Articulação falha e verborragia de Guedes ameaçam agenda econômica
As recentes declarações polêmicas do ministro da Economia, Paulo Guedes, irritaram a equipe do presidente Jair Bolsonaro e líderes de centro do Congresso. A avaliação é que as falas geram um ambiente de tensão e tumultuam a tramitação de reformas.
Para assessores palacianos, as declarações atingem parcela do eleitorado de Bolsonaro e podem contribuir para aumentar na população a resistência à pauta econômica, uma vez que Guedes é o fiador do projeto liberal do governo.
Entre as medidas a serem debatidas por deputados e senadores —e de interesse do governo— estão as novas regras tributárias e a reforma administrativa. As mudanças no plano de carreiras dos servidores públicos ainda nem foram apresentadas pelo governo. Bolsonaro disse que libera o texto na próxima semana.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), trabalha para instalar a comissão da reforma tributária também na semana que vem.
Até lá, duas falas públicas do ministro já acenderam o alerta de assessores do presidente.
Guedes disse na quarta (12) que, com o dólar baixo, empre- gadas domésticas viajavam à Disney. "Uma festa danada", disse, em Brasília. Segundo ele, o dólar um pouco mais alto é bom para todo o mundo.
O ministro também chamou servidores de parasitas na semana passada, em evento no Rio de Janeiro. A declaração provocou, em ano de eleições municipais, a ira do funcionalismo —categoria com forte lobby no Congresso.
Segundo interlocutores de Bolsonaro, as gafes dificultam o diálogo com o Congresso, uma vez que despertaram a contrariedade de parlamentares. O governo já enfrenta problemas de articulação no Congresso e, segundo interlocutores de Bolsonaro, as gafes do ministro dificultam ainda mais o diálogo porque passaram a despertar contrariedade de parlamentares.
Deputados e senadores dizem que o ministro dá munição à oposição e a táticas de obstrução de votações. Isso complica ainda mais a aprovação das reformas.
Entre as críticas que recebeu de líderes de partidos de centro, Guedes foi chamado de elitista e de promover separação de classes, em contraponto à própria mensagem que o Planalto enviou ao Congresso na abertura do ano legislativo de que quer combater a desigualdade de renda.
"Este é o momento de ter declarações que ajudem o ambiente de aprovação das reformas de que o Brasil precisa", diz o líder da maioria na Câmara, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma tributária na Casa.
Deputados dizem que ainda não há como mensurar o nível de pressão que eles vão receber da população contra as reformas porque não há propostas consolidadas. Os textos não começaram a tramitar.
"Quando negocio com um ministro e as teses que defendo são convergentes, é mais fácil que negociar com um ministro de cujas teses eu discordo. Ele dificulta a negociação com o governo", diz o líder do Solidariedade, Zé Silva (MG).
Diante das críticas, Bolsonaro buscou se descolar dos episódios protagonizados pelo ministro. Nesta quinta (13), Disse que "o dólar estava um pouquinho alto" e, questionado sobre a frase de Guedes a respeito das empregadas domésticas, respondeu: "Pergunta para quem falou isso. Eu respondo pelos meus atos".
Nesta quinta, em evento em São Paulo, Guedes se negou comentar o assunto com a imprensa.
As falas de Guedes se somam ainda ao vaivém do governo sobre o envio das matérias.
A reforma tributária passará por alterações de congressistas e receberá sugestões do governo.
Bolsonaro disse que enviará na semana que vem suas sugestões —a morosidade na definição das propostas do governo é outra reclamação de congressistas.
Um líder de partido de centro diz que, no caso em que Guedes chamou os servidores de parasitas, houve um constrangimento ao Executivo, que abriga servidores, e ao Congresso, que será cobrado pelo governo a aprovar a medida.
A declaração contribuiu para o adiamento do texto da reforma administrativa. "Ele coloca mais tensão sobre temas que não estão pacificados. E ele é o principal articulador das reformas. Não é positivo", diz o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM).
A reforma tributária é uma das principais bandeiras de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, para este ano. Dois líderes de partidos de centro que o apoiam dizem que o Congresso é reformista, e, por isso, o tumulto criado por Guedes não será suficiente para barrar as mudanças.
