A muralha de aço
by João GonçalvesHá precisamente um mês, as "autoridades" começaram a dar conta que a informação oficial sobre a pandemia, o famoso boletim diário da DGS, podia ser sujeito a diversas "erratas" em virtude dos "métodos" usados para apurar as várias alíneas.
O exemplo deste fim-de-semana veio com o número de recuperados da doença. Temido avisou no sábado que, no domingo, precisamente por causa do "livro dos registos", aquele número ia disparar. Assim foi. Simultaneamente, o RT (o índice que permite aferir o risco de transmissão pessoa a pessoa) estava no final da semana a 1,01.
Parece, a avaliar pela resposta nacional ao aumento das temperaturas, imediatamente exemplificada nas televisões pelos mais altos dignitários da nação, que, mais do que barbearias, cabeleireiros, lojas de bairro, médias superfícies comerciais, etc., a prioridade patrioteira passou a ser ir à praia. Eu, bicho solitário, solar e marítimo como, desde sempre, o presidente da República, agradeço a inversão, embora dispense, como sempre dispensei, aglomerados. Todavia, pela amostra, faço notar que vai ser impossível impor "regras" nas praias. As únicas possíveis ou são inteiramente pessoais, ou não são. Como as para comungar, depois do absurdo perpetrado pela DGS, em forma de banda desenhada, que vão colocar à porta das igrejas.
No meio destas folgas, António Costa não se limitou a ir à praia da Princesa, na Caparica, dar o novo exemplo. Também foi ao PS dizer que, afinal, as presidenciais não estavam na ordem do dia como parecia na Autoeuropa e no confidencial "Expresso da Meia-Noite".
Mais pedestre, Costa falou em anos "duros", dois, pela frente e pediu aos camaradas "nervos de aço" para aguentar o que aí vem. Devia ter começado pelo país, em geral, pelos que mais vão sentir na pele a "dureza" sequencial da pandemia. Dada a periferia, as coisas chegam-nos cá sempre com um ligeiro atraso. Desta vez, no entanto, não foi preciso esperar.
O próprio regime reconhece que já há pelo menos quase meio milhão de pessoas em dificuldades: indivíduos, famílias, empresas, serviços, empregos. Com certeza que, para os "nervos de aço", Costa não estava a pensar em logros governamentais como a sra. d.ª Mendes Godinho, da Segurança Social, o sr. Fernandes, do Ambiente, o sr. Pedro Santos, o Guevara da TAP, ou a Fonseca nula da Ajuda. Da Temido, nem vale a pena falar. Mas são eles que nos pastoreiam. Não é a Comissão Política do PS. Como inexiste patrioticamente oposição, só resta formarmos nós uma "muralha de aço" que nos defenda do pior.
*Jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)