Do atendimento ao test-drive: coronavírus mudará a forma de comprar carro

Algumas alterações no modelo tradicional de vendas foram realizadas por conta do Covid-19.

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Foto: Divulgação

A indústria automotiva passa pelo pior momento de sua história no Brasil. O coronavírus forçou a paralisação da maioria das fábricas e o fechamento de boa parte das concessionárias espelhadas pelo país.

Mas, como nem todos os Estados decretaram o fechamento total do comércio, algumas revendas continuaram abertas ou estão retomando suas atividades lentamente.

Fenômeno parecido está ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos, mas, independente da região e do tempo que ainda levaremos para acabar com a pandemia, especialistas concordam em uma coisa: as vendas de carros nunca mais serão as mesmas depois do coronavírus.

Uma reportagem feita pela "Bloomberg" diz que as concessionárias tradicionais não estão fadadas à extinção, mas algumas mudanças (temporárias ou permanentes) que estavam em curso foram aceleradas depois da pandemia.

"Sabemos que os consumidores continuarão preocupados com o distanciamento social. Mas sabemos que o processo de compra de um veículo já caminhava para se tornar mais fácil antes disso acontecer", afirma Stephanie Brinley, analista de pesquisa da IHS Markit.

Mudanças definitivas

Algumas alterações no modelo tradicional de vendas foram realizadas rapidamente por conta do Covid-19. No Brasil, várias concessionárias que precisaram baixar as portas adotaram atendimento online ou por WhatsApp. Há revendas que até levam carros de test-drive na casa do cliente.

Jack Gillis, diretor executivo da Federação do Consumo da América, afirmou à "Bloomberg" que o distanciamento social fez com que algumas concessionárias alterassem a forma de compensação de seus vendedores.

Em vez de serem pagos pelo valor de cada carro vendido, eles passaram a ser remunerados de acordo com o número de unidades comercializadas. Isso tornaria todo o processo menos estressante - tanto para quem vende quanto para quem compra.

"Um dos maiores desafios para um cliente disposto a comprar um carro é entrar em conflito psicológico com um profissional que muitas vezes é treinado para extrair o máximo de dinheiro possível em cada veículo vendido. Eles são negociadores e os clientes são como cordeiros conduzidos para o abate assim que pisam no showroom", analisa Gillis.

Jack acredita ainda que o mundo da venda de carros pós-pandemia não vai tolerar a tradicional "empurroterapia", na qual vendedores fazem de tudo para incluir serviços dos quais você raramente precisará, apenas para que você permaneça mais tempo na concessionária e precise voltar várias vezes para realizar o serviço ou mesmo reclamar de um processo mal executado. Ele acredita que o consumidor não vai mais tolerar essa prática, que tende a ser extinta.

Regras dentro das revendas

As próprias montadoras já estão tomando uma série de medidas para proteger funcionários e clientes de suas revendas. A Ford estabeleceu uma cartilha com recomendações para atendimento presencial, incluindo a proibição do tradicional aperto de mãos, distanciamento mínimo em mesas, número limite de carros no showroom e o uso obrigatório de máscaras dentro das concessionárias.

Já a FCA, que também formulou uma cartilha com dicas e recomendações para as redes Fiat e Jeep, pretende iniciar as vendas de um aparelho de oxi-sanitização até o começo do terceiro trimestre. Sua função é higienizar e descontaminar o interior do veículo por meio da geração de ozônio.

"Produtos de higienização já estão com uma demanda significativamente maior e estamos trabalhando forte para começar a vendê-los, incluindo produtos de oxi-sanitização e luz ultravioleta. São equipamentos que você pluga no próprio carro antes de entrar no veiculo. É um valor e um serviço muito importante para o cliente", afirma Luis Santamaria, diretor da Mopar América Latina.

Carros desinfetados

Medidas de higiene e desinfecção de ambientes também serão adotadas na maioria das concessionárias. Todos os carros expostos em showrooms da Ford terão frascos de álcool gel em seu interior para os clientes que queiram conhecer os veículos sem correr o risco de se contaminarem.

Além disso, a fabricante oferece um serviço de higienização completa do carro chamado Ford Clean. Qualquer cliente da marca pode levar seu carro para realizar o serviço, que tem custo de R$ 129 com mão de obra inclusa.

O produto é um desinfetante de aplicação hospitalar desenvolvido pela 3M. Segundo a montadora, ele não agride partes cromadas do veículo e também não causa danos a plásticos, couro e tecido.

O veículo é lavado antes da aplicação do desinfetante, que será realizada na presença do cliente. A Ford afirma que o produto é aplicado em mais de 50 pontos internos e externos do veículo, especialmente nas áreas em que o motorista tem maior contato, como maçanetas, botões e manopla do freio de estacionamento.

Após o serviço, todas as partes de contato do interior serão protegidas com filme plástico para evitar contato até a entrega. Chave e chaveiro também são desinfetados antes da entrega ao proprietário.

É o fim dos test-drives?

O coronavírus não será capaz de acabar com os test-drives. Mas muita coisa vai mudar - e rapidamente.

Com a pandemia, algumas concessionárias no Brasil já implantaram o serviço de entrega, no qual um vendedor vai até a casa do cliente com o veículo para que ele realize o test-drive.

Especialistas norte-americanos acreditam que o "test drive delivery" ou o empréstimo de carros, até então restritos a vendas VIP, se tornem cada vez mais comuns.

"O conceito de que é preciso olhar, tocar e experimentar um carro está enraizado na maneira como compramos um veículo. Muitos dos problemas enfrentados pelo consumidor podem ser identificados ou investigados em um test drive de longa duração, e preferencialmente sem a presença de um vendedor a bordo", diz Gillis.

Assim, acredita-se que o consumidor terá tempo de identificar defeitos do projeto que não lhe agradam, como pontos cegos, barulhos a bordo ou até características de um carro que não lhe servem, como um porta-malas pequeno demais para suas pretensões.

A hora das vendas online

Outra tendência é o crescimento das vendas online. Várias fabricantes aceleraram os planos de abrir um comércio virtual para vender automóveis, como Chevrolet e BMW, e até caminhões e ônibus, caso da Mercedes-Benz.

Pesquisa feita pelo instituto de pesquisa "Autopia" indicaram que 10% a 15% das vendas de veículos nos Estados Unidos em 2019 foram realizadas de forma online.

Porém, isso não significa que a compra virtual será escolhida pela maioria dos clientes após o Covid-19. É o que acredita Kevin Tynan, diretor de pesquisa automotiva da Bloomberg Intelligence, e por um motivo simples.

Um automóvel costuma ser a compra mais cara que uma pessoa faz depois de um imóvel. Nos EUA, os clientes gastam em média US$ 35 mil para adquirir um carro novo e US$ 21 mil no caso de um veículo usado.

E para a maioria delas, adquirir um bem tão caro sem vê-lo antes é algo "inconcebível", segundo Tynan.

"Acredito que o número de transações por comércio virtual vai aumentar, mas já estava crescendo de toda maneira. Realizar uma compra online facilita a pesquisa antes de fechar negócio, mas nenhuma concessionária vai te dar a melhor oferta por e-mail. Não acredito que isso vá acontecer", afirma.

No fim das contas, o processo de compra de um veículo nunca mais será o mesmo depois da pandemia. O atendimento vai mudar, assim como a relação entre vendedor e comprador.

As concessionárias continuarão existindo. Apenas o tempo em que permaneceremos dentro delas é que será menor.