https://tnh1-cdn3.cworks.cloud/fileadmin/_processed_/7/9/csm_aparelhos-celular-close-pexels_4183d5a278.jpg
Pexels

Sem jogos, clubes de futebol se voltam à internet para conseguir receita

Times seguem ganhando seguidores nas redes sociais em meio ao coronavírus. Mas a incipiente frente de marketing e patrocínios precisará ser levada a sério

by

Pelo calendário original, este domingo, 24, deveria ser palco da quarta rodada da série A do Campeonato Brasileiro de futebol. Na prática, o coronavírus fez os estaduais serem paralisados no fim de março e o Brasileirão não tem previsão para começar neste ano. Restou aos torcedores, nas tardes de domingo, assistir às reprises de jogos históricos feitas pela TV Globo, detentora da maioria dos direitos de transmissão nacionais — jogos como São Paulo e Liverpool pela final do Mundial de Clubes de 2005 ou Vasco e Barcelona de Guayaquil pela final da Libertadores de 1998 foram transmitidos neste domingo.

Para os times, ter seus jogos históricos novamente na TV pode ajudar a amenizar uma tarefa ingrata das últimas semanas: seguir engajando seus torcedores (e patrocinadores) durante a pandemia.

A paralisação dos campeonatos poderia levar à projeção de que a atividade dos times na internet automaticamente cresceria sobremaneira. Na prática, não foi bem assim. Abril foi o primeiro mês completo sem jogos, e o resultado, analisado por um estudo do Ibope Repucom, mostra que foi o pior mês em número de novos seguidores nas redes sociais desde julho de 2018.

Os 50 maiores times somaram pouco menos de 500.000 novos seguidores no mês no acumulado de Twitter, Facebook e Instagram. Desde dezembro de 2018 os times não tinham menos de 1 milhão de novos seguidores por mês nessas redes na contagem do Ibope.

Na série A, 18 dos 20 clubes viram algum crescimento do número de seguidores nas redes sociais, o que mostra a resiliência dos canais das maiores equipes, segundo José Colagrossi, diretor executivo do Ibope Repucom. Mas um olhar mais atento, aponta Colagrossi, mostra também que essa alta durante a crise foi concentrada: os cinco clubes que mais cresceram representaram 70% de todos os novos seguidores do Brasil.

“No geral, fiquei satisfeito com os resultados de abril por ter havido um crescimento mesmo com um mês inteiro sem jogos. Mas não foi um crescimento igual entre os times. Muitos ainda estão engatinhando”, diz o diretor do Ibope. A boa notícia, para Colagrossi, é que todos os clubes estão caminhando na direção de melhorar a presença online. “Ficou claro com a paralisação que as mídias sociais não podem se limitar aos jogos”, diz.

Chegar lá é que será um desafio. Boa parte dos clubes no Brasil ainda dão pouco espaço à comunicação, marketing e ações de patrocínio, segundo especialistas em marketing esportivo ouvidos pela EXAME. “O que vivemos agora é que as redes sociais e o ambiente digital compunham o mix de ativação junto aos torcedores, mas não eram protagonistas. Agora, além de protagonistas, temos um monólogo porque são a única alternativa”, diz Gustavo Herbetta, fundador da agência de marketing esportivo Lmid e ex-superintendente de marketing do Corinthians.

Os times que já desenvolviam um bom trabalho online tendem a estar mais preparados para o momento de bola parada. Os cinco que mais cresceram em número de seguidores em abril foram Flamengo, Santos, Ceará, São Paulo e Internacional.

O mais seguido da internet brasileira é o Flamengo, com 30 milhões de seguidores, ante 23 milhões do segundo colocado, o Corinthians. Completam a lista dos mais seguidos o São Paulo, com 15 milhões, o Palmeiras, com 11 milhões, e Santos e Grêmio, com pouco mais de 8 milhões de seguidores cada. Entre as fontes ouvidas pela EXAME, times como Fortaleza e Bahia, com 2 milhões e 3 milhões de seguidores, respectivamente, também estão entre os trabalhos mais elogiados.

É a prova de que não é preciso ter a maior torcida do Brasil para fazer um bom trabalho de engajamento online — e ganhar dinheiro com isso. “O número de seguidores, seja na ‘vida real’ ou na internet, não quer dizer muita coisa. E isso é algo que até patrocinadores têm de entender”, diz Thiago Barros, gerente de conteúdo da Feng Brasil, empresa especializada em programas de sócios e engajamento de torcedores.

Pouco patrocínio online

A pandemia chegou ao futebol em um momento em que os clubes ainda não estavam preparados para uma grande atuação online. Há o agravante de que, em todo o mundo, os patrocínios fora da internet são ainda fontes muito maiores de receita.

Ainda assim, os maiores clubes europeus chegam a ganhar o equivalente a mais de 50 milhões de euros só em receita com marketing online, segundo estimativas das fontes ouvidas pela EXAME. O mesmo vale para times de ligas fortes nos Estados Unidos, como a NFL, de futebol americano, e a NBA, de basquete.

No Brasil, duas fontes projetam que os grandes times brasileiros podem, com um trabalho de redes sociais e internet bem feito, chegar a receitas de 10 a 20 milhões de reais ao ano após dois ou três anos. Mesmo para os times menores da série A, seria algo entre 5 e 10 milhões de reais, ainda segundo as projeções informais. Para os times com as maiores torcidas, a cifra poderia chegar a mais de 100 milhões de reais em um futuro próximo.

