População desrespeita decretos e faz até paredão em Simões Filho
Comércio não-essencial estava aberto na cidade; prefeitura local faz apelo
by Vitor Villar e Gabriel RodriguesSalvador não está isolada. O convívio urbano na capital baiana é formado, na prática, por uma região metropolitana de 3,9 milhões pessoas, distribuídas em 13 municípios. O que acontece em uma cidade influencia na outra, e com o contágio da covid-19 não é diferente.
As 13 prefeituras decretaram o fechamento de comércios considerados não-essenciais, visando o distanciamento social. Em Simões Filho, por exemplo, o cenário do centro da cidade no último sábado (23) não refletiu nem de perto o que é um tradicional dia de feira.
A maior parte do comércio seguiu a orientação de manter as portas fechadas. Mas em uma volta pela cidade foi possível encontrar lojas que não se enquadram em serviços essenciais funcionando normalmente e pessoas que insistiram em furar a quarentena.
O CORREIO também recebeu a denúncia de uma moradora do conjunto habitacional Bela Vista, no bairro Santo Antônio Rio das Pedras. Segundo ela, a comunidade tem feito festas ‘paredões’ no local desde o início da pandemia.
Confira o vídeo:
“Não tinha nada até começar a quarentena. Desde então tá tendo paredão todo final de semana. Nas sextas e nos sábados começa às 22h e vai até o outro dia de manhã. Até no domingo à noite tem, vai até 2h da manhã”, reclama a moradora.
O local pertence ao município de Simões Filho, mas fica muito distante do centro da cidade, mais próximo do bairro da Palestina, pertencente a Salvador. Sendo assim, segundo a moradora, nenhuma das duas prefeituras faz a fiscalização do lugar.
“Eles aproveitam. Vem gente de bairros vizinhos. E é um perigo muito grande porque os prédios são pequenos e a gente divide portão, corredor, tudo. Se tiver um infectado vai pegar todo mundo. A gente não pode reclamar com eles porque sofre ameaça”, diz.
Comércio funcionando
Barbearias e salões de beleza próximos ao Mercado Municipal de Simões Filho estavam abertos normalmente no sábado (23). Clientes esperavam o atendimento dentro e fora dos estabelecimentos sem respeitar a regra de distanciamento, que é de 1,5m a 2m.
Pouco adiante, uma loja eletrotécnica até montou barreira de isolamento entre o atendente e os clientes, mas as pessoas se aglomeravam, do lado de fora, à espera do serviço. Pessoas circulavam livremente sem máscaras.
Derivaldo Dourado, 48 anos, contou que é contra o fechamento do comércio local. Uma das vítimas dos efeitos da pandemia, ele perdeu o emprego numa cerâmica de Dias d'Ávila e acha que é preciso manter o funcionamento das empresas, mesmo com a doença.
"Passo álcool em gel, uso máscara, mantenho distância das pessoas, mas não dá pra ficar em casa vendo o comércio fechado. Todo mundo vai ser penalizado. Como vamos ficar em casa sem poder comprar? De uma forma de outra, as pessoas vão pegar a doença. Com covid ou sem, vão morrer porque estão acabando com a economia do país", diz ele.
Lilian Andrade, 42 anos, pensa diferente. Segundo ela, que trabalha num restaurante do centro da cidade, nem todo mundo está respeitando o isolamento e a prefeitura deveria tomar medidas mais duras.
"Respeitando, as pessoas não estão. Acho até que o prefeito deveria ser um pouco mais taxativo: é fechado, é fechado; é delivery, é delivery e acabou ", diz ela.
O restaurante em que Lilian trabalha está funcionando apenas para entregas. As pessoas fazem o pedido do lado de fora e levam as quentinhas para casa. Segundo ela, o impacto por conta da pandemia tem sido grande.
"Normalmente num sábado a venda seria maior. Nesse horário (por volta do meio-dia) já teríamos vendido umas 100 refeições, mas hoje não vendemos nem dez. O fechamento do Mercado ajuda a causar essa queda", explica.
Alguns ambulantes também furam a quarentena. Vendedor de quiabo, Antônio dos Santos, de 28 anos, disse que sabe da importância do isolamento, mas decidiu montar a barraca pois é o único sustento que tem.
"A gente trabalha hoje para comer amanhã", disse o rapaz que usava a máscara no pescoço durante a entrevista. Questionado sobre o uso incorreto do equipamento, ele afirmou que havia tirado apenas para chupar um picolé, mas colocaria a máscara de volta no rosto.
