EUA decidem barrar viajantes que passarem pelo Brasil
A medida de restrição do governo Trump acontece num momento em que os dois países negociam um novo acordo comercial, que não deve envolver mudanças de tarifas
by Estadão ConteúdoA falta de uma estratégia do governo brasileiro para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus faz com que vizinhos e aliados tomem medidas para isolar o País e se proteger do contágio.
O governo americano anunciou no último domingo (24) a proibição da entrada de viajantes estrangeiros provenientes do Brasil. Entre os vizinhos, o presidente da Argentina (terceiro maior parceiro comercial do Brasil), Alberto Fernández, disse ver o Brasil como um risco à região, enquanto o Uruguai reforçou controles sanitários na fronteira e o Paraguai tenta conter a entrada de brasileiros.
A intenção de limitar passageiros vindos do País vinha sendo mencionada pelo presidente americano, Donald Trump, desde o final de abril. Na sexta-feira, quando a Organização Mundial da Saúde classificou a América do Sul como novo epicentro do vírus, a Casa Branca e o Departamento de Estado americano concordaram em oficializar a restrição, como antecipou o Estadão.
Trump é considerado o principal aliado internacional do presidente Jair Bolsonaro e tem evitado críticas abertas ao brasileiro, mas deixou claro nas últimas semanas que não pouparia o País ao dizer que não queria pessoas "entrando e infectando" o povo americano. A medida anunciada barra estrangeiros que estiveram no Brasil nos últimos 14 dias. A restrição passa a valer a partir das 23h59, no horário de Nova York, do dia 28 de maio, e não tem prazo para terminar. Ainda podem entrar no país aqueles que possuem residência permanente nos EUA, além de cônjuges, filhos e irmãos de americanos e de residentes permanentes.
Atualmente, há apenas 13 voos semanais em operação entre os dois países, contabilizando todas as companhias aéreas. Antes da pandemia, a Latam, sozinha, tinha 49 voos semanais. Com a restrição, as empresas podem continuar a operar as rotas, mas os passageiros que se encaixem na medida não poderão ingressar nos EUA. A tendência, portanto, é que o número de voos seja ainda mais reduzido.
Na Europa, a desconfiança com o governo Bolsonaro vem desde o ano passado, depois que o presidente entrou em choque com os líderes da França e Alemanha no meio da crise de imagem causada pela alta nos incêndios na Amazônia.
Diferença
Americanos, no setor público e privado, afirmam que Trump também não foi o melhor líder na condução da crise, ao minimizar o vírus no início do ano e postergar o início de uma resposta coordenada com os Estados. Ao traçar a comparação com o Brasil, no entanto, analistas têm apontado que ao menos Trump se mantém fiel ao corpo técnico que o orienta, enquanto Bolsonaro perdeu dois ministros da Saúde em um mês.
"As pessoas precisam estar preparadas para voltar a trabalhar porque se sentem razoavelmente seguras, não porque estão desesperadas e não têm dinheiro", afirma Thomas Shannon, que foi o terceiro na hierarquia do Departamento de Estado até 2018 e embaixador dos EUA no Brasil de 2010 a 2013. "O que me preocupa é que temos governos federais que vão reabrir com base no desespero, e não com base na confiança."
Acordo comercial
A medida de restrição do governo Trump acontece num momento em que os dois países negociam um novo acordo comercial, que não deve envolver mudanças de tarifas. O encarregado de negócios da Embaixada do Brasil nos EUA, Nestor Forster, diz que até o fim do ano é possível fechar um pacote de facilitação de negócios. "É um grande desafio conseguir manter a agenda funcionando com as restrições de encontro presencial, mas posso dizer que temos conseguido até de forma surpreendente."
Para Shannon, a onda de desaceleração da globalização e o encurtamento das cadeias de produção, que devem surgir como efeito da pandemia, poderiam levar Brasil e EUA a estreitar relações comerciais. Nesse sentido, ele faz elogios ao ministro da Economia, Paulo Guedes. "Ele ainda está trabalhando para abrir a economia, isso é importante."
O ex-embaixador reconhece, no entanto, que a perspectiva do avanço comercial pode esbarrar no protecionismo de Trump e no cenário eleitoral, que tende a ser turbulento no segundo semestre nos EUA. A crise política e econômica no governo Bolsonaro gera um outro impasse: a resistência do Congresso americano, que é crítico ao brasileiro.
"Os EUA vão passar pela crise. Acho que o Brasil vai também, mas será mais difícil, porque não está no mesmo estágio de desenvolvimento econômico e político", diz Melvin Levistky, ex-embaixador dos EUA no Brasil e hoje professor na Universidade de Michigan.
Nada contra o Brasil
Questionado sobre a medida dos Estados Unidos de barrar os estrangeiros com passagem recente pelo Brasil, o Palácio do Planalto não se manifestou.
Em mensagem no Twitter, o assessor especial da presidência da República, Filipe Martins, afirmou ontem que a decisão tomada pelo presidente americano Donald Trump não é nada específico contra o Brasil.
"Ao banir temporariamente a entrada de brasileiros nos EUA, o governo americano está seguindo parâmetros quantitativos previamente estabelecidos, que alcançam naturalmente um país tão populoso quanto o nosso. Não há nada específico contra o Brasil. Ignorem a histeria da imprensa", postou Martins. O governo brasileiro limitou a entrada de estrangeiros desde março.
A pressão para que os EUA adotassem restrições à chegada de brasileiros cresceu na última semana, quando a situação no Brasil se agravou. O Brasil é considerado novo epicentro da pandemia, enquanto os EUA caminham para um processo de reabertura econômica e de controle interno da primeira onda da epidemia, que deixou quase 100 mil mortos no país. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.