Não basta haver muito dinheiro europeu

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Há duas grandes diferenças entre o anúncio de Merkel e Macron, feito na segunda-feira passada, e o que a Comissão Europeia tinha antecipado e deverá ser, finalmente, apresentado esta semana: falaram os patrões e disseram quanto estavam dispostos a gastar. Ou, se quisermos ser mais diplomáticos, falaram os principais acionistas e deram um número. Sendo que um deles, a França, até tem mais fraquezas internas que muitos dos acionistas minoritários, mas é a França.

Para agradar a Leste e a Sul, Paris e Berlim prometeram muito dinheiro e dar prioridade a quem mais precisa. Para aproximar a sua proposta das objeções dos "frugais", Merkel e Macron falaram, expressamente, de ter de haver políticas económicas sólidas e reformas ambiciosas. Lá se vai a ideia de que haveria dinheiro sem condições. E dizem, além disso, onde é que o dinheiro é para ser gasto. Exatamente o mesmo que a Comissão diz: verde, digital e reindustrialização com mais autonomia. De resto, os detalhes do Plano de Recuperação e Convergência estão a ser desenhados no Berlaymont (a sede da Comissão Europeia).

Apesar de haver uma preocupação idêntica (não premiar políticas consideradas erradas), desta vez há uma grande diferença em relação à intervenção de 2011. A Troika eram os credores, e o seu interesse era o pagamento da dívida. Isso e assegurar que não saíamos do Euro, arrastando outros e com eles o colapso da moeda europeia. O que estava em causa não era termos dinheiro para poder gastar, era termos dinheiro para pagar dívidas. Agora, a lógica é completamente diferente. E as condições também.

Perante a queda brutal de toda a economia europeia, Paris, Berlim e Bruxelas (excecionalmente o termo aplica-se mesmo) entendem que é preciso investir (gastar) para assegurar a recuperação económica e, de caminho, robustecer o lugar da economia europeia no mundo. E, por consequência, da União Europeia na economia e política nacionais.

O anúncio de Paris e Berlim tem, além do efeito económico, um efeito político: reforça a importância da União Europeia e, por essa via, o poder de Bruxelas. É mais lá do que cá que se vai decidir onde o dinheiro europeu vai ser gasto. Sendo que nós também somos parte de "lá". E é por aí que a conversa sobre a nossa recuperação económica tem de começar.

Em Bruxelas, está a desenhar-se a recuperação com um plano para investir na renovação de edifícios, mais energias renováveis, incluindo muito hidrogénio, eficiência energética, ferrovia, incentivo e infraestruturas para a mobilidade elétrica, Inteligência Artificial, muito provavelmente a aceleração da implementação da rede de 5G, banda larga nas zonas rurais e financiamento às indústrias da saúde. Estás são algumas das prioridades que vão ser anunciadas e cuja concretização vai ser, depois, negociada. E é aqui que temos de saber como nos posicionar.

A pancada que a economia portuguesa sofreu foi em sectores pouco alinhados com estas prioridades. Por outro lado, a suposta economia do futuro, o verde, o digital, a resiliência industrial, precisa de muito investimento. Vai haver dinheiro europeu para isso, mas vai ser preciso dinheiro nacional também, seja público ou privado. O maior desafio para Portugal não é haver fundos europeus, é haver uma maneira útil de os aproveitar. Ao mesmo tempo, é quase uma segunda oportunidade.