O Tempo, esse implacável Tempo

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O presente, um dia, será recordado, será o nosso passado, que, se for bem vivido, vamos guardar na memória como um tesouro. Neste tempo que nos pertence, sejamos gratos aos que nos ensinam, aos que nos amparam, a todos aqueles com quem tivemos o privilégio de nos cruzar, semeando um pouco da memória de nós.

Sabes o que é certo neste momento? O facto de estares a ler estas palavras. A certeza de estares a partilhar este momento da tua vida com estas linhas escritas. O minuto anterior já não te pertence. Somente a memória dele. O passado é feito de momentos irrepetíveis. Uns, guardados em lenços de veludo para que nunca se estraguem; outros, espalhados em gavetas desarrumadas, presas ao armário do teu corpo.

O futuro? Uma arrogância. Será sempre uma arrogância julgá-lo nosso, pensá-lo adquirido. O Tempo leva-nos tudo e leva-nos com ele sem darmos conta, sem nos dar a garantia do momento, da hora, do dia seguinte.

Apaga-nos a luz e adormece-nos todos os dias para nos envelhecer o corpo devagarinho. Acende-nos de novo o sol e empurra-nos para a vida como se não nos tivesse tirado nada.

Mas o que mais dói é quando esse egoísta Tempo nos leva as pessoas que sempre foram nossas sem nos pedir autorização. A umas leva-as, porque chegou a hora de partirem; a outras, porque as desvia do nosso caminho. E ficamos com a sensação de vazio de cada vez que uma parte. É como se tivessem levado um pedaço de nós. É como se tivéssemos espaços em branco dentro da alma, lugares onde viviam essas pessoas connosco no dia a dia. Sentimo-nos impotentes perante o poder desse Tempo capaz de fazer tudo o que lhe apetece. É nesse momento que o passado passa a ser memória, imagens retidas na retina do coração. O cheiro da pele, esse, esvai-se. Se o sentimos algures entre as gentes, avivam-se as recordações. É como se ressuscitássemos as pessoas em nós. E procurámos, em vão, um odor que conhecemos de cor outrora, mas que sabemos que não pertence à pessoa que perdemos. Esse será sempre único e inigualável. 

O Tempo leva sem pudor o som, o timbre da voz. Os nossos ouvidos não são capazes de o guardar por muito tempo. Salva-nos, muitas vezes, o atendedor de chamadas. E ligamos mil vezes até à exaustão, até decidirmos apagar o número para não endoidecer.

Contudo, o Tempo, esse implacável Tempo, nunca nos levará o presente. O Tempo pode julgar-se dono de tudo, pode dominar tudo, levar-nos tudo e levar-nos com ele. Mas, quanto ao presente... Ai! Este presente! Este presente em que podemos decidir Ser, decidir Ir, decidir Dar. Quanto a este tempo nada poderá o Tempo fazer, porque nos pertence. É o tempo de ouvir as pulsações da vida, daquela que temos enquanto estamos vivos.

O presente, um dia, será recordado, será o nosso passado, que, se for bem vivido, vamos guardar na memória como um tesouro e ouvirmos como uma caixinha de música no nosso pensamento até ao nosso fim. Neste tempo que ainda é nosso, aproveitemos as pessoas que nos enchem os dias, as que nos fazem sorrir, as que nos ouvem e nos compreendem, as que caminham ao nosso lado. Neste tempo que nos pertence, sejamos gratos aos que nos ensinam, aos que nos amparam, a todos aqueles com quem tivemos o privilégio de nos cruzar, semeando um pouco da memória de nós.

Sabes, o Tempo pode tirar-nos tudo amanhã.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico