“Vídeo não prova o que Moro prometeu, mas tem coisa pior: está repleto de crimes de responsabilidade”, diz advogado
by Diario do Centro do MundoPublicado no Nocaute
A pedido do Nocaute o criminalista Fábio Tofic Simantob reviu o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. Segundo ele, Moro não consegue provar a acusação que faz a Bolsonaro, mas isso se torna irrelevante diante da abundância de crimes de responsabilidade “que avultam” no decorrer do vídeo. Veja o vídeo e leia a transcrição.
“Esse vídeo que veio à tona na sexta-feira, de uma reunião ministerial do dia 22 de abril, ele suscita algumas dúvidas e algumas indagações. Tanto do ponto de vista político como do ponto de vista técnico-jurídico. É importante lembrar que ele foi solicitado, a vinda desse vídeo pros autos do inquérito policial foi determinada pelo ministro Celso de Mello. E foi determinada nos autos de um inquérito que apura crimes de várias naturezas, de prevaricação, obstrução de justiça, até corrupção, cuja prática foi aventada quando do discurso de despedida do ministro Moro, quando ele disse que o Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal.
E basicamente o que esse inquérito quer saber é se de fato o presidente quis interferir na Polícia Federal, mas mais do que isso, saber os motivos pelos quais ele quis interferir na Polícia Federal.
E aí a gente precisa separar um pouco o terreno da convicção íntima nossa, de cidadão, nas opiniões e nos palpites, daquilo que é necessário pra condenar ou até processar criminalmente alguém na esfera penal.
É óbvio que do ponto de vista íntimo nosso, parece claro que o presidente quer controlar a Polícia Federal, seja para que ela corra atrás de culpados à escolha do presidente, no caso da facada que ele sofreu, seja pra frear investigações policiais, quando ele está do lado oposto. Quando ele ou os familiares dele estão na situação de investigados.
Esse é o senso comum, que emana claro quando se verifica a postura do presidente, quando ele reclama que a família é perseguida, quando ele reclama que precisa proteger, enfim, isso parece claro.
Agora, isso não é suficiente, esse nosso senso comum, pra condenar alguém ou para afirmar que houve a prática de um crime comum. De prevaricação, de obstrução à justiça.
E me parece que o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril não comprova que o presidente Bolsonaro quis interferir em investigações criminais conduzidas pela Polícia Federal. Isso não prova. Prova que ele queria interferir na Polícia Federal, mas interferir na Polícia Federal ele pode. Ele pode interferir, questionar a nomeação deste ou daquele, querer trocar, isso é papel do presidente da República, e nós não podemos subverter a lógica e a ordem jurídica pra satisfazer as nossas vontades ou as nossas simpatias ou antipatias com o presidente da República.
Portanto, é importante verificar que o vídeo não traz a prova que o Moro prometia.
Vale lembrar aqui que o ministro Moro, como juiz, nunca foi alguém com um entendimento muito ortodoxo a respeito do que é uma prova, não é? Então nós precisamos olhar com redobrada cautela quando ele invoca ali haver uma prova triunfal, uma prova definitiva de que o presidente cometeu um crime.
Agora, esses crimes – se ele quis interferir na Polícia Federal, se ele não quis – isso acaba tendo uma relevância menor perto dos crimes de responsabilidade cuja ocorrência avulta, e já não se pode fechar os olhos para a sua ocorrência.
A falta de decoro, a ameaça às instituições, a ameaça a membros de outros poderes, o próprio comportamento omissivo do presidente da República numa reunião ministerial, num momento solene em que ele ouve de um ministro que ministros do Supremo são vagabundos e que deveriam ser presos – e não há nenhuma menção negativa, nenhuma censura. Por parte de ninguém ali. E frise-se, nem do ministro Sérgio Moro, presente na reunião naquele momento.
O ministro Moro, com a régua da Lava Jato, diria que todos ali estariam responsabilizados pela omissão. Como diversas vezes ele defendeu em sentenças, de pessoas que não tomaram providências ao tomar conhecimento de crimes. E aquilo não foi veiculado jamais pelo ministro Moro. Nem no seu discurso de despedida, nem no seu depoimento na Polícia Federal.
Então são coisas graves, coisas que mostram que este governo tem um apreço muito pequeno pelas instituições democráticas. Em diversas passagens desse vídeo, o que o presidente diz são flertes com o autoritarismo, flertes do induzimento dos seus apoiadores à prática de crimes, quando ele fala em armar a população.
São diversas questões que justificam, já de sobra, imputar-lhe um crime de responsabilidade. É claro que um crime de responsabilidade é um crime que é tratado num ambiente político. O crime de responsabilidade enseja no máximo um processo de impeachment. Ele se esgota num processo de impeachment. A menos que ele também configure outro crime, mas ele é essencialmente um crime político. E cabe, portanto, à Câmara dos Deputados abrir esse processo e o julgamento é feito no Senado Federal. Portanto, trata-se de um julgamento feito cem por cento dentro da seara política, ao contrário dos crimes que são investigados no inquérito policial.
Os crimes comuns, os crimes de prevaricação, esses que são crimes que geram pena de prisão. Talvez não hoje, mas em algum momento. Crimes que independem de qualquer vontade política para que ele seja punido. Mas enquanto ele é presidente da República, a Constituição prevê uma trava: ele só pode responder no Supremo Tribunal Federal ou na Justiça Penal por esses crimes se a Câmara autorizar. Mas a Câmara autorizando, o mandato dele é suspenso enquanto corre o processo.
Ou seja, isso na prática resultaria no impedimento do presidente da República.
Então seja pelo crime comum, seja pelo crime de responsabilidade, parece que Bolsonaro caminha a passos largos no sentido de ser, em algum momento, responsabilizado por esses atos, por essas condutas, por gestos, por palavras, por um comportamento cada vez mais antirrepublicano demonstrado por ele e por toda a sua entourage.
Então isso pode resultar tanto num processo de impeachment como num processo criminal e isso vai depender aí do andar da carruagem nos próximos dias, semanas ou até meses.