Diremos não aos ataques sórdidos!

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Tudo começou com a Dilma. Que foi xingada durante a abertura da Copa do Mundo de 2014. Depois veio a Marielle. Quinta vereadora mais votada nas eleições de 2016 no Rio de Janeiro, enfrentou com a vida os inimigos dos jovens da periferia do estado. Até hoje o seu assassinato não foi esclarecido. Mesmo depois de morta é alvo de ataques constantes dentro e fora das redes sociais. A cena da placa com o nome dela sendo quebrada por deputados do PSL correu mundo. Depois vieram Manuela D’Ávila, Míriam Leitão, Sâmia Bomfim e Joice Hasselmann – atacadas por causa da forma física –, Constança Rezende, Petra Costa, Patrícia Campos Mello.

Neste último caso, as agressões misóginas começaram em outubro de 2018, após a repórter revelar a compra de disparos em massa de mensagens de whatsapp pela campanha de Jair Bolsonaro. E voltaram agora, depois que um funcionário de uma das empresas que prestavam esse tipo de serviço mentiu à CPI das Fake News. Voltaram ainda mais covardes, sórdidas, sexistas e baixas.

Fora do Brasil, foi marcante a imagem da política boliviana Patrícia Arce cercada por homens mascarados, descalça e com tinta derramada por todo o corpo. Arce, prefeita do município de Vinto, de 60 mil habitantes, pertencente ao departamento de Cochabamba, teve os cabelos cortados à força e seguiu xingada durante todo o trajeto que foi obrigada a fazer. Na entrevista que deu após ser resgatada por policiais, foi taxativa: “sou livre, não vou me calar; se querem me matar, que me matem”.

Resistência também foi a palavra de ordem da jornalista Patrícia Campos Mello, que continuou a fazer denúncias nas redes sociais. A mobilização em defesa dela foi bonita, rápida, enérgica, forte. Um manifesto assinado por cerca de três mil mulheres em repúdio aos ataques circulou por todo o país. O levante feminino foi imediato e reforçou ainda mais a causa que venho pesquisando e divulgando em meus textos e palestras: juntas somos mais fortes.

A participação das mulheres nas revoluções históricas sempre teve um peso definitivo. Durante a Revolução Francesa, elas saíram às ruas com tanta sede de participação e desobediência que o teórico monarquista De Bonald afirmou que “a Revolução não teria sido tão revolucionária se as mulheres tivessem sido mantidas à margem dela”. Está no livro Deslocamentos do feminino, da jornalista e psicanalista Maria Rita Kehl. Ela escreve que incendiárias, indisciplinadas, “buchas de canhão” nas mais violentas insurreições populares, as mulheres estiveram na linha de frente das manifestações públicas no fim do século XVIII.

No artigo “Filhas da liberdade e cidadãs revolucionárias”, escrito por Dominique Godineau, também citado por Maria Rita Kehl, as mulheres da Europa moderna aparecem desempenhando tradicionalmente um papel de agitadoras, à frente das insurreições parisienses. Em outubro de 1789, elas foram as primeiras a se agrupar e a marchar sobre Versalhes. Antes, em 1793 e 1795, nas semanas que precedem as insurreições, já formavam grupos e ocupavam as ruas. Numa tentativa de repreendê-las, os deputados franceses proibiram as mulheres de se reunir nas ruas, sob pena de prisão. Se a lei adiantou ou não, basta ver o resultado da Revolução Francesa.

No Brasil de 2020, a mobilização está, principalmente, nas redes. Hashtags como #MexeuComUmaMexeuComTodas, #MariellePresente, #JuntasSomosMaisFortes, #DeixaElaTrabalhar #NenhumaaMenos mostram que a sororidade é realidade. Seguimos juntas.

Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.