https://cdn-prod.opendemocracy.net/media/images/PA-53643378.max-760x504.jpg
Um homem com uma máscara é fotografado em Valência, Venezuela, ao passar pela imagem de um morcego, um animal inicialmente associado ao surto de coronavírus na China, em 5 de maio de 2020Juan Carlos Hernandez/Zuma Press/PA Images

Política bélica, política partidária e segurança cidadã na Venezuela

Nas últimas semanas, as forças de segurança mataram 12 pessoas em um incidente criminoso em um bairro de Caracas, e outras oito morreram durante uma suposta invasão armada. Español

by

Nas últimas semanas, devido aos eventos em Macuto e Petare, tenho sido perguntado sobre as implicações de misturar os dois eventos. Com as informações que têm sido divulgadas até o momento, tendo em vista os antecedentes da atuação das forças de segurança do Estado, bem como a experiência dos países vizinhos, devemos destacar o seguinte:

É extremamente perigoso para os direitos dos cidadãos misturar situações de segurança cidadã e controle da criminalidade com situações de segurança nacional, soberania ou incursões de grupos beligerantes no país. A primeira é de natureza civil, a segunda é de natureza militar. Quando a primeira se confunde com a segunda, os objetivos militares são os cidadãos. E se isso for feito no contexto de um estado de exceção, como o que vivemos há quatro anos, é muito pior.

Outro elemento de preocupação é a ostentação da lógica de "malandragem" no campo da política. As distinções que devem existir entre "os presidentes" e bandidos devem ser muito claras. Novamente: existem papéis importantes, cenários, formas, lógicas comunicativas e simbólicas. Se o debate público é entre um bandido e os presidentes, isso pode ser interpretado como se ambos estivessem no mesmo nível.

Parece que o país está passando por uma crise tão grande que seus ídolos já foram derrotados e os cidadãos estão diariamente procurando alguém para vir resgatá-los, seguindo uma lógica de escolha do "menos pior".

Nestes tempos parece que o componente político está sendo extinto, mesmo entre os próprios políticos, e reduzido a interesses econômicos particulares. Há evidências públicas de que ambos os setores são aliados e fazem pactos com criminosos e grupos ilegais. Estamos em um país onde os políticos atuam como a máfia. Se isso acontece com os políticos, é importante que as pessoas não tenham expectativas em relação às facções criminosas.

E o que fazer em um cenário tão difícil?

Essa também tem sido uma questão recorrente. Trabalho sério de inteligência, com muita vontade político-institucional, em um caminho de mão dupla. De dentro para fora, ou seja, direcionada à gangue e seu território. Mas também de fora para dentro, considerando os próprios agentes do sistema penal. Naturalmente, para que isso aconteça é preciso que haja instituições e atores que sejam minimamente confiáveis e legítimos.

Em todo caso, não são fatos de mera força; é uma questão de inteligência e de real vontade político-institucional. É possível até "neutralizar" alguns membros ou líderes de facções, mas enquanto o negócio e a fonte de proteção institucional e impunidade não cessarem, os membros da facção serão apenas substituídos. O grande problema é quando a própria classe política e o Estado como seu instrumento operam com a mesma lógica violenta e criminosa que esses grupos, que às vezes não se diferenciam entre si.

Por fim, a ideia de um governo apoiado por grupos criminosos para que possam defendê-lo contra qualquer revolta ou para atacar o poder do Estado com mercenários pagos não é apenas eticamente repreensível; é também insustentável a longo prazo. Os mercenários podem sempre conseguir uma oferta melhor.

Os venezuelanos apoiam as facções criminosas?

Esta é uma pergunta que me tem sido feita repetidamente ao longo dos últimos dias. Às vezes, mais do que me perguntar, as pessoas o afirmam, esperando o meu apoio.

Eu nunca vi nenhuma pesquisa ou estudo que mostre que todos os venezuelanos, em todo o país e em todos os momentos, aceitam e defendem líderes negativos dentro das comunidades. Temos que ter cuidado com generalizações. Teríamos que realizar estudos de opinião em todo o país para poder fazer tal afirmação e fazer as análises correspondentes com base em seus resultados.

