região litorânea.

Os filmes nos levam a seus rituais, a suas vestimentas (ou não), a seu sorriso receptivo. Nos levam daí aos ditos pesquisadores e chefs de cozinha, que andam por essas paragens (reservas indígenas) e de lá trazem ideias, ervas, usos para tal ou tal material etc.

E, com isso, o filme nos leva à primeira matriz cultural brasileira, a única realmente nativa, e aos seus alimentos básicos, a mandioca e o milho (este último prioritariamente nas regiões de interior).

Todas as outras matrizes nos conduzem para fora de nosso território. Da África, sobre a qual nos informa, na série, o ex-embaixador Alberto da Costa e Silva, de onde vieram, segundo contas recentes, 4 milhões de escravos, que trouxeram a nós hábitos alimentares, mas não só –com eles vieram religiões, batuques, estética. Mas não a feijoada, ao contrário da mitologia. Vieram os cantos do trabalho filmados originalmente por Humberto Mauro e aqui retomados em alguns belos momentos.

Nesse sentido, a série nos aproxima das ideias de Luiz Felipe de Alencastro, para quem somos muito mais próximos da África do que da Europa, como nos foi ensinado.

A terceira matriz é, esta sim europeia –Portugal. Mas quem diz Portugal diz uma série de outras coisas junto –Índia, condimentos, sabores tão inesperados quanto a informação que recebemos, a horas tantas, de que o acarajé baiano nada mais é do que uma adaptação do falafel, que os muçulmanos invasores legaram aos portugueses ao abandonar o país.

As informações que circulam por esta série, de acadêmicos, cozinheiros, testemunhas, são atravessadas tanto pela palavra de Cascudo, na narração, como pelas imagens que podem nos levar do Alentejo aos nhambiquaras, de Cabral a dom João 6º.

Do salgado ao doce, dos temperos às aguardentes, a “História da Alimentação no Brasil” é uma visita instrutiva e prazerosa às múltiplas e ricas fontes que constituem nossos hábitos alimentares, e, através deles, as culturas que constituem o Brasil. Ou para resumir, esta pode ser uma série muito agradável, ainda assim é mais importante do que agradável.