'Óbvio que antecipar o uso da cloroquina teve peso', diz Teich sobre saída do Ministério da Saúde
by Ana Letícia LeãoSÃO PAULO - O ex-ministro da Saúde Nelson Teich admitiu na noite deste domingo que as divergências com o presidente Jair Bolsonaro sobre o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19 pesaram na sua decisão em deixar o comando da pasta, em 15 de maio, menos de um mês depois de assumir o posto. Em entrevista à GloboNews, Teich afirmou que temas como o uso ou não do medicamento e isolamento social polarizaram discussões no combate ao vírus no país:
— É óbvio que antecipar o uso da cloroquina teve peso. Porque é uma escolha. O presidente achava que era melhor antecipar, e eu achava que não.
Apesar das divergências em relação ao medicamento, Teich disse que não se sentiu pressionado e que foi uma saída “confortável”, mas que houve falta de “alinhamento” com o presidente.
— Não me senti pressionado. Eu tinha que tomar uma decisão. Não houve um alinhamento com o presidente, e é ele quem define. Ele é o chefe da nação, me colocou ali. Se, por algum motivo, eu não concordo, tenho que sair. Desalinhamento não é conflito.
Teich divergia de Bolsonaro em relação à cloroquina porque o presidente é a favor do uso do medicamento antes de existir um estudo científico que comprove sua eficácia no tratamento da Covid-19. Já Teich queria aguardar um resultado mais claro sobre o remédio. Na última quarta-feira, o Ministério da Saúde editou um novo protocolo para uso da cloroquina em todos os estágios do tratamento da Covid-19.
Na entrevista de ontem, o ex-ministro disse ainda que o uso da substância não deveria ficar a critério dos médicos, como propõem as novas diretrizes do governo:
— A nossa ignorância em relação à doença é enorme. Nesse momento, não pode deixar dúvida do que você pensa. Os conselhos (médicos) têm de rever suas posições, enquanto esperam os estudos que são definitivos. Vai demorar muito pouco.
Mais: Teich recusa convite para ser consultor do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello
— A resposta é não. Eu conversava com o presidente, por mais que eu tivesse problemas com ele. Não tinha como ter pressão, porque eu não ia aceitar.
Questionado sobre o militares aliados a Bolsonaro no governo, entre eles o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, Teich disse que é "natural trazer o time dele para o momento de crise".
— É a coisa mais natural que pode ocorrer. Não podemos julgar porque é militar, tem que ver se é competente, ou não. Mas (Eduardo Pazuello) é o ministro interino, nem ele pretende ficar. O presidente faz as escolhas dele, eu não vou julgar, se não vou estar polarizando, tudo que eu falei para não fazer. Ele tem o comportamento dele. De alguma forma, lá na frente, não sei se na próxima eleição, o povo que vai dizer o que acha dele.
Durante a entrevista, Teich preferiu não se posicionar a favor ou contra o isolamento social. No entando, defendeu um modelo que chamou de "isolamento seletivo".
— Não vai ser uma disputa Teich versus Bolsonaro. O que eu fiz foi uma matriz de risco. Não existe ser a favor de isolamento, ou não. O que precisa é pegar variáveis importantes para medir (o nível de isolamento). O próprio isolamento é tratado de forma meio genérica. Isolamento e remédios têm de ser melhor estudados.
—Você isola as pessoas e os contatos. Para mim, o que está faltando hoje é tratar isso de forma mais individualizada. Isolamento vertical ou horizontal trata de uma forma grande demais, mas para mim o caminho não é nem um, nem outro.
Demissão de secretário
Também hoje, o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, informou em mensagem enviada aos colegas de equipe que deixará o cargo hoje. Ele era remanescente da gestão de Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido do posto de ministro da Saúde por Bolsonaro.
Wanderson é um dos principais responsáveis pela estratégia de combate à Covid-19 no Brasil, tendo sido o elaborador das chamada medidas “não farmacológicas”, ou seja, que não envolvem medicamentos, a exemplo do distanciamento social.
Antes mesmo da saída de Mandetta, quando a situação do então ministro já estava insustentável, Wanderson pediu demissão, mas Mandetta não aceitou. Com a chegada de Teich, o secretário manteve a posição de que sairia, mas se colocou à disposição para ajudar na transição.
(Colaborou Renata Mariz, de Brasília)