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John RodgersonClaudio Gatti

O Brasil não é só São Paulo, Rio e Brasília

Com investimento de R$ 16 bilhões na aquisição de aeronaves, a empresa criada por David Neeleman quer conectar o País com voos para 200 cidades. Além de agregar a pequena TwoFlex, a empresa acaba de anunciar a nova rota Campinas–Nova York. O plano de voo é detalhado pelo CEO John Rodgerson.

Pronunciar corretamente nomes de cidades como Mossoró (RN) e Sinop (MT) é um desafio para o americano John Rodgerson, presidente da Azul Linhas Aéreas. Ainda que com sotaque carregado, seu esforço evidencia o interesse da companhia em ampliar ainda mais a conexão entre pequenas cidades do Brasil, que atraem pouca atenção de outras companhias aéreas. A empresa cujo faturamento em 2019 superou os R$ 10 bilhões quer chegar a 200 cidades nos próximos cinco anos (hoje são 116, sendo 106 no País) e fugir ainda mais do eixo SP-RJ-Brasília. Dos 930 voos diários, o plano é chegar à marca de mil decolagens todos os dias até julho deste ano. Para conseguir mais voos nacionais, a Azul irá investir cerca de R$ 16 bilhões na compra de 75 aeronaves da Embraer. “Estamos indo para lugares que antes eram esquecidos. Isso significa conectividade.”

Dinheiro – A Azul opera hoje em 116 cidades, dos quais 106 no Brasil, e já vislumbra chegar a 200. Em quanto tempo isso será possível?
John Rodgerson – Nos próximos cinco anos. Estamos falando de cidades pequenas no Brasil. Sinop (MT), por exemplo, onde a Azul opera, é uma grande cidade agora, mas há 10 anos pouco se falava. Vamos aumentar nossa presença no estado de Amazonas. O fato é que o brasileiro viaja pouco, menos do que o colombiano e menos da metade do que o chileno. O País registra 0,5 viagem por habitante. Na Colômbia é 0,8 e no Chile, 1,3 viagem por habitante. A razão é que não estamos conectados o suficiente. Soma-se a isso o fato de que o cidadão brasileiro que tem dinheiro viaja para o exterior. Como é possível o brasileiro ir para Miami, Nova York e não conhecer Foz do Iguaçu?

Às vezes é mais barato ir para Miami do que para Fernando de Noronha, por exemplo…
É verdade. Isso acontece por causa do ICMS de combustível (em São Paulo, houve redução de 25% para 12%). Quando você viaja para a Flórida, não paga o imposto. Quando voa de São Paulo para o Nordeste, você paga. Isso é um absurdo. Isso acaba incentivando o brasileiro a viajar para fora do País, comprar eletrônicos, roupas. Quem perde com essa situação é o governo brasileiro. Isso tem que mudar. [Fernando de] Noronha é um dos lugares mais lindos do mundo e poucos brasileiros conhecem.

Como incentivar a população a viajar mais pelo Brasil?
Muita gente acha que o Brasil é o triângulo São Paulo-Rio de Janeiro-Brasília. Cerca de 90% dos assentos de nossos concorrentes estão nesse triângulo e por onde passam as conexões. Isso significa que Pernambuco, Pará, Rio Grande do Sul e tantos outros lugares são esquecidos. A Azul, então, foi para locais onde ninguém estava. Ninguém queria Campinas (Viracopos), mas chegamos e mudamos essa realidade. Em outras companhias, para sair de Recife, você acaba passando por Galeão, São Paulo ou Brasília. Mas pela Azul é possível sair direto de Recife para 20 cidades do Nordeste, incluindo Noronha. Isso significa conectividade. As pessoas precisam parar de achar que o Brasil é a Avenida Faria Lima (centro financeiro de São Paulo). A região Centro-Oeste, por exemplo, é a que movimenta o agronegócio brasileiro. Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília estão conectados. O que nunca foi bem conectado é o interior do Brasil, Minas Gerais, Pernambuco, Mato Grosso, Pará. Se eu morasse em Belém há cinco anos e quisesse ir para a Flórida, eu teria de ir para Brasília, ou Guarulhos e depois subir de novo. Um absurdo. Aí a Azul colocou, em dezembro de 2017, o trecho Belém-Fort Lauderdale (45 km de distância de Miami) e está dando supercerto. A Azul está investindo US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 6,5 bilhões) ao ano porque a empresa acredita no crescimento do País. Estamos abrindo pequenas rotas para que mais gente possa viajar.

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“Quando você viaja para a Flórida, não paga ICMS sobre combustível. Quando voa de São Paulo para o Nordeste, paga. Isso é um absurdo, acaba incentivando o brasileiro a viajar para fora do País. Noronha é um dos lugares mais lindos do mundo e poucos brasileiros conhecem” (Crédito:Stephanie Kenner)

Em junho, a Azul começa a realizar voos diretos de Viracopos para o aeroporto JFK, em Nova York, o que difere um pouco da política da empresa de interiorizar ainda mais os destinos no Brasil.
O que justificou a decisão?
Muitos brasileiros querem ir para Nova York. Como temos uma malha aérea muito bem conectada, podemos trazer pessoas do interior para embarcar para a cidade americana. E esse destino vai contribuir para aumentar ainda mais a malha aérea local.

Sem passar por Brasília-Rio-São Paulo…
Muita gente irá para Campinas para poder fazer o trecho de Nova York. Com isso, vamos fortalecer nossas linhas domésticas. Queremos abrir, a cada ano, uma rota internacional. Este ano será Nova York e, no ano que vem, possivelmente na Europa.

