“O mais importante é o ecossistema” na adoção de 5G pelas empresas
by Ana Rita GuerraOs exemplos internacionais permitem perceber o que está a funcionar, segundo o head of customer marketing da Ericsson Ibéria, Jaime Trapero
A rede 5G chegou à Coreia do Sul há dez meses e a vários países da Europa, incluindo Espanha, no outono de 2019. Embora esteja tudo no início, já dá para retirar conhecimento dessas experiências e sobrepô-lo sobre o que vai ser feito no mercado português.
É disso e outros temas relacionados com a nova geração que Jaime Trapero, o líder das operações de marketing da Ericsson em Portugal e Espanha, falará na sua apresentação na Vodafone Business Conference, que decorre em Lisboa na próxima semana. O executivo é um de três oradores que tomarão o palco na Fundação Champalimaud para explicarem o que está a ser feito, o que se projeta para o futuro e porque é que o 5G tem potencial revolucionário em todos os sectores da economia e sociedade.
Que temas irá abordar na conferência?
Vou dividir em três partes. A primeira sobre qual é o potencial de negócio do 5G, quais são os benefícios que traz ao mundo corporativo, às empresas. O segundo bloco é concretizar esse potencial numa série de números, tanto a nível global com um estudo que fizemos como ao nível específico de Portugal. E não apenas ao nível do país mas também dos sectores, que como se sabe, vamos incidir na área da saúde, na parte de mobilidade – sobretudo automóvel – e na indústria 4.0, com manufatura.
Por fim, acabar com uma série de exemplos nestes sectores, casos de utilização que estamos a ver a nível internacional, sobretudo nos Estados Unidos com a Verizon, AT&T, e Coreia do Sul, os primeiros que lançaram. De resto, estamos à espera de ver o que acontece a nível do consumo e também da indústria.
Qual é o estudo que refere?
É o 5G Compass, um estudo que realizamos há vários anos e a última edição foi lançada em outubro de 2019. O que fizemos foi alargar o horizonte a 2030 e aumentámos a previsão de 619 mil milhões para 700 mil milhões de dólares. Dividimos numa série de clusters e indústrias, como vão beneficiar em termos de receitas relacionadas diretamente com o 5G.
Têm números para Portugal?
Sim, temos um modelo com que podemos trabalhar em cada país em função das expectativas de negócio para operadores. O estudo baseia-se em dez indústrias e nove clusters tecnológicos. Em concreto, para Portugal, estaremos a falar de quatro mil milhões de dólares.
De que forma a experiência em Espanha, onde já há 5G, pode ajudar o mercado português?
O que estamos a ver na parte do consumidor em Espanha, com o lançamento do 5G, é que as pessoas estão a gostar bastante. Na parte das empresas, o que temos é uma fase exploratória, de casos de uso distintos em que vemos possibilidade de aplicação. Estamos a explorar as possíveis aplicações da tecnologia 5G, e ainda estamos centrados em pilotos, em testes. O mais importante neste sentido é o ecossistema, o que me parece ser o denominador comum em todos os países, não apenas Espanha.
O mercado onde estamos a ver uma escalada maior é a Coreia do Sul, que lançou em abril de 2019 e no final do ano já tinha mais de 4,6 milhões de subscritores. A adesão é gigantesca.
Apesar de haver mais interesse inicial nos consumidores, quais são os sectores em que se poderão esperar mais projetos no curto prazo?
Segundo o estudo, o sector da saúde é o que representa o maior aumento em comparação com os anos anteriores. Segue-se a manufatura, com a indústria 4.0, onde acho que será dos mais revolucionários por facilitar a reconfiguração da cadeia de produção. Basicamente seremos capazes de regular a cadeia de produção com base na procura concreta. A parte de energia e utilities tem casos muito interessantes para 5G e também a parte automóvel. Aí distinguimos os transportes conectados e iniciativas de smart cities que são um chapéu sobre distintos sectores que confluem.
Em cada país depois temos muitos condicionantes. Por exemplo nalguns há iniciativas ligadas à agricultura, com a digitalização do sector agrário.
Em particular nos automóveis e carros conectados, a Ericsson liderou o 5G Car. Em que outros projetos estão envolvidos?
