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Neoliberalismo e direitos sociais: um ataque à cidadania

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Paulo Guedes no EUA: súplicas por ajuda com a OCDE (Foto: Alan Santos/PR)

Ao transformar direitos coletivos em mercadorias individuais, regime econômico desfaz a noção de cidadania

Em tempos de reformas trabalhista e previdenciária, privatizações dos bens públicos e precarização do trabalho, nos quais a mais superficial defesa das instituições públicas é confundida com socialismo, as disputas narrativas se tornam cada vez mais cruciais para resistir aos movimentos antidemocráticos que voltaram às ruas e aos governos por todo o mundo.

Ainda que possa parecer ineficaz, dada à indisposição de nossos interlocutores em acreditar que as suas desejadas férias de verão só existem por culpa de um bando de socialistas grevistas, é necessário reafirmar que os direitos sociais nem sempre existiram e que muito menos foram presentes dados de bom grado pelas elites às massas de pessoas que vendem sua força de trabalho para sobreviver.

Direitos vistos como “básicos” nos dias de hoje, como limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias, descanso semanal remunerado, seguridade social, acesso gratuito aos sistemas de saúde e educação, por exemplo, são frutos de lutas sangrentas que se desenrolam no interior da sociedade capitalista há mais de 150 anos.

Os embates travados pelos movimentos operários do século XIX foram os primeiros passos para democratizar a relação de emprego, isto é, para afirmar que esta não era uma relação entre mestre e servo nem um simples contrato firmado entre dois indivíduos privados, mas uma questão de interesse público que importa a toda a coletividade e que, por conta disso, depende da norma jurídica para ser regulamentada em patamares mínimos.

E foram esses processos de lutas democráticas que transformaram questões até então compreendidas como de natureza privada – tais quais trabalho, saúde, educação e seguridade social – em preocupações públicas relacionadas à cidadania e à igualdade.

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Contudo, justamente por não serem atemporais nem eternos, os direitos sociais sempre correm o risco de sofrer revezes e retrocessos. Desde a década de 1980, sob os nomes de modernização ou neoliberalismo, efetivaram-se em escala internacional inúmeros ataques contundentes não somente ao que usualmente se chama de “Estado de bem-estar social”, mas à própria compreensão do que constitui a esfera pública da sociedade.

Ao afirmar que trabalho, seguridade social, saúde e educação são assuntos que não devem ser tratados pelo poder público, mas somente pela iniciativa privada, desloca-se a linha que divide o que está incluído na esfera pública da cidadania (o que é comum, compartilhado e que interessa a todas e todos) do que está fora dela (o que pertence à esfera privada dos interesses particulares de cada pessoa).

Assim, com o avanço das medidas neoliberais, implicitamente se esvazia o próprio conteúdo da cidadania, pois se retiram dela os aspectos da vida humana que por meio da luta política foram reconhecidos como preocupações coletivas, e que passam a ser compreendidos como interesses meramente particulares a serem mercantilizados e explorados para gerar lucro.

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É interessante notar que essas flexibilizações de direitos e privatizações da esfera pública vêm acompanhadas por argumentos supostamente científicos (porém, que dificilmente se comprovam na prática), os quais reiteram a necessidade de desmanche de instituições públicas para o bem da economia nacional.

Esse discurso, que se vende como não-ideológico, tenta convencer que o mundo existente, o status quo, é o único possível e que não há nada para se almejar além disso. Ao se promover como a alternativa mais eficiente, o discurso “realista”, adotado pelos regimes de governo contemporâneos, pede que as pessoas sejam razoáveis em suas demandas e tenham consciência das contingências do mundo globalizado: devemos nos contentar com o que temos e, em tempos de “vacas magras”, devemos abrir mão de nossos “privilégios”.

Argumentos de autoridade científica e econômica se conjugam num discurso em que reformas no sistema previdenciário, flexibilização de direitos trabalhistas ou cortes de receitas destinadas à saúde e educação públicas são inconvenientes necessários para o bem da economia (sendo bastante questionável quem são os verdadeiros beneficiários desse crescimento econômico).

Porém, mesmo que nosso cenário não seja o mais animador, ao contrário do que o discurso neoliberal afirma, o mundo não é forjado de uma única realidade possível. Conhecer a história de nossos direitos implica ter consciência de que a ordem dominante sempre declarará que os objetivos das lutas por mais igualdade e dignidade são impossíveis. Nesse sentido, devemos lembrar-nos de uma frase marcante do movimento de Maio de 1968, que expressa bem a postura necessária na contemporaneidade: “sejamos realistas, demandemos o impossível”!

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