Sem turistas, moradores de destinos populares reconquistam suas cidades

Falta de visitantes por causa da pandemia deixa pontos turísticos vazios, mas tem impacto econômico

Enquanto Laia fotografa a vista de Barcelona, sua filha anda de patinete com um amigo no amplo mirante do parque Guell, um dos lugares mais turísticos da cidade, que agora está para uso exclusivo dos seus vizinhos.

Em Dubrovnik, Mladen Kriz sonha em finalmente poder nadar neste verão nas praias dessa cidade croata, e Fabiana Pavel saboreia a estranha tranquilidade no central e agitado Bairro Alto, em Lisboa.

Apesar das consequências econômicas terríveis da pandemia, o confinamento deu um respiro para os moradores de alguns destinos europeus que sofriam com os efeitos colaterais da sua popularidade, como a saturação das ruas e os preços exorbitantes.

“Brinquei nesse parque durante toda a minha infância, mas nunca vinha aqui com a minha filha porque era impossível fazer qualquer coisa, tinha gente demais”, explica Laia Torra, 39, professora de educação física.

Acompanhada por uma amiga e o filho dela, tem à sua disposição um dos lugares mais cobiçados do parque projetado pelo arquiteto modernista Antoni Gaudí: um longo banco ondulado, decorado com um mosaico colorido, e com uma vista panorâmica da cidade, com o mar no horizonte.

Mesmo morando perto do parque, elas sempre evitavam o lugar, cheio de visitantes buscando o melhor ângulo para obter uma das fotos obrigatórias de qualquer viagem para Barcelona.

“É maravilhoso, é como voltar 20 anos no tempo. Sabemos que é temporário, mas temos que aproveitar”, comemora Laia, enquanto tenta, sem sucesso, convencer sua filha a tirar uma foto com ela.

Viver sem turistas?

O antigo bairro pescador de Barceloneta, que nos últimos verões foi cenário de protestos contra as festas e a falta de civilidade de alguns turistas, agora sofre um outro tipo de invasão.

Sua praia, a mais popular de Barcelona, geralmente ocupada por banhistas e vendedores ambulantes, se transforma a cada manhã em uma grande academia ao ar livre, onde os barceloneses vão correr, nadar ou passear.

“Normalmente não venho nessas praias [...] agora dá mais gosto. Além disso, a água está mais limpa”, disse a psicóloga Emma Prades, 43.

As praias de Dubrovnik, a “pérola do Adriático”, também estavam quase fechadas para os seus 42 mil moradores, que buscavam refúgio nos penhascos e nas ilhas que rodeiam essa cidade amuralhada onde foi filmada parte da série “Game of Thrones”.

“Estamos podendo relaxar um pouco nesses dois, quase três meses”, explica o técnico de telecomunicações Mladen Kriz, 43.

“E neste verão poderemos nadar em paz na cidade. Mas, ao mesmo tempo, sem turistas está um pouco vazio, e muita gente vive do turismo aqui. Como vamos viver se não tivermos turistas?”, se pergunta este pai de dois filhos, cuja mulher é guia de turismo.

Embora possa ser irritante, o turismo é um pilar econômico desses destinos, que enfrentam agora uma conta cara.

“Não tem nada de bom em tudo isso”, disse Paulo da Silva, 45, que trabalha na Alfama, um bairro humilde de Lisboa, cujos becos sinuosos e íngremes encantam os turistas.

“Os estrangeiros tinham dado uma vida nova para o bairro e agora tudo pode afundar de uma hora para a outra”, afirma.

Sem turismo, “um deserto”

No centro da capital portuguesa, a arquiteta italiana Fabiana Pavel, que milita contra a massificação turística, aproveita a tranquilidade do seu Bairro Alto, conhecido pela vida noturna e casas de fado.

“Sentiremos falta dessa época. Não sou contra o turismo, mas contra os seus excessos. Esta crise é a prova do perigo que é apostar tudo em uma só indústria”, afirma.

Em Veneza, paradigma do destino devorado pelo turismo, moradores, comerciantes e hoteleiros querem aproveitar esta dura crise para apostar na qualidade e não na quantidade de visitantes —são 30 milhões por ano na cidade dos canais.

Muitos chegam em cruzeiros, passam algumas horas na cidade com uma mochila nas costas e uma garrafa de água nas mãos e depois vão embora, em um modelo que os italianos chamam de “mordi e fuggi” (morder e correr).

“Passamos anos advertindo que isso poderia explodir”, afirma o educador social Martí Cuso, 30, que denuncia há anos a invasão turística no centro de Barcelona e a expulsão da população local.

Agora, enquanto outros distritos recuperam seus batimentos cardíacos com a abertura de pequenos comércios, seu bairro Gótico e a emblemática Rambla são uma sucessão de portas fechadas.

“Agora, infelizmente, se pode ver as consequências: o monocultivo turístico gerou um deserto”, lamenta.