O que devemos ter em mente, nesse sentido, é o seguinte: quando o Estado e as instituições que regulam a vida social estão ausentes e não desempenham mais seu papel, esse espaço é ocupado por outros atores.

A regulação da vida social exercida por grupos criminosos não é ideal; não deve ser romantizada, é um poder que também é exercido de forma despótica e autoritária. Assim, os moradores das comunidades acabam tendo múltiplos vitimizadores: a exclusão estrutural sócio-econômica, o próprio Estado, suas forças de segurança e os grupos criminosos.

Assim como os grupos criminosos não devem ser romantizados, os moradores das comunidades também não devem ser criminalizados. Se em um determinado setor a polícia executa os jovens que ali vivem, maltrata mulheres e crianças, destrói casas e realiza diferentes formas de pilhagem, abre caminho para que as facções criminosas garantam uma certa ordem – sempre violenta, é claro –, estabeleçam relações de convivência mínima entre os vizinhos e realizem seu trabalho criminoso fora do setor. Esta não é uma questão moral; é uma escolha prática em termos de custo-benefício. O que as pessoas querem é levar o seu dia-a-dia de forma calma e escolherão aqueles que lhes oferecem essa possibilidade da forma mais acessível, imediata e sustentável.

Portanto, não é uma alocação estática de papéis "bons" e "ruins"; a questão é mais complexa, que poderia ser simplificada em uma escolha racional para os "menos piores", em circunstâncias muito específicas de extrema vulnerabilidade. Isto é o que acontece quando é difícil distinguir as diferenças entre forças de segurança e facções criminosas.

Manter generalizações como "nas favelas as pessoas defendem criminosos" nada mais é do que a repetição de teses classistas e racistas que contribuem para a criminalização desses setores. Este é o substrato ideológico que legitima as políticas de massacres sistemáticos como os da OLP (Operação Liberação do Povo) ou os agora realizados pelas FAES (Força de Ações Especiais da Polícia Nacional Bolivariana).

Um exemplo é o que aconteceu em 8 de maio em Petare, quando 12 pessoas foram mortas como resultado da intervenção das forças de segurança do Estado. O jovem Brian Cedeño é um deles. Seu caso não é excepcional. Brian é filho de uma mãe da comunidade, que é o mesmo caso de Darwilson Sequera, Cristian Charris ou dos mais de cinco mil jovens que morrem anualmente pelas forças de segurança na Venezuela.

Números oficiais e campanhas de terror

Entre 2010 e 2018, cerca de 23.688 pessoas morreram pelas mãos das forças de segurança do Estado. 69% desses casos ocorreram nos últimos dois anos. A taxa de mortes por essas causas varia de 16 a 19 para cada 100 mil habitantes, que é maior do que a taxa de homicídios na maioria dos países do mundo.

A porcentagem de mortes pelas forças de segurança dentro dos homicídios na Venezuela também está aumentando: em 2010 foi de apenas 4%, oito anos depois chega a 33%. Em outras palavras, segundo os números oficiais, um em cada três homicídios que ocorrem no país é resultado da intervenção das forças de segurança do Estado. Em um país cuja taxa de homicídio está entre as mais altas do mundo, esse fenômeno pode ser considerado um massacre: em 2018, 14 jovens venezuelanos morreram todos os dias por essas causas.

Tradicionalmente, casos escandalosos ou dignos de notícia, como os que ocorreram há alguns dias, são instrumentalizados politicamente para lançar campanhas de terror oficial, criar operações policiais militarizadas que massacram os jovens das comunidades. Isto é legitimado por discursos alarmista que são feitos contra "inimigos" públicos.

O resultado é a perda de milhares de vidas humanas, a radicalização e transformação dos grupos criminosos que se tornam mais violentos e com maiores arsenais, juntamente com o crescente empoderamento dos aparatos policiais e militares que acabam fazendo o que bem entendem. Quem perde? Todos nós, os cidadãos comuns que acabamos à sua mercê.