Um faturamento online na casa dos 20 milhões seria entre 5% e 3% da receita de times como Internacional, Grêmio, Santos, São Paulo e Corinthians, que faturaram entre 400 e 450 milhões de reais no ano passado. Parece pouco, mas, em 2018, as premiações de campeonatos, uma fatia relevante da receita dos clubes, representou 3% do total, e 7% em 2019, ano recorde em premiações. A bilheteria, 8% nos dois últimos anos.

Mas a baixa presença online reflete um problema mais profundo do futebol nacional e que vai muito além da internet: não conseguir reverter uma torcida numerosa em receita, seja de patrocínio ou de bilheteria e programas de sócio-torcedor.

As receitas de patrocínio e publicidade como um todo representaram 10% da receita total dos 20 times brasileiros na série A em 2019, segundo levantamento da consultoria esportiva SportsValue com base nos balanços dos clubes. Muito abaixo de frentes como direitos de TV (34%) e transferências de atletas (25%), os dois pilares que sustentam o futebol nacional.

Na temporada 2018, o Barcelona teve receita de marketing (incluindo online e offline) dez vezes maior do que a do Palmeiras, o time que mais faturou com marketing naquele ano, ainda segundo a SportsValue. O Palmeiras faturou 131 milhões de reais com marketing em 2018, ante 299 milhões de euros do Barcelona. A diferença entre euro e real naquele ano foi de pouco mais de quatro vezes, de modo que a diferença cambial não explica, sozinha, a discrepância de valores.

As receitas de publicidade e patrocínios no Barcelona ainda foram 60% maiores do que o valor ganho com direitos de TV e 30% maiores do que a de transferência de atletas. Neste ano, durante a pandemia, o Barcelona acaba de estrear junto à Netflix um documentário sobre o clube.

“Os clubes não iriam suprir com a internet a receita de TV, o mercado não é assim em nenhum lugar do mundo. Mas, no Brasil, a paralisação deixou claro a precarização dessa estrutura”, diz Bruno Maia, fundador da agência de marketing e conteúdo 14 e ex-executivo de marketing do Vasco da Gama. 

Ganhar na internet não é de graça

Como em qualquer empresa, a saída para aumentar a receita online do futebol passa por boa gestão e investimentos pensando no futuro. O desafio é que este é um investimento de longo prazo. E com as dívidas dos times brasileiros somando mais de 7,9 bilhões de reais no ano passado — e em crescimento –, investir para o longo prazo é algo que poucos se animam a fazer.

É comum em times brasileiros que não haja uma equipe específica voltada para produção de conteúdo para a internet, como gravação de vídeos de bastidores, lives e gestão de redes sociais. Há times grandes com cinco ou dez pessoas para gerir todo o marketing do clube, segundo a EXAME apurou. Já os com presença online mais estabelecida chegam a ter mais de 20 pessoas só para a produção de conteúdo, sem contar as outras frentes do marketing.

Outra barreira é que os times não são donos de seus direitos de transmissão, que pertencem às emissoras de TV. Quando querem usar trechos de jogos, precisam pedir às emissoras que enviem o material. Uma briga antiga dos departamentos de marketing é que os direitos de imagem dos jogos fiquem também com os clubes e que isso seja estabelecido em contrato. Os cartolas responsáveis por essas negociações, com pouca visão do potencial da internet e sem querer desagradar às TVs, tendem a não levar essa exigência adiante.

Ainda assim, há outras frentes que começam a ser exploradas, como venda de produtos online, lives com jogadores, programas de notícias ou outros conteúdos específicos do time, bastidores de jogos e ativações com a torcida. Tudo isso pode levar a uma torcida mais engajada e, sobretudo, a uma maior receita de patrocínios online — de jogadores jogando videogame de alguma marca a apresentadores e ídolos expondo os patrocinadores dos clubes em programas na internet. “Mesmo em cenários normais, jogo é duas vezes por semana. Imagina o quão mais valioso seria para o patrocinador saber que o time tem presença online forte e a marca dele ia ser mais exposta”, diz Colagrossi, do Ibope.

Sem uma presença online estruturada dos times, as marcas patrocinadoras, na internet, se concentram nos jogadores — que, não raro, têm mais seguidores nas redes sociais do que os próprios clubes. “Às vezes os perfis pessoais dos jogadores são muito mais eficientes em engajar nas redes sociais do que os clubes. E essa é a hora de os clubes usarem isso a seu favor”, diz Maia, da 14.

Mesmo no exterior, Cristiano Ronaldo tem mais de 420 milhões de seguidores combinando Twitter, Instagram e Facebook. O espanhol Real Madrid, time onde passou boa parte da carreira e o mais seguido do mundo, tem 233 milhões. O Barcelona, segundo mais seguido, tem 220 milhões. Lionel Messi, astro do Barcelona, tem mais seguidores que seu clube: 240 milhões, mesmo sem possuir uma conta no Twitter e tendo só metade dos seguidores de Cristiano Ronaldo no Instagram.

Enquanto campeonatos europeus como a Bundesliga alemã começam a voltar, ainda não se sabe quando o número de casos do coronavírus diminuirá no Brasil e permitirá que jogos ao vivo voltem a povoar as redes. Até lá, o resultado de um bom trabalho na internet será colhido não durante a pandemia, mas nos próximos anos. “Acredito que os clubes não vão se beneficiar agora em questão financeira, mas sim no lado intangível”, diz Barros, da Feng. Quem fizer um bom trabalho agora, diz Feng, pode “mostrar aos futuros parceiros o quanto são capazes de engajar os torcedores mesmo sem a bola rolando.”

A lição que fica é algo que já deveria estar em pauta há anos. A internet, mais do que fonte de proximidade com a torcida, precisa também ser fonte de receita.