A aprovação das medidas no primeiro semestre, porém, é vista com ceticismo e um desafio por congressistas.
A reforma tributária da Câmara, por exemplo, não agrada a prefeitos de grandes cidades. A administrativa, por sua vez, foca o funcionalismo em ano de disputa pelas prefeituras.
O receio dos políticos é que, ao não criar ambiente para aprovação e não atuar para defender suas próprias pautas, o governo contribua para aumentar a pressão sobre deputados e senadores às vésperas dos pleitos municipais.
Economistas ouvidos pela reportagem dizem que o risco de paralisação das reformas, o crescimento econômico menor que o esperado e as falas polêmicas e atritos com o Congresso podem reduzir o clima de otimismo com a economia brasileira, sobre o qual pesa ainda a incerteza em relação ao desempenho global.
O professor de macroeconomia do Insper João Luiz Mascolo diz que o governo tem produzido crises desnecessárias que podem prejudicar o andamento das reformas e afetar as expectativas para o crescimento do PIB em 2020.
"Todo o mundo começou o ano mais otimista. Presumia-se que o caminho estaria aberto para outras reformas. Agora, o questionamento voltou, todo mundo fica mais cauteloso, e isso tudo retarda a arrancada", afirma Mascolo.
"Torço para que esses ruídos, arroubos, sejam minimizados, esquecidos. Quem sabe o Carnaval ajuda."
Sobre o risco de Bolsonaro dar uma guinada populista na economia, ele diz que não há mais espaço para que esse tipo de política de estímulo dê resultado. Segundo Mascolo, até a liberação do FGTS anunciada no ano passado foi menos direcionada ao consumo do que se esperava.
"Eu tenho dúvidas se no Brasil de hoje há espaço para um voo de galinha desses. O Lula conseguiu em 2010, a Dilma repetiu e já não deu em nada. Isso ficou bastante desgastado."
Para o professor de economia Fernando Botelho, da FEA-USP, os dados que mostram recuperação mais lenta podem ajudar Paulo Guedes a convencer o presidente da urgência de avançar na agenda de reformas, embora haja sempre o risco de uma guinada populista. "O fato de a economia vir um pouco mais fraca talvez devolva um certo senso de urgência ao governo. Sem a agenda reformas, podemos voltar para um clima de desânimo", afirma Botelho.
Segundo ele, o Executivo tem se acovardado diante da possibilidade de promover mudanças. O professor cita o receio de Bolsonaro em relação à reação do funcionalismo. Também afirma que a proposta de Guedes de fazer uma reforma tributária que trata apenas de duas contribuições federais (PIS e Cofins) —a da Câmara unifica cinco tributos— não resolve o problema do sistema tributário.
Sobre as declarações polêmicas de Guedes, afirma que elas não ajudam na tramitação das reformas e que podem refletir um momento difícil para o ministro.
"As declarações são mais um sintoma de uma situação pela qual ele deve estar passando, de ter uma certa visão de que precisa continuar a fazer reformas, mas não encontrar respaldo para isso na cúpula do governo", diz o economista.
"O presidente teve uma posição corporativista por mais de 20 anos. Convencer o Bolsonaro deve ser bastante difícil. Ele [Guedes] parece estar impaciente. Talvez não esteja com tanto prestígio. Com a economia dando uma pioradinha, talvez volte a ser ouvido."
Em relatório divulgado nesta quinta (13), a consultoria LCA cita expectativa desfavorável para os ativos domésticos em razão de três fatores, a começar pelas falas de Guedes e do presidente do Banco Central de que o real fraco não é um risco para a economia.
"Em segundo lugar, temos os problemas na agenda de reformas, como o adiamento do envio da reforma administrativa e as mudanças na PEC dos Fundos, feitas na CCJ do Senado, que ameaçam o teto de gastos. Em terceiro lugar, a incerteza com o crescimento da economia." (Julia Chaib, Gustavo Uribe e Eduardo Cucolo/FolhaPressSNG)