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Programa infeliz e com consequências perigosas: sobre o assédio no BBB

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Com o assédio, seja sexual, seja moral, não se brinca. Isso deveria ficar claro no programa transmitido a milhões de pessoas

O Brasil vive uma gravíssima situação: os homens brasileiros estão matando as mulheres brasileiras. Pode parecer uma frase tola, destituída de sentido mais profundo, todavia, é verdadeira.

Os dados apontam que o homicídio diminuiu e isso deve ser, por suposto, enaltecido, ainda que não tenha sido por políticas públicas, senão por decisões de facções criminosas que alteraram sua forma de agir na sociedade. Morrer menos, não importa por ordem de quem, nos alivia o peso da própria morte.

De outro lado, o feminicídio aumentou. Isso é terrível, porque indica um nível insuportável de desproteção pública das mulheres brasileiras, expostas como nunca ao risco de morte, que não ocorre por doenças ou outras causas naturais, mas porque são vítimas dos homens, que estão matando como nunca mataram.

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Vou mudar a frase, sem retirar-lhe o sentido: nós, homens, estamos matando as mulheres, como nunca o fizemos antes.

É aterrador que a motivação desses crimes, na quase totalidade dos casos, resulte de uma frustração amorosa, não absorvida por nós, homens; partimos para uma retaliação sangrenta, matando aquela mulher que nos demitiu de nosso lado da cama. A motivação é fálica porque o homem brasileiro tem sua sexualidade muito pouco amadurecida. A violência contra a mulher ultrapassou níveis que jamais pensaríamos que seriam atingidos.

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Na edição passada, cena de agressão no Big Brother Brasil que foi o estopim para a expulsão do participante Marcos Harter. Crédito: reprodução

Ocorre que, antes da morte, já decretamos a desmoralização feminina e temos nos tornado assediadores sexuais, nulificando qualquer possibilidade de dignidade humana da mulher, certamente porque muitos nós as desprezemos ou as temamos em demasia. Chegamos ao desatino de um deputado gaúcho, da extrema-direita, propor um “direito ao assédio”, por ele explicado como direito que a mulher (sim, na sua cabeça torta, é direito da mulher) ser cortejada, elogiada nos seus atributos físicos por homens heterossexuais, hoje, terrivelmente incompreendidos pela sociedade gay comunista e atéia.

O assédio sexual é primo-irmão do feminicídio.

Assediar sexualmente é uma forma de fazer desabar sobre a mulher o nosso inventário de dominações, a nossa auto inventada superioridade moral, na medida em que o assédio sexual coloca a mulher na sempre em posição inferior e vulgarizada; para fins de assédio, a mulher se torna apenas objeto de manipulação de poder.

Uma das fornas mais abjetas de assédio é fazer com que a mulher se torne um ser estúpido, na medida em que ele surge como uma “brincadeira”. Ele encoxou de brincadeira, ele pressionou seu corpo de brincadeira, ele estava apenas dançando com ela e de brincadeira, roçou o pênis, sem qualquer intenção oculta. A ela restará sempre o papel de idiota, que “não entendeu a brincadeira” e, pior, teria consentido porque, afinal, foi dançar com ele, aceitou carona, etc.

Diante da gravidade da situação que vivemos, é de se exigir um comportamento jamais inconsequente ou leviano de quem possui os meios de informação, formação e entretenimento.

As cenas mostradas no sempre constrangedor Big Brother revelam que houve assedio sexual, em uma das festas da casa, momento em que a embriaguez parece ser compulsória e contratual. Uma coisa esquisita: uma festa enorme para pouquíssimas pessoas. Claro, só pode acabar mal.

Não ter a emissora punido o assediador com sua eliminação da disputa foi um retrocesso e um risco.

Retrocesso porque apequenou um fato em si mesmo grave, não sem antes montar um simulacro de tribunal. Para a direção do programa, parece que o assédio é culpa também de quem bebeu além da conta, algo eticamente absurdo e juridicamente primitivo.

Um risco porque deixou quebrada a porta, tornando expostas a esse tipo de violência todas as demais participantes do programa.

Com o assédio, seja sexual, seja moral, não se brinca, isso deveria ficar claro no programa transmitido a milhões de pessoas, sem nenhum moralismo. Com o corpo alheio não se brinca, porque o resultado dessa brincadeira pode ser a morte.

O programa teve um mérito: mostrou que os homens ainda precisam se valer desses expedientes para dar vazão a uma sexualidade protozoica e sem nenhuma, mas nenhuma transcendência. São jovens machinhos que, em verdade, temem a vagina que encontram e com a qual se defrontam. Antes de celebrá-la, precisam destruí-la.

Como dizia a canção magnífica de Lupiscinio Rodrigues: “esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que sei…”

Este texto não reflete necessariamente a opinião de CartaCapital.

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