O que significa para a empresa a compra, recém-anunciada, de 75 aviões da Embraer?
O carro-chefe da Azul tem sido a Embraer. Estamos comprando uma aeronave com 18 assentos a mais (total de 136) que o modelo atual e que consome 20% menos combustível. A maior reclamação da Azul no mercado é sobre tarifa alta. O que estamos fazendo é investir em aeronaves que vão nos permitir reduzir as tarifas ao longo do tempo. O custo do combustível no Brasil é muito mais alto do que em outros países. Estamos trocando aeronaves velhas por novas, mais rentáveis. O valor de cada aeronave é de US$ 50 milhões (total de US$ 3,75 bilhões, equivalente a cerca de R$ 16 bilhões). Vamos receber ao longo dos próximos quatro anos. Somente em 2020 chegarão 25. Estamos definindo como será feito o financiamento.

Esse investimento em uma aeronave mais rentável vai resultar na redução de tarifa?
Acredito em redução de 5% a 10% ao longo dos anos, começando já neste ano. Mas também precisa ser entendido que tarifa não está associada ao tipo de aeronave. Tem a ver com demanda. E o que a Azul tem feito é conectar o Brasil.

Quanto o custo Brasil impacta a operação da Azul?
Além do combustível, outros impostos são mais altos que em muitos países. Outra questão é a dos processos civis. É claro que a empresa deve arcar quando há problema, mas não é possível uma ação porque a televisão não estava ao vivo em um voo. Isso chega num nível absurdo. Precisamos melhorar muita coisa no Brasil para ter um sistema mais eficiente. Vejo melhora em alguns setores, principalmente na questão da privatização de aeroportos.

E como estão os aeroportos de cidades menores?
O Brasil tem muita pista, mas falta estrutura em aeroportos pequenos. Faltam equipamentos de raios-X, caminhão de Corpo de Bombeiros, pequenas coisas. Não há necessidade de grandes investimentos. O que o passageiro quer é pousar. Por exemplo: no Sudeste muitos aeroportos fecham por conta de nevoeiro. É muito difícil fechar o aeroporto de Nova York por conta de neve. Já existe tecnologia que garante pouso com segurança. É necessário investimento e boa vontade. O setor privado precisa fazer sua parte, mas o poder público também não pode fugir de sua responsabilidade.

Diante de tantas adversidades, mas também oportunidades, qual a previsão de crescimento para este ano?
Crescemos 20% no ano passado e temos perspectiva de crescimento parecido em 2020. O quanto a instabilidade política e econômica brasileira interfere no planejamento da companhia?A Azul precisa ser uma empresa que resista a governos de esquerda ou de direita. Já vi o dólar a R$ 1,58 e agora está por volta de R$ 4,30. Já vi o PIB crescer 7%, 8% e chegar a -4%. Já acompanhei greve de caminhoneiros, impeachment. Precisamos ter um plano de negócios que não dependa do governo. O poder público pode ser parceiro, mas não posso ser dependente dele. O real está fraco, mas o PIB está ajudando. Acredito na previsão de 2,5%, mas é necessário deixar de falar e fazer. A Azul está fazendo a parte dela.

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“Muitos aeroportos do Sudeste fecham por causa de nevoeiro, mas é difícil fechar o aeroporto de Nova York por conta de neve. Já existe tecnologia que garante pouso com segurança. É necessário investimento e boa vontade” (Crédito:Anouchka)

O que a compra da empresa aérea regional TwoFlex agrega para a Azul?
Enxergamos como uma oportunidade para voar para cidades pequenas (são 39 destinos), com aeronave de nove lugares. Também há slots em Congonhas, o que é importante para nós. Outra perspectiva com essa aquisição foi aumentar o volume de transporte de cargas. A TwoFlex possui 17 aeronaves, que transportam passageiros ou carga. Podemos levar para cidades pequenas do Brasil encomendas da Amazon, Mercado Livre, Magazine Luiza, e ajudar no aumento do e-commerce no País. Para quem mora no Centro-Oeste ou regiões mais distantes, às vezes a única opção de compra é pelo comércio eletrônico. Nós conseguimos entregar o pacote em muitos lugares, principalmente em cidades pequenas. As pessoas querem receber logo suas encomendas. Hoje o mercado de cargas representa para a Azul mais de R$ 500 milhões, perto de 5% do faturamento da empresa. E vem crescendo num ritmo mais forte. O crescimento desse segmento na Azul foi de 50% de 2018 para 2019. E a TwoFlex vai ajudar a aumentar ainda mais essa participação.

O nome da empresa vai mudar? Há alguma estratégia nesse sentido?
Vai, assim como fizemos com a Trip (incorporada em 2012). Será algo com a palavra Azul também, talvez Azul Express, mas ainda não está definido.

O aumento de casos de coronavírus no mundo pode impactar o serviço da Azul?
Vale elogiar a decisão dos Estados Unidos em fechar a fronteira com a China. Nenhum dos casos registrados por lá estão na Flórida e nem em Portugal, onde a gente opera. O fato é que isso está sendo levado muito a sério, mas também não podemos entrar em pânico. Viagens no Brasil não devem sofrem impacto e entendo que a questão no País está sob controle. Afeta mais quem planeja ir para a Ásia. É um risco hoje passar pelo aeroporto de Guarulhos? Não.