Famílias de vítimas do Ninho reclamam de ausência de Landim, e CPI propõe amistoso beneficente
Em sessão na Alerj, representantes de órgãos públicos, empresa e cartolas se esquivam de responsabilidade pela tragédia de 2019. Vice rubro-negro reconhece falha: "Faltou ao Flamengo esse olhar. Uma coisa é a financeira e outra humana"
A CPI dos Incêndios na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) ouviu nesta sexta-feira diversos personagens envolvidos na tragédia do Ninho do Urubu, o incêndio ocorrido em 8 de fevereiro de 2019 que deixou dez vítimas. Foram diversas as alegações, desde vice-presidente de patrimônio afirmando que não tinha detalhes sobre o alojamento no CT, a representante da Prefeitura assegurando que o local estava interditado desde 2017, mas que a decisão de acolher a interdição é do empresário.
As famílias, por sua vez, tiveram a oportunidade de questionar os dirigentes presentes. Reclamaram da ausência do presidente Rodolfo Landim e principalmente da postura do clube depois da tragédia. Desta vez, o Flamengo enviou uma comitiva com três dirigentes, sendo dois vice presidentes e o CEO do clube. O vice de futebol, Marcos Braz, ainda apareceu por conta própria - e saiu antes do fim da sessão sem dar declarações. Dessa forma, a CPI não viu necessidade de aplicar a condução coercitiva determinada na última sessão para o presidente Rodolfo Landim, que foi para Brasília acompanhar a final da Supercopa do Brasil no domingo.
Foi feito um acordo entre o clube e a presidência da CPI para que o vice geral do Flamengo, Rodrigo Dunshee de Abranches, representasse o clube, evitando a medida. Na última sexta-feira, somente o diretor jurídico e um advogado apareceram, e diante do pedido de condução coercitiva para os cartolas, o CEO Reinaldo Belotti foi enviado às pressas para a Alerj. Na sessão, Dunshee reconheceu falha do clube na relação com as famílias.
CPI propõe amistoso com renda para famílias das vítimas
Já no fim da sessão, a CPI propôs a realização de um amistoso beneficente com o time do Flamengo com a renda revertida para as famílias, sem afetar as indenizações. Dunshee disse que levaria a proposta ao clube:
- Vou levar essa ideia (amistoso beneficente) para o comitê. Tenho certeza que os jogadores vão ter o maior prazer de fazer esse jogo."
Nesta sexta, Jaime Correa da Silva, vice de administração rubro-negro, e Marcos Braz, vice de futebol, compareceram ao lado de Belotti e Dunshee de Abranches. O nome de Braz chegou a ser citado equivocadamente na última sessão como incluído no pedido de condução coercitiva, o que depois foi corrigido pela presidência da mesa. Ainda assim, ele resolveu se juntar de forma voluntária à comitiva rubro-negra na sessão desta sexta.
O ex-vice de patrimônio do Flamengo Alexandre Wrobel, que igualmente não atendeu à convocação para a última sessão, e o ex-CEO do clube Fred Luz, ambos da gestão de Bandeira de Mello, também marcaram presença.
Familiares questionam dirigentes do Fla e ausência de Landim
Entre os familiares das vítimas, compareceram Darlei Pisetta, pai do Bernardo; Cristiano Esmerio, pai do Christian; Wanderlei Dias e Alba Valéria, pais de Jorge Eduardo; e Wedson Candido e Sara Matos, pai e mãe do Pablo Henrique. Na última sessão, o pai de Pablo criticou a falta de diálogo com o Flamengo e a postura da diretoria do clube. Nesta sexta, Darlei Pisetta repreendeu um deputado durante a sessão pedindo respeito ao ouvir o alojamento dos jovens no Ninho do Urubu ser qualificado como "jaula" pelo político.
O pai de Pablo Henrique, Wedson Candido, questionou Dunshee de Abranches sobre supostas alegações do dirigente de que os meninos mortos no incêndio não chegariam à categoria profissional do clube. Dunshee negou ter usado esse argumento e explicou:
- Outro dia estava em casa, o senhor perguntou como eu dormia. Recebi esse recado do meu filho. O senhor atingiu seu objetivo. Eu, como Rodrigo, não me sinto responsável. A gente tenta entender seu sofrimento, mas é impossível. Só posso pedir perdão a vocês. O que eu disse outro dia é que o Flamengo ou eu, não estaríamos considerando a estatística a fazer essas propostas. Porque se fossemos considerar, as propostas estariam muito acima - argumentou Dunshee.
O vice geral rubro-negro, no entanto, reconheceu que o clube falhou na questão humana:
- Faltou ao Flamengo esse olhar. Como houve essa reclamação, vamos olhar mais para isso. Uma coisa é a financeira e outra humana, vamos tentar conciliar isso. Quando conseguirmos vai melhorar muito - disse Dunshee de Abranches.
Alba Valéria reclamou da ausência do presidente Rodolfo Landim. Ela disse:
- Por que ele (Landim) nunca vem nas entrevistas? Não foi naquele hotel lá no Rio? Uma vez que passou e foi embora. Acha que a gente só quer... Não quer dinheiro não, dinheiro queria para gastar com nossos filhos - disse a mãe de Jorge Eduardo.