O CORREIO percorreu ainda outros bairros populares de Simões Filho, como CIA I e II. Na maior parte deles, as pessoas estavam respeitando as medidas de segurança e não foram registradas aglomerações.
Perigo à vista
Segundo balanço da prefeitura de Simões Filho no último sábado (23), a cidade tinha 121 casos confirmados de covid-19 e 5 mortes. É a quinta cidade com mais casos na região metropolitana e a quarta com mais óbitos. Salvador lidera, seguida de Lauro de Freitas, Camaçari e Candeias.
O número de casos em Simões Filho cresceu 384% – ou seja, quase quatruplicou – nos últimos 15 dias. Saiu de 25 infectados no sábado (9) para os 121 mencionados. Todas as cinco mortes foram registradas nesse período.
Nos mesmos 15 dias, a região metropolitana pulou de 3.649 casos para 8.989. O aumento foi de 146%, ou seja, mais do que dobrou. A cidade com maior crescimento foi São Sebastião do Passé, que saltou de 6 para 41 casos.
O número de óbitos na região metropolitana saltou de 137 para 292 em duas semanas, uma variação de 113%. O maior salto foi justamente de Simões Filho, com as cinco mortes registradas no período.
Segundo a projeção da Fiocruz, se a taxa de contaminação atual for mantida, a região metropolitana de Salvador terá pelo menos 14,5 mil casos no dia 1º de junho. Em algumas cidades, essa projeção não pode ser feita por falta de detalhamento dos dados.
Segundo o pesquisador José Garcia, é fundamental reduzir o fluxo de pessoas entre os municípios da Bahia. “Algo terrível que começa a aparecer é que os municípios podem ter seus picos praticamente juntos. Do ponto de vista da logística de leitos, isso é terrível”, explica o professor de física da UFBA, que desenvolveu um mecanismo para prever o número de casos com base no fluxo de pessoas entre cidades.
“O ideal seria diminuir ao máximo o fluxo de pessoas antes do primeiro caso aparecer na cidade. Ainda dá para achatar a curva se tomarmos uma atitude realmente drástica. Mas tem que ser agora. Quanto mais passa o tempo, mais drástica tem que ser essa medida de fechar a cidade”, completou o professor José Garcia.
Prefeitura faz apelo
Secretária municipal de saúde, Iridan Brasileiro lamentou o desrespeito da população aos decretos tomados pela prefeitura de Simões Filho e que foram flagrados pelo CORREIO.
“Infelizmente a população ainda não entendeu a importância da colaboração dela própria em relação ao distanciamento social e isolamento dos casos confirmados. Todos os órgãos da prefeitura estão dedicados à fiscalização dentro do município, mas precisamos também da colaboração”, disse a secretária.
Em reunião do comitê de crise neste domingo (24), ficou definido que a intauração de um toque de recolher em Simões Filho a partir da próxima quinta-feira (28). De acordo com a assessoria do município, o horário e o prazo da medida ainda serão definidos com as autoridades policiais e controles de fiscalização do município. A fiscalização dos decretos também vai ser intensificada na cidade.
Sobre o crescimento de casos e óbitos registrado nos últimos 15 dias, a secretária disse que já era algo esperado para o período. “Na nossa análise, o município inicialmente se comportou muito bem no avanço da doença. Mas, infelizmente, já era esperado por todos os órgãos de vigilância epidemiológica um crescimento natural de casos no mês de maio, e foi justamente quando a população não colaborou como tinha”, disse.
Simões Filho dispõe de um hospital municipal para atender casos de média complexidade. Neste sentido, dispõe de oito leitos clínicos e 14 respiradores mecânicos. O município trabalha para ampliar a oferta para 22 leitos clínicos e compra de novos respiradores. Os casos mais graves, que necessitam de atendimento de alta complexidade, são enviados para hospitais, sobretudo de Salvador, via sistema de regulação do Governo do Estado.
Além do fechamento de comércios não-essenciais desde 16 de março, a cidade decretou a montagem de barreiras sanitárias na entrada e na saída da cidade, com testagem rápida e medição de temperatura. Também criou um auxílio de R$ 220 a ambulantes do Mercado Municipal e um auxílio de R$ 50 a famílias de estudantes da rede municipal.
“Se a população não entender e não der a colaboração deles vai ser muito difícil para o poder público conter um inimigo com alto poder de contágio. Teremos que tomar medidas mais drásticas, já que a população não está colaborando. Isso está em análise pois temos que evitar um colapso do sistema público de saúde”, completou Iridan Brasileiro.