Estrutura de oportunidades ilícitas

Os últimos dias têm sido uma loucura, e quanto mais informações e vozes aparecem, mais nublado e confuso tudo se torna. Infelizmente, nosso problema institucional não é só do Estado. Há cada vez menos atores de credibilidade. A censura na mídia é grande, o que faz com que todos recorramos às redes sociais, onde qualquer um pode dizer qualquer coisa. Longe de estar mais informado, o que temos é um excesso de "informação" não confiável e não verificada que nos oferece uma versão distorcida do que está acontecendo. Nesse contexto, nossa opinião pode amplificar mais ainda a distorção e a confusão.

Tenho sido perguntado sobre os últimos eventos em Petare. Quem quiser fazer um comentário sério sobre esses eventos tem que estar ligado de alguma forma a esse setor, seja porque o tomaram como objeto de seus estudos de campo, observações, monitoramento ou análise, ou porque vive lá. Eu não estou em nenhuma das situações. Por isso, só posso me referir a questões muito básicas e gerais, que qualquer pessoa dedicada à criminologia, ou à sociologia que têm como estudo o sistema criminal ou a violência, deveria dizer, além de repetir o que já abunda nas redes sociais. Nessas circunstâncias, devemos ser cuidadosos com os opinólogos.

A ausência de Estado social

A existência de groupos criminosos com poder de cessar-fogo é uma indicação da precariedade institucional do Estado em diferentes níveis: o primeiro, mais básico e fundamental, é na esfera social e econômica. Isto é o que se chama violência estrutural, que tem a ver com a exclusão social e a incapacidade de satisfazer as necessidades mais básicas da população.

A ausência de um verdadeiro Estado de bem-estar social, com políticas verdadeiramente universais, não discriminatórias, sustentáveis, institucionalizadas, não clientelistas e nem de especulação, é a mãe de todas as outras formas de violência. É o que priva, por exemplo, os jovens excluídos de oportunidades suficientes para uma vida fora do crime.

Na ausência do Estado social, o Estado policial é aumentado e fortalecido, sendo sustentado pela violência institucional que procura conter os vários tipos de conflito que a violência estrutural provoca.

Em seguida, outros tipos de violência caem em efeito cascata, como violência social, violência criminal, violência individual, etc. Tradicionalmente, em certas situações políticas, onde a violência estrutural e institucional é evidente, a violência criminal e individual é mais visível como forma de encobrir a primeira.

Entretanto, uma vez descrito esse quadro, no qual a violência criminal está inserida dentro de uma lógica de violência estrutural e institucional que a gera, fortalece e define, se nos concentrarmos na violência criminal que ocorre dentro de quadrilhas armadas – além das abordagens culturais e etárias fundamentais para o estudo desses fenômenos –, há um elemento que considero fundamental: para que grupos armados organizados existam em um setor territorial, uma "estrutura de oportunidades ilícitas" deve prevalecer. Este é o aspecto mais básico da criminologia das subculturas criminais.

O que é uma estrutura de oportunidades ilícitas?

É o apoio do mundo lícito às atividades e existência de uma facção; isto é feito através de apoios sociais, institucionais, econômicos e políticos, entre outros. Ou seja, garantia de operar com impunidade, colaboração das forças policiais e militares, cumplicidade de promotores e juízes. Patrocínios políticos e econômicos, entre outros. Isto nada tem a ver com ideologias ou programas políticos, é apenas uma questão de negócios, de mercados ilícitos comuns. Essas alianças não são estáveis; às vezes esses interesses comuns podem conflitar, gerando guerras irregulares entre esses lados.

As facções criminosas seriam então apenas mais um elo na corrente. Aqui estão algumas perguntas básicas: Como obter armas? Como ter acesso à armas de guerra? Como obter munições? Como possuir granadas? Quem é responsável pela fabricação, importação, distribuição e comercialização de armas e munições no país? Quem tem esse monopólio? Há quanto tempo o tem?

Em resumo: as grandes facções não podem surgir, nem ter poder, sem um mínimo de apoio ou pelo menos tolerância da polícia ou militares, promotores, juízes, assim como do poder político e econômico do mundo "legal".