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O que é necessário para desbloquear a reforma da União Económica e Monetária

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Existem duas leituras possíveis da situação atual na zona euro. A primeira é focarmo-nos no facto de que enfrentámos uma crise existencial e saímos dela mais fortes: estamos no sétimo ano de uma expansão económica, com os números do desemprego mais baixos em 20 anos.

O Grexit (possível saída da Grécia da zona euro) ficou para trás e há, hoje, mais membros da zona euro do que no início da crise. Sem dúvida que temos uma desaceleração pela frente, mas temos as ferramentas e os mecanismos para lidar com isso; não é provável que seja um choque assimétrico tão violento como o de há uma década.

A leitura alternativa sugere que, apesar da implementação de reformas significativas que ajudaram a amenizar a crise, nada aconteceu nos últimos cinco anos. A arquitetura institucional da zona euro permanece congelada no seu estado de 2014: a união bancária não está completa, o "novo" conjunto de ferramentas fiscais está claramente a precisar de uma revisão, o chamado orçamento da zona euro é insignificante e as "salvaguardas" não alcançam todo o seu potencial. A espiral negativa entre bancos e títulos soberanos está viva e bem de saúde, e os países continuam a divergir em vez de convergir. Para cúmulo, estamos a chegar aos limites do que a política monetária e o Banco Central Europeu [BCE] podem oferecer, enquanto os países discordam fortemente sobre a utilização do limitado espaço orçamental existente.

Num cenário de não-crise, os decisores políticos perderam ímpeto na reforma. No entanto, ao fazê-lo, eles correm um grande risco político e económico: na pior das hipóteses, não estaremos preparados para a próxima crise; na melhor das hipóteses, assistiremos à "euroesclerose" a regressar. Em vez disso, eles devem agir e mostrar-se à altura da situação. Agora é a hora certa, com uma nova Comissão Europeia a delinear as suas prioridades e a apresentar um plano para um "novo Acordo Verde", um novo Parlamento Europeu prestes a discutir o quadro financeiro de médio prazo da UE e uma sucessão à frente do BCE, o que pode levá-lo mais longe no caminho, tão perfeitamente definido pela declaração de "tudo o que for preciso", de 2012. E o ambiente atual, sem inflação, com taxas de juros negativas e novas condições de concorrência, é propício a iniciativas ousadas.

Mas, embora o momento e as condições possam ser os certos, parecemos estar encravados. As "janelas de oportunidade" políticas vieram e foram-se, e parece que estamos de volta aos estereótipos tradicionais, onde o núcleo da zona euro é de Marte e a periferia é de Vénus. O compromisso difícil entre partilha e redução de riscos parece fora de alcance; em vez disso, temos um impasse em todas as áreas de reforma descritas no relatório dos Cinco Presidentes de 2015 (uma versão já diluída do relatório dos Quatro Presidentes de 2012).

Na união bancária, a peça crucial que faltava - o Sistema Europeu de Seguro de Depósitos - está a enfrentar resistência. Ferramentas de estabilização anticíclica, tal como o socialmente atraente Seguro Europeu de Desemprego, ainda estão na fase de projeto, enquanto um Ativo Seguro Europeu que ajudaria a estabilidade financeira está perdido nos detalhes dos vários esquemas possíveis. O orçamento da zona euro proposto é uma versão pálida de uma capacidade orçamental central. E, embora haja quase um consenso de que as regras orçamentais são pró-cíclicas, muito complexas e provavelmente falharão novamente, não conseguimos encontrar a vontade política e o terreno comum para as alterar.

O que é surpreendente nesta situação é o forte contraste entre o claro apoio ao euro e à UE pelos europeus e o impasse político que nos impede de avançar. Como é que se quebra isso? Afirmamos que a chave é dupla: 1) financiar o investimento europeu, decidindo oferecer recursos próprios à UE, separados dos orçamentos nacionais; 2) concentrar esse investimento em bens públicos europeus. Estes passos não substituem a necessidade de uma verdadeira reforma na UEM, mas sem eles nenhuma reforma será possível.

A disponibilização de recursos próprios à UE é a única maneira de superar as divisões dos países em relação à despesa da UE com os orçamentos nacionais. Uma sondagem realizada em 10 Estados-Membros pela You Gov, juntamente com a Escola de Governança Transnacional da EUI (Florença), apoia isso: os cidadãos europeus estão profundamente divididos em relação à extensão em que os seus orçamentos nacionais devem providenciar mais financiamento para a UE, mas, no entanto, existe um apoio esmagador a novos recursos próprios a nível europeu, como taxas supranacionais sobre emissões (um imposto sobre o carbono), empresas de internet ou lucros comerciais em geral. Isto sugere que a melhor maneira de impulsionar o debate seria restringir o vínculo entre os orçamentos nacionais e o orçamento da UE e, em vez disso, desenvolver mecanismos de recursos próprios vinculados à atividade económica a nível europeu.

A segunda ferramenta seria usar o novo Acordo Verde e o espírito de missão que ele implica como forma de desbloquear o debate orçamental. Deveríamos concentrar-nos na capacidade de investimento em que bens comuns europeus estão em jogo. O nosso objetivo deve ser alavancar o capital europeu para uma sociedade inovadora, inclusiva e sustentável, que abraça a tecnologia. Um pacto verde com investimentos públicos e privados relacionados com a transição ambiental, adaptação ao clima, infraestruturas e aperfeiçoamento de capacidades pode fornecer a alavanca necessária para reinventar o modelo económico e social europeu.

Esta não é uma solução para tudo. Como já foi dito, o argumento para o restante da agenda de reformas da UEM permanece forte: as políticas de macro estabilização da zona euro trazem ganhos na melhoria do bem-estar. E títulos verdes não são um instrumento de estabilidade; ainda precisaremos de uma capacidade orçamental central com competência para tributar e pedir empréstimos, portanto um ativo seguro que, em certo sentido, seria a disponibilização de um bem comum e representaria um verdadeiro salto na UEM. Mas, para avançar o debate, precisamos de nos concentrar nos recursos próprios da UE e lutar por um novo Acordo Verde.