A Ericsson faz parte da 5G Automotive Association (5GAA) e estamos há muitos anos a conectar veículos. Um dos produtos do nosso portfólio é a Connected Vehicle Cloud, uma plataforma digital que facilita ao fabricante a implementação e gestão de serviços relacionados com os serviços conectados. Temos quase 4 milhões de veículos conectados. Há dados interessantes, sobretudo no que respeita a marcar a evolução do sector dos transportes. O que vemos nas estatísticas é que o número de carros conectados em operação vão subir quase a 500 milhões em 2025. Só no ano passado o número de carros conectados cresceu 45% para quase 50 milhões.
Primeiro conectamos, depois automatizamos – os semi-autónomos – e depois redefinimos os modelos de negócio relacionados com os carros. Poderemos converter o produto num serviço.
Há algum caso de uso que mereça destaque?
O modelo eGo, a empresa de microcarros que tem uma rede privada, uma instalação da indústria. Há o caso vistoso da Einride, uma fabricante de camiões autónomos na Suécia. É uma colaboração entre a Ericsson, Einride, DB Schenker, em que fomos capazes de pôr na estrada o primeiro camião elétrico sem condutor, graças a uma rede 5G e da cloud. Conseguimos com um condutor remoto controlar até dez camiões. Isto vai no sentido de ver como será o futuro da gestão de frotas. No tema da condução remota, o 5G vai ser essencial, precisamente por causa dos aspetos da latência.
Quais são as vantagens competitivas da Ericsson? Porquê vocês e não uma das outras gigantes do mercado?
Somos uma empresa que está a liderar um pouco todo o sistema de inovação e comercialização. Estamos aqui desde o princípio com laboratórios e agora a comercializar finalmente as redes 5G. Temos 80 acordos comerciais, temos cerca de 20 redes já a funcionar, e creio que somos uma parte essencial do ecossistema 5G.
Por outro lado, ajudamos os nossos clientes desde o princípio a fazer essa transferência, essa evolução do 4G para o 5G. Estamos a investir muito. Penso também que marca a diferença como empresa europeia.
A questão do investimento é importante, tendo em vista o retorno para todos os envolvidos. É uma discussão que têm com os operadores e parceiros?
É efetivamente uma discussão muito interessante. Vamos ao caso da Coreia do Sul: lança o 5G em abril e todos viram como o número de subscritores cresceu. Creio que um dos segredos foi que fizeram um pacote atrativo com serviços distintivos de 5G, como realidade virtual e aumentada. De alguma forma as pessoas conseguem perceber que há um serviço extra relacionado com o 5G. Isto só na parte de consumidor.
E estamos a ver casos na indústria, há um caso muito claro com a fábrica da eGo na Alemanha. O sector da manufatura foi um dos primeiros que viu a importância do 5G e a possibilidade de eliminar os cabos nas indústrias. Vai beneficiar pela flexibilidade na produção.
A oportunidade é grande também na saúde, não falamos apenas de novos negócios e casos de uso mas também de grandes eficiências na digitalização de um sector como o da saúde. As ambulâncias conectadas, a digitalização dos hospitais, em que além da conectividade há inteligência artificial, edge computing, outro tipo de tecnologias que juntamente com o 5G vão favorecer todo este processo de transformação.
É um caminho que se faz andando, em conjunto com as áreas, as empresas, os casos de uso em que a implementação do 5G já se vê como pode favorecer – seja em poupanças ou potenciando as receitas.
Os governos têm algum papel nesta transição?
É importante que favoreçam o que está nas suas mãos, o que neste caso é o espectro. Facilitar em vez de bloquear com burocracias. A tecnologia está aqui. Estados Unidos, Europa, países asiáticos, o debate que sempre temos é se algum vai mais ou menos adiantado, mas a tecnologia está aqui. Até certo ponto os governos podem ser um obstáculo, pôr tarifas muito altas, uma regulação fastidiosa.
Como podemos encarar as questões relacionadas com cibersegurança?
A mensagem importante que devemos fixar é que a segurança é mais uma parte, não é um add-on, a segurança do 5G está desde o princípio como parte da standardização do processo. O 5G, dentro da standardização, é das tecnologias mais seguras que há.