Darlei Pisetta fez a mesma contestação:
- Por que o presidente Landim não está aqui? Falta humildade para dizer nós erramos, vamos consertar. Tomara que isso aconteça. E façam o simples. Se fosse feito o simples desde o início, já estaria resolvido. Não estaríamos aqui - disse o pai de Bernardo Pisetta.
Wedson Candido, por sua vez, lamentou:
- Fiquei sabendo da morte do meu filho pela imprensa. Ninguém do Flamengo me ligou. Meu filho não tem preço. Esperei por ele por quarenta anos e vivi com ele catorze - afirmou o pai de Pablo Henrique.
Dirigentes e representantes de empresas e órgãos se esquivam
Fred Luz foi o primeiro a falar, sendo questionado a respeito da estrutura na qual os meninos da base rubro-negra ficavam alojados. Afirmou que os contêineres já estavam no Ninho do Urubu quando assumiu a direção executiva do clube.
- Em relação aos meninos serem hospedados, quando chegamos ao Flamengo já havia estrutura da NHJ. A informação que sempre tive da área técnica é que os módulos eram perfeitamente adequados para que os meninos ficassem - afirmou o CEO da gestão Bandeira de Mello.
Ele também foi questionado se o clube deixou claro à empresa que forneceu a estrutura que o objetivo era o alojamento de jovens:
- O Flamengo alugou módulos da NHJ porque a demanda era essa, com propósito de alojar meninos. Eu não conversei com a NHJ, mas julgo que sim (tenha sido aclarado à empresa de que alojariam meninos). Eu não sei quem do Flamengo colocou as camas lá.
Em seguida, o ex-CEO rubro-negro foi pressionado para que desse os nomes de quem lhe passou a posição de que os módulos eram adequados. Fred Luz respondeu explicando como funcionava a cadeia de comando no clube, mas sem apontar diretamente o responsável pela informação.
- Nós tínhamos uma cadeia de comando. Futebol e a área de patrimônio. O pessoal de futebol se reportava ao Carlos Noval, que se reportava ao diretor de futebol. Na área de patrimônio, a mim se reportava o Paulo Dutra, que tinha sob sua administração quatro áreas: financeira, administrativa, patrimônio e recursos humanos. Ele saiu do Flamengo em 2017 e foi substituído por Marcio Garotti.
Alexandre Wrobel, ex-vice de patrimônio da gestão anterior, também se esquivou. Afirmou que não tinha detalhes sobre a estrutura dos alojamentos da base.
- As construções dos prédios sei de todos os detalhes. Dos contêineres não sabia de forma nenhuma. Não fazia ideia de como dormiam e quantos dormiam. Não era minha competência. O nosso trabalho era de macro. Fazer a estratégia do departamento - disse Wrobel.
Sandra Nunes, representante da secretaria municipal da Fazenda, constatou que o CT estava interditado pela Prefeitura no dia 8 de fevereiro de 2019. Ele foi interditado em 2017.
- A nossa interdição é administrativa, cabe ao empresário acolher - alegou Nunes.
Marcelo Sá, engenheiro do Flamengo, chegou a se emocionar ao se defender:
- A responsabilidade do meu departamento cabe tão somente às obras definitivas, licenciadas. Todas as obras do meu departamento estavam licenciadas. Essa é a oportunidade que estou tendo aqui de me colocar. Do tapume para dentro podem me perguntar, não tem uma vírgula.
Representante da NHJ, a empresa que forneceu a estrutura ao Flamengo, Claudia Rodrigues, no entanto, apontou que tratava diretamente com a engenharia do clube:
- Não tínhamos ciência de que tinha materiais inflamados dentro dele. Ele pode ser utilizado para escritório e para dormitório. A NHJ aluga módulo, mas o painel é importado de uma empresa da Itália. Essa empresa nos atesta a possibilidade de uso. O pedido vem da área de engenharia do Flamengo, pedindo um novo espaço. Fazemos vistoria técnica e depois um layout. Nós temos os emails que foram trocados pelas empresas na negociação. O uso do contêiner é sempre dado pelo locador. Somos apenas empresa de locação de equipamentos.
Daniel Negreiros, superintendente da Light, disse que não houve incidentes relevantes na noite anterior ou na madrugada do incêndio:
- Não houve nenhum tipo de oscilações, perturbações, seja na noite anterior ou na madrugada da tragédia. Não há nenhum pedido durante essa semana, semanas que antecederam, registro de equipamentos queimados na região. Estava dentro dos limites estabelecidos pela Agencia Nacional de Energia Elétrica.
O atual vice de administração do Flamengo, Jaime Correia da Silva, avisou que poderia "colaborar pouco":
- Eu sinto que talvez não vá colaborar muito. Faço parte do conselho diretor. Sou conselheiro há alguns anos. Entrei agora em janeiro na administração. Eu conheci o CT quando entrei agora. Nós trabalhamos na Gávea, e o CT funciona separado. Eu como VP estou pouco ligado ao CT. Não participamos na operação, apenas decisões de forma geral. Era o segundo mês que estávamos lá. Não tínhamos ainda detalhes deste trabalho. Faltou esclarecimento da administração da gestão anterior.